Abordagem
A síndrome HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia) é uma condição grave caracterizada por piora fetal e materna progressiva e, muitas vezes, rápida. É necessária uma abordagem cuidadosa e estruturada por profissionais experientes. Uma abordagem em equipe incorporando anestesiologistas, especialistas em medicina materno-fetal, especialistas em terapia intensiva e neonatologistas é fundamental.[70]
A classificação Martin/Mississippi é utilizada para facilitar o manejo e estimar o risco de morbidade materna grave:[2][3][4]
Classe 1, trombocitopenia grave: 0 a ≤50.000/mm³, lactato desidrogenase (LDH) ≥600 UI/L ou duas vezes o limite superior da concentração normal, aspartato aminotransferase (AST) e/ou alanina aminotransferase (ALT) ≥70 UI/L ou duas vezes o limite superior da concentração normal (morbidade materna importante de 40% a 60%)
Classe 2, trombocitopenia moderada: >50.000 a ≤100.000/mm³, LDH ≥600 UI/L ou duas vezes o limite superior da concentração normal e AST e/ou ALT ≥70 UI/L ou duas vezes o limite superior da concentração normal (morbidade materna importante de 20% a 40%)
Classe 3, trombocitopenia leve: >100.000 a ≤150.000/mm³, LDH ≥600 UI/L ou duas vezes o limite superior da concentração normal e AST ≥40 UI/L (morbidade materna importante de 20%).
Manejo padrão
O manejo recomendado baseia-se na série relatada em 2012, no Mississippi, na qual quase 400 pacientes foram tratadas com sulfato de magnésio intravenoso e dexametasona intravenosa desde 1994.[30][52][53][71] Mais recentemente, a terapia anti-hipertensiva intensiva foi utilizada para minimizar a hipertensão sistólica grave com risco de acidente vascular cerebral (AVC; hemorragia no sistema nervoso central é a causa mais comum de óbito em pacientes com síndrome HELLP).[52][53][72][73] O relato mais recente de 190 pacientes demonstrou que o início precoce dessa combinação de intervenções inibe a progressão e a gravidade da síndrome HELLP.[53]
São objetivos do tratamento:
Parar, reverter e diminuir a progressão da doença e o período de hospitalização
Evitar a progressão da doença para classe 1 da síndrome HELLP
Evitar o desenvolvimento de nova morbidade materna grave e evitar a mortalidade materna
Minimizar morbidade e mortalidade perinatal
Planejar o momento e o local apropriados para o parto para maximizar o acesso ao tratamento intensivo materno e neonatal.
Profilaxia de convulsão e controle de hipertensão devem ser iniciados imediatamente em todos casos suspeitos de síndrome HELLP. Exames laboratoriais (hemograma completo, transaminases hepáticas, LDH, tempo de protrombina/tempo de tromboplastina parcial) devem ser repetidos a cada 6 a 12 horas. O equilíbrio hídrico deve ser monitorado a cada hora, com atenção particular para débito urinário reduzido ou ausente. A monitorização fetal contínua é fundamental.
Uma vez que os exames laboratoriais estejam disponíveis e o diagnóstico seja confirmado, a estratégia de manejo deve se basear em uma revisão abrangente da estabilidade materna e do bem-estar fetal. O parto cesáreo deve ser realizado de acordo com as indicações obstétricas comuns e pode ser considerado para idades gestacionais <30 a 32 semanas na ausência de trabalho de parto.[30][74][75]
Corticoterapia
A dexametasona é a base do tratamento.[30][76] Ela é administrada por via intravenosa até o parto ser concluído, inicialmente para:
Qualquer paciente com síndrome HELLP classe 1 ou classe 2, independente da idade gestacional; ou
Qualquer paciente com síndrome HELLP classe 3/parcial-incompleta, independente da idade gestacional, que também tenha eclâmpsia, dor epigástrica intensa, hipertensão grave ou qualquer morbidade significativa no sistema de órgãos.[53]
É iniciado em doenças anteparto e/ou em doenças detectadas pós-parto. Após o parto e com evidências de parâmetros laboratoriais e clínicos da doença remitidos, a dose de dexametasona é reduzida por pelo menos 2 doses e depois é interrompida. Para pacientes com <34 semanas de gestação e parto não ocorrido, é preferível adiar o parto por no mínimo 24 a 48 horas na tentativa de obter benefício máximo para o feto; para pacientes com >34 semanas de gestação, o parto é geralmente iniciado 8 a 12 horas após a primeira dose ser administrada para proporcionar benefício máximo materno e reduzir a necessidade de transfusão de plaquetas, aumentar a probabilidade de anestesia local e diminuir o risco de sangramento.
Melhora imediata (primeiras 12 horas) pode ser observada em parâmetros laboratoriais com o tratamento com dexametasona intravenosa. Outros desfechos esperados são: menor progressão para síndrome HELLP classe 1, terapia anti-hipertensiva raramente necessária, menos transfusões, menor incidência de nova morbidade materna grave após início da terapia, aumento da latência entre diagnóstico e parto, permitindo parto natural e anestesia local, e diminuição do período de recuperação pós-parto com hospitalização mais curta comparada com o que se poderia esperar. Outro ensaio prospectivo está em andamento para explorar a possível utilidade de postergar o início da terapia com dexametasona até que a síndrome HELLP pós-parto seja diagnosticada.[77]
Relatos de casos publicados em 2018-9 mostraram que a falha em iniciar terapia com glicocorticoides potentes para pacientes com diagnóstico de síndrome HELLP pode levar a maior morbidade/mortalidade materna. O principal benefício demonstrado em alguns estudos para glicocorticoides potentes para eliminar virtualmente o AVC materno ou hemorragia/infarto/ruptura hepática provavelmente teria alterado positivamente o desfecho desses pacientes se dexametasona em alta dose intravenosa tivesse sido iniciada no início do tratamento da doença. Embora a terapia com glicocorticoides potentes seja destinada para utilização no início do curso do tratamento da síndrome HELLP, mesmo a utilização iniciada tardiamente, quando o paciente já está no estágio de classe 1, pode ser eficaz.[78][79][80][81][82][83][84][85]
Profilaxia de convulsão
Quando houver suspeita do diagnóstico, deve-se iniciar uma infusão contínua de sulfato de magnésio como profilaxia, antes mesmo da finalização dos exames laboratoriais, devido ao risco de convulsão de 10% a 33%.[53][86] Após o parto, a infusão deve continuar por 24 horas. A dose deve ser reduzida em pacientes com débito urinário baixo (<25 mL/hora por 4 horas), e os níveis de magnésio devem ser verificados após 4 horas nessas pacientes. Se o nível de magnésio é de >9 mg/dL, a infusão deve ser interrompida e o nível checado novamente após 2 horas. A infusão pode ser reiniciada numa taxa reduzida quando o nível de magnésio é de <8 mg/dL. Em pacientes com comprometimento renal ou lesão renal aguda, pode-se administrar um único bolus de sulfato de magnésio sem infusão contínua. Os níveis de magnésio no sangue precisam ser monitorados nestes pacientes, para determinar quando é seguro realizar o pré-tratamento.
Se ocorrer uma convulsão de grande mal/eclâmpsia ou estiver provavelmente na presença de cefaleia intensa e hipertensão, o sulfato de magnésio intravenoso é geralmente indicado por uma duração não inferior a 24 horas. Além disso, o tratamento da hipertensão sistólica e/ou diastólica grave (>160 mmHg e/ou >110 mmHg limiares, respectivamente) é urgentemente necessário e importante de manter. Se o uso de sulfato de magnésio for contraindicado (miastenia gravis), outros medicamentos/anticonvulsivantes devem ser considerados enquanto o controle da pressão arterial é escrupulosamente perseguido. Além disso, na presença de comprometimento renal, a dose de sulfato de magnésio deve ser reduzida e orientada por níveis séricos de magnésio em série. Não há ensaios clínicos que indiquem qual é o melhor agente anticonvulsivante nestas circunstâncias, devendo-se consultar um especialista. A Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency, sediada no Reino Unido, recomenda não usar sulfato de magnésio por longos períodos (mais de 5-7 dias no total) durante a gravidez devido a preocupações com níveis anormais de cálcio e magnésio e efeitos adversos no esqueleto em neonatos expostos a tais quantidades.[87] A Food and Drug Administration dos EUA emitiu uma recomendação semelhante em 2013.[88] As concentrações maternas e neonatais de magnésio são altamente correlacionadas.[89] Diversas complicações neonatais (hipotonia, asfixia ao nascimento, intubação na sala de parto) estão relacionadas ao aumento dos níveis séricos de magnésio materno e neonatal.[90][91] No entanto, não há evidências convincentes de que a exposição fetal a distúrbios do espectro da pré-eclâmpsia ou o tratamento com sulfato de magnésio afete os desfechos cardiometabólicos na infância.[92] Apesar dessas preocupações relativas à exposição fetal prolongada ao sulfato de magnésio, evidências sugerem que o sulfato de magnésio administrado antes de um nascimento pré-termo previsto fornece neuroproteção aos neonatos.[93] Assim, o principal objetivo do tratamento com sulfato de magnésio é controlar as convulsões na mãe, mas o bebê também é beneficiado.
Controle da pressão arterial
A pressão arterial deve ser monitorada a cada 15 minutos, e, se estiver em níveis graves (≥160/105 mmHg, pressão arterial média 120 mmHg), é necessária uma redução imediata.[72]
A redução para o intervalo normal não é necessária; em vez disso, ela deve ser reduzida a um nível que previna ou limite o dano aos órgãos-alvo. Uma pressão arterial sistólica de 160-170 mmHg, que pode ser aceitável em outras situações obstétricas, é perigosa na presença de trombocitopenia. A meta é reduzir a pressão arterial sistólica para <160 mmHg, mas não <130-140 mmHg. Uma queda significativa e súbita na pressão arterial pode causar sofrimento ao feto e hipoperfusão de territórios críticos como o cérebro e coração maternos. Diretrizes como as do American College of Obstetricians and Gynecologists são recomendadas.[8]
O labetalol é comumente recomendado para essa indicação.[8][10][94][95] Ele pode ser administrado como infusão contínua, embora a administração intravenosa em bolus seja utilizada mais frequentemente. Labetalol é contraindicado para pacientes com asma ou doença cardíaca preexistente, principalmente com função cardíaca reduzida. Nessas pacientes, pode-se utilizar nicardipino.[86]
Hidralazina é outra opção, especialmente se labetalol for contraindicado ou ineficaz. O aspecto mais problemático do tratamento agudo com hidralazina é o episódio de hipotensão grave por excesso de vasodilatadores. Essa complicação é imprevisível e muitas vezes não está relacionada à dosagem e pode prolongar-se. Embora seja tão eficaz quanto o labetalol, a hidralazina é associada a desfechos perinatais e maternos menos favoráveis.[95]
Parto cesáreo
Exsudação generalizada pode estar presente durante a cirurgia e uma transfusão plaquetária pode ser necessária se a cirurgia for solicitada muito rapidamente para que os benefícios da dexametasona se realizem. A opção pela incisão abdominal e uterina, assim como por técnicas de fechamento, não são geralmente alteradas em relação à prática padrão em pacientes tratadas com o esquema recomendado. Pacientes com contagem plaquetária ≤40,000/mm³ no momento da cirurgia ou do parto são mais propensas a sangramento durante e após o parto.[30]
Manejo de problemas de sangramento
Transfusões de plaquetas são necessárias para contagens plaquetárias <25 x 10⁹/L (<25,000/microlitro) ou <30 x 10⁹/L (<30,000/microlitro) em casos de sangramento, transfusões maciças (≥10 unidades de concentrados de eritrócitos) ou intervenções cirúrgicas. O efeito da transfusão de plaquetas é apenas transitório, pois o consumo ocorre rapidamente. Espera-se que uma única unidade de plaquetas aumente a contagem plaquetária em 5000.[96] A imunoglobulina Rho D é necessária se o tipo específico de plaquetas não estiver disponível para mulheres Rh-negativo.
É necessária reposição de fibrinogênio em níveis <2.94 micromoles/L (<100 mg/dL). Para aumentar o nível sérico de fibrinogênio em 25 mg, 1 g de fibrinogênio exógeno deve ser administrado. Essa quantidade é fornecida por 1 unidade de plasma fresco congelado ou 6 unidades de crioprecipitado. A administração de crioprecipitado é preferível quando a sobrecarga hídrica é uma preocupação.
O grau de trombocitopenia presente em pacientes com a síndrome HELLP tem implicações importantes em relação à anestesia local. A anestesia local é contraindicada em casos de contagem plaquetária <80 x 10⁹/L (<80,000/microlitro) (especialmente <50 x 10⁹/L [<50,000/microlitro]), devido ao risco de hematoma epidural. Narcóticos intravenosos podem ser utilizados como analgesia alternativa durante o trabalho de parto e o parto. O bloqueio do nervo pudendo ou paracervical deve ser evitado devido ao risco de formação de hematoma. Para parto cesáreo, é recomendada a anestesia geral para pacientes que não forem candidatas à anestesia local.
As pacientes com síndrome HELLP toleram mal hematócritos baixos, e transfusões de sangue podem ser necessárias quando o hematócrito é ≤25%. Elas podem ser administradas antes do parto.
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