Abordagem

Os objetivos do tratamento são:

1) alívio do efeito de massa quando presente,

2) identificação de um agente patológico por cultura da amostra,

3) controle e erradicação da infecção,

4) minimização da perda de função neurológica, e

5) cuidados de suporte sistêmico.

O diagnóstico rápido e a instituição precoce do tratamento ajudam no alcance de todos esses objetivos. O tratamento delineado abaixo é aplicável a adultos. O cuidado especializado é parte do tratamento de todos os pacientes com abscesso cerebral. Contudo, o tratamento de crianças e de neonatos está fora do escopo deste tópico, e especialistas devem ser consultados.

Tratamento presuntivo em todos os pacientes

A - antibióticos

  • Os antibióticos são o tratamento de primeira linha e devem ser iniciados imediatamente, a menos que o paciente esteja prestes a ser levado para a sala de cirurgia; nesse caso, a introdução dos antibióticos deve aguardar a aspiração do material da lesão para cultura.[4]

  • A escolha do antibiótico deve levar em consideração a permeabilidade do medicamento através da barreira hematoencefálica e a função de barreira no ambiente ácido da cavidade do abscesso.

  • Em geral, um regime presuntivo nos adultos inclui vancomicina, associada a metronidazol ou clindamicina, associado a uma cefalosporina de terceira geração.[42]

  • Outros já propuseram um esquema de antibióticos empíricos, baseado na localização do abscesso no cérebro.[43] Os anaeróbios, por exemplo, são frequentemente encontrado em cultura de abscessos do lobo temporal.

  • Uma vez identificado o agente etiológico, o tratamento é adaptado à sensibilidade do agente específico.

Anticonvulsivantes

  • A profilaxia com anticonvulsivantes deve ser considerada para os pacientes que tiverem tido convulsão ou com um abscesso próximo do córtex motor ou da superfície cerebral. A profilaxia anticonvulsivante não é recomendada como rotina.[5]​ Não há estudos de profilaxia anticonvulsivante em pacientes com abscesso cerebral, e a profilaxia anticonvulsivante não reduz o risco de convulsão em pacientes com tumores cerebrais.[44]

  • O levetiracetam costuma ser usado quando a profilaxia anticonvulsivante é indicada. Ele geralmente é bem tolerado e está associado a menos interações medicamentosas que outros anticonvulsivantes.

Corticosteroides

  • Reduzem rapidamente o edema vasogênico associado aos abscessos cerebrais e podem ser usados nos pacientes com descompensação aguda, como medida salva-vidas.

  • Entretanto, o uso de corticosteroides é geralmente evitado nos pacientes estáveis, pois acredita-se que eles podem reduzir a resposta imune e restaurar parcialmente a barreira hematoencefálica e, portanto, diminuir a penetração dos antimicrobianos no sistema nervoso central (SNC).

  • Isso é um tanto controverso, já que alguns modelos experimentais sugerem que a resposta inflamatória pode não ser afetada negativamente pela administração de corticosteroides.[45] Outros mostraram uma redução na resposta inflamatória com aumento da sobrevivência bacteriana.[46]

  • Em geral, quando o tratamento com corticosteroides é necessário, usa-se dexametasona.

Tratamento de abscesso cerebral bacteriano confirmado ou suspeito

Uma vez identificado o agente etiológico, o tratamento é adaptado à sensibilidade da cepa específica, se possível. O tratamento não cirúrgico isolado não é recomendado para lesões com diâmetro >2.5 cm até 3 cm.[47] Quando há várias lesões, é razoável aspirar as lesões com diâmetro >2.5 cm e tratar as remanescentes de forma não cirúrgica. Vários relatos publicados demonstraram tratamentos bem-sucedidos que justificam essa estratégia.[48] A duração do tratamento é variável, mas, em geral, os pacientes são tratados por 6 a 8 semanas, fazendo-se neuroimagens em série para garantir a resposta benéfica ao tratamento. O paciente é acompanhado com exame de imagem com contraste por pelo menos 1 ano, para garantir que não há recidiva do abscesso. No caso de presunção de abscesso bacteriano e culturas negativas, o tratamento com os antibióticos empíricos é mantido.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Algoritmo de tratamento para abscesso cerebralDo acervo de Walter Hall, SUNY Upstate Medical University [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@29e75262

Tratamento de abscesso cerebral fúngico confirmado ou suspeito

Os pacientes são tratados com antibióticos até que a doença fúngica seja suspeita ou confirmada. Os agentes fúngicos em geral têm penetração particularmente baixa através da barreira hematoencefálica, e a terapia medicamentosa isolada raramente é indicada para os abscessos cerebrais fúngicos. Assim como ocorre com os abscessos cerebrais bacterianos, a seleção do agente apropriado é a primeira linha do tratamento. Os agentes antifúngicos são selecionados com base no agente desencadeante.

  • A infecção por Candida albicans é tratada com anfotericina B, fluconazol ou caspofungina.

  • As infecções por criptococos requerem anfotericina B e flucitosina, embora o fluconazol possa ser usado como alternativa. A flucitosina é contraindicada nos pacientes com deficiência completa de di-hidropirimidina desidrogenase (DPD) conhecida, devido ao risco de toxicidade medicamentosa com risco de vida. Os pacientes com deficiência parcial de DPD também apresentam aumento do risco de toxicidade grave. Embora o pré-teste do status da DPD não seja necessário, considere determinar a atividade de DPD se houver suspeita ou confirmação de toxicidade medicamentosa.

  • A anfotericina B lipossomal aumentou a permeabilidade através da barreira hematoencefálica e tem sido usada para tratar abscessos causados por Aspergillus de forma não cirúrgica, embora os causados por A fumigatus e Mucormycosis spp ainda tenham melhor tratamento com cirurgia seguida por terapia antifúngica.

Tratamento de abscesso cerebral parasitário confirmado ou suspeito

Os pacientes são tratados com antibióticos até que a doença parasitária seja suspeita ou confirmada. Assim como ocorre com os abscessos cerebrais bacterianos, a seleção do agente antimicrobiano apropriado é a primeira linha do tratamento. Os agentes antiparasitários são selecionados com base no agente patológico. Os abscessos causados por Toxoplasma gondii são tratados com pirimetamina e sulfadiazina. Um tratamento alternativo é a combinação sulfametoxazol/trimetoprima, que tem se mostrado terapeuticamente equivalente a pirametamina e sulfadiazina.[49] Se a toxoplasmose for a apresentação de uma infecção por HIV recém-diagnosticada ou se o paciente tiver uma infecção por HIV não tratada, o início rápido da terapia antirretroviral (TAR) é obrigatório e pode ocasionar a remissão da infecção por toxoplasma. A Taenia solium é tratada com praziquantel. A infecção por Naegleria fowleri é tratada com anfotericina B, embora essa infecção seja, quase invariavelmente, fatal.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica antes do tratamento (imagem da esquerda) e 18 meses após terapia antirretroviral (TAR) e terapia antitoxoplasmose (imagem da direita)Aldeen T, Lunn M. Solitary ring enhancing brain lesion in a patient with AIDS. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5cd3c7b6

Abscesso cerebral criptogênico

Presume-se que a maioria deles tenha origem bacteriana. Lesões únicas ou múltiplas em uma distribuição vascular sugestivas de abscessos bacterianos e que melhoram com antibioticoterapia são tratadas como abscessos bacterianos. As lesões clinicamente sugestivas de abscesso bacteriano após drenagem cirúrgica (por exemplo, purulência com culturas estéreis) também são tratadas com antibióticos.

Tratamento cirúrgico de abscessos cerebrais

Cirurgia associada a antibioticoterapia é a primeira linha de tratamento para abscessos piogênicos >2.5 cm em sua maior dimensão e a segunda linha de tratamento para abscessos menores que tenham se mostrado refratários à terapia medicamentosa. O esvaziamento cirúrgico oferece as vantagens de diminuir a carga infecciosa, permitir a obtenção de uma amostra para cultura, confirmar o diagnóstico pela amostragem do tecido capsular, e aliviar o efeito de massa no paciente que esteja em deterioração aguda. A cirurgia oferece o risco de disseminação do agente infeccioso para o sistema ventricular, resultando em ventriculite. A cirurgia por via aberta é reservada para as lesões corticais grandes ou multiloculadas e para as lesões no cerebelo, nas quais a obstrução do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode ocasionar descompensação rápida do paciente. A cirurgia por via aberta é recomendada também para lesões fúngicas, porque a penetração dos agentes antifúngicos através da barreira hematoencefálica é baixa.[3]

As contraindicações à excisão cirúrgica incluem a presença de lesões múltiplas e a localização profunda da lesão. Quando uma cirurgia por via aberta é realizada, um pequeno retalho ósseo é elevado e a cápsula do abscesso é removida depois que o cisto é esvaziado; imediatamente após, o material é encaminhado para análise por coloração de Gram e culturas. A cavidade cirúrgica é abundantemente irrigada, e o retalho ósseo reposicionado usando-se um sistema padrão de placa. A aspiração estereotáxica permite o alívio do efeito de massa, bem como a cultura direta com menor morbidade cirúrgica e, teoricamente, menor oportunidade de extensão ventricular iatrogênica.[50] Suas desvantagens incluem a necessidade de repetição do procedimento em até 70% dos pacientes. A aspiração é realizada através de um único orifício de trepanação na calota craniana, usando-se técnicas de orientação como a neuronavegação sem moldura (um dispositivo portátil de obtenção de imagens, que usa como referência dados armazenados da anatomia local), orientação por tomografia computadorizada (TC) ou orientação por ressonância nuclear magnética (RNM) intraoperatória.[3][51][52]

Os fatores de risco para falha na aspiração, que exija repetição do procedimento, incluem cobertura inadequada dos antibióticos, aspiração incompleta e falta de colocação de cateter quando abscessos maiores são drenados.[53] Em um grande grupo de pacientes, em que foram comparados a cirurgia por via aberta, a aspiração e o tratamento clínico isolado, não foi encontrada diferença nos desfechos. Contudo, como esses pacientes não foram randomizados, é provável que os que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos tivessem lesões maiores e pudessem estar se deteriorando de forma mais aguda.[54] Não há estudos randomizados comparando os tratamentos cirúrgico e não cirúrgico de abscessos cerebrais, e é provável que não haja tais estudos no futuro próximo. Na ausência dessas evidências, um algoritmo razoável é tratar lesões >2.5 cm com aspiração, reservando a cirurgia por via aberta para as lesões recorrentes, lesões no cerebelo e lesões fúngicas.

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