Abordagem

O abscesso pulmonar tem mais comumente uma evolução subaguda ou crônica com início insidioso de sintomas inespecíficos e mal-estar geral, mas pode se apresentar agudamente com infecção agressiva. A duração dos sintomas antes do diagnóstico é extremamente variável, estendendo-se de vários dias a até 6 semanas.[17][18][25]

Pacientes com suspeita de abscesso pulmonar devem ser encaminhados para um pneumologista para investigação adicional e manejo.

História clínica

Sintomas manifestos

  • O abscesso pulmonar pode apresentar sintomas agudos (de alguns dias a <2 semanas), subagudos (≥2 semanas) ou crônicos (>1 mês).

    • Os sintomas agudos incluem febre alta (>38.5°C [>101°F]), tosse produtiva com escarro purulento e dor torácica pleurítica. Calafrios são raros.[2]

    • Sintomas subagudos que duram várias semanas incluem perda profunda de peso, mal-estar, febre baixa, sudorese noturna e tosse produtiva, mimetizando neoplasia maligna hematológica e outras neoplasias.

    • O abscesso pulmonar crônico pode se manifestar com hemoptise. Embora geralmente leve, a hemoptise pode ser maciça.[28]

  • Grandes quantidades de secreções purulentas são geralmente expectoradas nas semanas 2-3. Há presença de escarro pútrido e fétido em cerca de 50% dos pacientes, o que é altamente sugestivo de infecção anaeróbia.[2]

  • Abscessos pulmonares secundários a embolia séptica por endocardite bacteriana ou tromboflebite séptica do lado direito (por exemplo, válvula tricúspide) estão associados a bacteremia, que causa febre alta e calafrios. Outras características clínicas da endocardite bacteriana incluem fraqueza, artralgia e lesões hemorrágicas da pele e da retina. Abscessos pulmonares devidos a infecção após infartos pulmonares apresentam história prévia de dor torácica, dispneia e hemoptise, seguidas de febre persistente.

  • As características da história que levantam a suspeita de neoplasia maligna que provoca obstrução brônquica e subsequente formação de abscesso incluem febre baixa, queixas sistêmicas mínimas, ausência de fatores que predispõem à aspiração e evolução deteriorante.[29]

  • Pode haver um episódio precedente de perda de consciência decorrente de abuso de álcool, overdose de drogas ou convulsão causada por abscesso pulmonar relacionado à aspiração.

História médica pregressa e fatores de risco

  • Os pacientes devem ser questionados sobre a presença de fatores de risco conhecidos por sua associação com o desenvolvimento do abscesso pulmonar.

  • Pode haver história de doença neurológica (por exemplo, AVC, disfunção bulbar) ou doença esofágica (estenose, neoplasia maligna e refluxo) associada a aspiração, má higiene dental ou gengivite. Pode também haver história recente de pneumonia, anestesia geral, inserção de tubo nasogástrico ou endotraqueal ou cirurgia orofaríngea (inclusive extração dentária ou outra cirurgia dentária).

  • Fatores de risco de embolia pulmonar devem ser investigados quando houver suspeita.

  • Doenças crônicas subjacentes predisponentes ao abscesso pulmonar (por exemplo, DPOC, bronquiectasia, diabetes mellitus, esclerodermia, divertículo do esôfago e doença hepática e renal) ou imunossupressão (por exemplo, quimioterapia, transplante de órgão, corticoterapia, infecção por HIV) devem também ser observadas.

Exame físico

Exame físico de rotina

  • Pode haver febre (>38.5°C [>101°F]).

  • Caquexia devida a estado de desnutrição e palidez (pele e subconjuntiva) por anemia de doença crônica. Raramente, observa-se baqueteamento digital.

  • Doença gengival com halitose associada.

  • Reflexo faríngeo ausente em pacientes com distúrbio neurológico subjacente.

  • Características de endocardite bacteriana do lado direito, como sopro cardíaco novo ou agravado e lesões hemorrágicas da pele e da retina.

Exame respiratório

  • A ausculta sobre o abscesso pulmonar geralmente revela murmúrios vesiculares anfóricos ou cavernosos (isto é, semelhantes ao som produzido ao soprar na boca de uma garrafa).

  • Os achados pulmonares consistentes com condensação do parênquima (por exemplo, estertores inspiratórios, sopro tubário) ou empiema (por exemplo, murmúrios vesiculares reduzidos) podem estar presentes.

  • Um ronco fixo limitado a um hemitórax indica possível obstrução das vias aéreas decorrente de um tumor ou corpo estranho.

Investigações iniciais

A avaliação inicial de pacientes com suspeita de abscesso pulmonar deve incluir hemograma completo e radiografia torácica.

  • Hemograma completo: muitas vezes, revela leucocitose pronunciada (geralmente >15,000 leucócitos/microlitro), mas pode mostrar anemia de doença crônica.

  • Radiografia torácica: pode revelar consolidação segmentar ou lobar clássica com cavitação central, nível hidroaéreo e paredes da cavidade espessas e irregulares.

    • Abscessos pulmonares relacionados à aspiração são geralmente encontrados no pulmão direito e nas áreas pulmonares dependentes (p. ex., segmento posterior do lobo superior direito e segmentos superiores de ambos os lobos inferiores).

    • Envolvimento multilobar com múltiplos abscessos periféricos sugere disseminação hematogênica de sepse extrapulmonar (por exemplo, embolia séptica).

    • A radiografia torácica na posição supina ou de semidecúbito (por exemplo, na UTI ou no pronto-socorro) costuma ser insensível para o diagnóstico de abscesso pulmonar.[10][30]​​

    [Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica mostrando um abscesso pulmonar no lobo superior esquerdoDo acervo de Dr. Ioannis P. Kioumis [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@505ccda4[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica mostrando um abscesso pulmonar no lado esquerdo com infiltração circunjacenteDo acervo de Dr. Ioannis P. Kioumis [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@16ce724d[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica mostrando uma lesão de cavitação no lado esquerdo com um nível hidroaéreoDo acervo de Dr. Ioannis P. Kioumis [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5d58eb86[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica mostrando um abscesso pulmonar no lado direito com infiltração circunjacenteDo acervo de Dr. Ioannis P. Kioumis [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4b63bd76

Exame bacteriológico

Expectoração

  • As culturas de escarro expectorado têm valor limitado porque, geralmente, estão contaminadas pela flora normal da boca e do trato respiratório. No entanto, apesar do baixo rendimento diagnóstico no abscesso pulmonar, deve-se fazer a coloração e a cultura do escarro expectorado em todos os pacientes.

  • Em pacientes imunocomprometidos, deve-se fazer a coloração e a cultura do escarro para bactérias aeróbias, micobactérias, fungos e parasitas.

  • A coloração de Gram é uma ferramenta simples e útil para estabelecer um diagnóstico rápido. Geralmente, mostra flora mista (com muitos neutrófilos) na infecção anaeróbia ou um único organismo gram-positivo ou gram-negativo predominante (com neutrófilos presentes) na infecção aeróbia. As culturas geralmente desenvolvem flora respiratória normal na infecção anaeróbia polimicrobiana ou desenvolvem o organismo infectante na infecção aeróbia.

  • A antibioticoterapia empírica deve ser iniciada enquanto as culturas estão pendentes em casos com quadros clínicos e achados radiológicos típicos.

Sangue

  • Todos os pacientes devem ser submetidos a hemoculturas de rotina. Elas são positivas para o microrganismo infectante nas infecções aeróbias, bacteremia e embolia séptica, mas raramente positivas nas infecções anaeróbias.

Secreções das vias aéreas inferiores

  • Espécimes não contaminados das vias aéreas inferiores devem ser obtidos para a cultura anaeróbia quando a resposta inicial ao tratamento é desfavorável.[14][17]​ As técnicas incluem aspiração por agulha transtraqueal, aspiração transtorácica e esfregaço do espécime protegido obtido por broncoscopia ou lavagem broncoalveolar protegida. As culturas quantitativas são geralmente consideradas diagnósticas de infecção se os esfregaços do espécime protegido desenvolverem >1000 unidades formadoras de colônias/mL ou se as amostras de lavagem broncoalveolar protegida desenvolverem >10,000 unidades formadoras de colônias/mL.[31] No entanto, essas técnicas são raramente necessárias na prática clínica de rotina.

  • A aspiração por agulha percutânea orientada por TC ou ultrassonografia tem um rendimento significativamente mais alto do que as amostras obtidas do escarro, do sangue ou da lavagem broncoalveolar, e pode estabelecer o diagnóstico bacteriológico quando as culturas de outras amostras forem inconclusivas.[32][33]​ Complicações graves incluem pneumotórax e contaminação bacteriana, que pode causar empiema. Além disso, a biópsia por agulha orientada por ultrassonografia só é possível quando o abscesso for subpleural, sem tecido pulmonar normal entre o abscesso e a parede torácica. Dadas as complicações e limitações do método, é sempre necessária uma análise cuidadosa do risco-benefício.

Fluido do empiema

  • A toracocentese com cultura do fluido do empiema deve ser realizada em pacientes com empiema. Culturas podem ser negativas nas infecções anaeróbias polimicrobianas, mas podem desenvolver o microrganismo infectante nas infecções aeróbias.

Outras investigações

Tomografia de tórax

  • A TC com contraste (fase venosa “pleural”) é uma modalidade laboratorial mais sensível que a radiografia torácica. Ela pode identificar obstrução endobrônquica proximal (por exemplo, corpo estranho inalado) e distinguir entre abscesso pulmonar e empiema.[10][34][35]​​​​ O abscesso pulmonar parece uma cavidade de paredes espessas, geralmente redonda, com margens irregulares que formam um ângulo agudo onde o contato é feito com a parede torácica, mas não comprime o pulmão circundante.[10] Por outro lado, o empiema tem formato lenticular, tem uma parede fina com margens luminais lisas e uma parede externa lisa, forma ângulos obtusos com a parede torácica e pode comprimir o pulmão não envolvido. Camadas pleurais separadas (sinal da pleura dividida) podem também ser observadas no empiema.[10]​​[34][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada (TC) do tórax mostrando um abscesso pulmonarDo acervo de Dr. Ioannis P. Kioumis [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@43d8b46b

Broncoscopia

  • Indicada quando há suspeita clínica de carcinoma subjacente ou obstrução por corpo estranho, a resposta ao tratamento é ruim ou a análise do escarro é inconclusiva. Pode ser usada para coleta de amostras (esfregaços de espécime protegido ou lavagem broncoalveolar protegida).[36][37]

  • Suspeita-se clinicamente de neoplasia maligna subjacente em casos com febre baixa, contagem leucocitária <11,000/microlitro, queixas sistêmicas mínimas, ausência de fatores predisponentes à aspiração, ausência de resposta a antibióticos no 10º dia e evolução deteriorante.[29]

Citologia da expectoração

  • Pode mostrar células malignas. Indicada para descartar neoplasia maligna em pacientes que não respondem a antibióticos ou apresentam hemoptise.

Ultrassonografia do pulmão

  • Além de ser usada como técnica laboratorial para orientar a aspiração por agulha percutânea, a ultrassonografia do pulmão é uma ferramenta útil para o diagnóstico à beira do leito em pacientes gravemente doentes.[32] Ela pode revelar uma lesão hipoecoica com uma parede externa irregular e uma cavidade que parece um anel hiperecoico.[32]

Ecocardiografia

  • Realizado em pacientes com suspeita de abscesso pulmonar secundário à embolia séptica por endocardite bacteriana do lado direito (por exemplo, valva tricúspide). Revela vegetações na valva afetada.

Ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) rápido para dímero D

  • Realizado em pacientes com suspeita de abscesso pulmonar secundário a infecção por um infarto relacionado a embolia pulmonar. É elevado na embolia pulmonar. Deve-se ter cautela ao interpretar o resultado, pois várias afecções (inclusive, infecção) podem elevar o dímero D.

TC com multidetectores (TCMD)

  • Realizado em pacientes com suspeita de abscesso pulmonar secundário a infecção por um infarto relacionado a embolia pulmonar. A TCMD torácica mostra defeitos de enchimento intraluminal na embolia pulmonar.

Exame de ventilação-perfusão (V/Q)

  • Realizado em pacientes com suspeita de abscesso pulmonar secundário a infecção por um infarto relacionado a embolia pulmonar. Revela falhas de perfusão em áreas com ventilação normal.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal