Abordagem
O diagnóstico de abscesso cerebral depende de uma cuidadosa avaliação clínica com ênfase nos fatores de risco detectados na anamnese do paciente, junto com estudos neurológicos por imagem.[4]
História
Cefaleia, febre e deficit neurológico novo são sintomas comuns dos abscessos cerebrais.[29] Uma febre recente inexplicada acompanhada por deficit neurológico deve levantar a suspeita imediata de abscesso cerebral.
Verifique se o paciente tem história de sinusite, otite média, procedimento odontológico ou infecção recentes. Uma história de sinusite ou otite é especialmente relevante se houver lesão no cérebro localizada proximamente à área afetada. Pergunte se o paciente foi ou não tratado com antibióticos, mas a antibioticoterapia não descarta a possibilidade de abscesso cerebral. Os pacientes submetidos a um procedimento neurocirúrgico ou cirurgia de cabeça e pescoço recente apresentam risco aumentado para abscesso cerebral.[2][14] Nesse grupo de pacientes, uma história de colapso da ferida ou drenagem da incisão é altamente sugestiva.
Deve-se verificar se há história conhecida ou risco potencial de HIV ou de estado de imunocomprometimento. Os homens têm risco ligeiramente maior que as mulheres de desenvolver abscesso cerebral. O uso de drogas intravenosas é tanto um fator de risco independente para o abscesso quanto um fator de risco para infecção por HIV. As malformações arteriovenosas (MAV) pulmonares conhecidas, predisposição para MAV pulmonar devida a telangiectasia hemorrágica hereditária, meningite, cardiopatia congênita, endocardite, fibrose cística, doença diverticular, diabetes mellitus, doença granulomatosa crônica, diálise e nascimento prematuro também são fatores de risco.[16][20][23][24][25][26][30][31][32][33][34][35]
A história médica pode ajudar a distinguir entre neoplasia e abscesso cerebral: por exemplo, tabagismo ou história familiar de câncer pode levantar suspeita de malignidade. O momento do aparecimento dos sintomas também deve ser observado, pois os processos infecciosos, incluindo abscessos cerebrais, tendem a se manifestar mais rapidamente que a maioria das neoplasias (várias semanas a meses para essas últimas). É menos provável, também, que a malignidade se manifeste com sintomas de meningismo ou febre, e as culturas para uma fonte de infecção são negativas.
A idade do paciente é importante para determinar a fonte mais provável e os agentes etiológicos mais comuns de infecção. Nos neonatos, o Proteus mirabilis e espécies de Citrobacter são os isolados mais comuns, enquanto nas crianças, espécies de Streptococcus combinadas com cardiopatia cianótica é o responsável mais frequente. Nos adultos, os organismos causadores mais comuns são espécies de Streptococcus e Staphylococcus.[2] De acordo com dados observacionais de uma coorte do Reino Unido, o Streptococcus intermedius se tornou o agente predominante, e houve uma mudança do abscesso cerebral estafilocócico.[36]
Exame físico
O exame físico é voltado para uma possível fonte de infecção, com inspeção cuidadosa das orelhas, seios nasais e cavidade oral, bem como busca de estigmas de endocardite bacteriana subaguda e uso de drogas intravenosas. Sinais de malignidade são indícios clínicos negativos pertinentes. O exame neurológico é importante para estabelecer o estado clínico inicial do paciente, mas pouco auxilia na distinção entre abscessos e outras lesões do sistema nervoso central com efeito de massa. Rigidez da nuca e sinais de Kernig e Brudzinski na presença de deficits neurológicos são sugestivos de abscesso. Embora os pacientes possam apresentar sinais de inflamação, sua ausência não descarta a presença de abscesso cerebral; assim, é fundamental que a ausência desses achados não seja superinterpretada. Além disso, a maioria dos pacientes que apresentam febre ou meningismo sem deficit neurológico focal não tem abscessos cerebrais.
É de fundamental importância avaliar se há aumento da pressão intracraniana e herniação cerebral iminente. Paralisia do terceiro ou sexto nervo craniano, anisocoria e papiledema devem levar à obtenção imediata de imagens quando encontrados em um paciente obnubilado com suspeita de abscesso cerebral. A observação do perímetro cefálico e da fontanela são importantes no exame de bebês com suspeita de abscesso cerebral.
Exames diagnósticos
Exame radiológico
É necessário um alto índice de suspeita para diagnosticar abscesso cerebral. Em muitos pacientes, o diagnóstico começa com a avaliação do deficit neurológico focal, meningismo ou papiledema que, em praticamente todos os casos, deve levar à obtenção de neuroimagens por tomografia computadorizada (TC) com contraste ou, de preferência, por ressonância nuclear magnética (RNM).[37] O achado radiológico típico em pacientes com abscesso cerebral (tanto na TC quanto na RNM) é a existência de 1 ou mais lesões com realce em anel. Apesar de não diagnóstico, o realce em anel que é comum com uma cápsula fina deve levantar a suspeita de abscesso cerebral.[38][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem por tomografia computadorizada (TC), abscesso cerebral no lobo temporal direitoRafiq MK. An interesting case of cerebral abscess. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136 [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) com contraste de paciente com abscesso cerebralDo acervo de Walter Hall, SUNY Upstate Medical University [Citation ends].
Nos pacientes com infecção por HIV já diagnosticada ou que são imunocomprometidos por qualquer outro motivo, o limite para os exames contrastados deve ser baixo. Cefaleia persistente, sinais ou sintomas de pressão intracraniana elevada e, praticamente, qualquer deficit neurológico devem levar a estudos de neuroimagem com urgência. O achado de 1 ou mais lesões com captação de contraste nesses pacientes deve, por sua vez, ser investigado para um amplo espectro de possíveis etiologias. A evidência de lesão de massa em imagem por TC de corpo inteiro é evidência contrária a abscesso cerebral.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica antes do tratamento (imagem da esquerda) e 18 meses após terapia antirretroviral (TAR) e terapia antitoxoplasmose (imagem da direita)Aldeen T, Lunn M. Solitary ring enhancing brain lesion in a patient with AIDS. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136 [Citation ends].
Uma ultrassonografia do crânio evita exposição extensa à radiação, mas só é útil em bebês com fontanela aberta.
A espectroscopia por ressonância magnética (ERM) é um exame demorado, e foi sugerido que a análise de sequências de imagens ponderadas por difusão obtidas na RNM tradicional pode ser mais custo-efetiva para a maioria dos pacientes.[39] O uso da ERM tem sido recomendado pela American College of Radiology caso haja suspeita de uma infecção cerebral, especialmente abscesso cerebral.[40]
Punção lombar (PL)
Não deve ser feita em pacientes que apresentam sinais de pressão intracraniana elevada, a menos que a neuroimagem indique claramente ausência de lesões intracranianas com efeito de massa e demonstre obstrução do líquido cefalorraquidiano.
Realizada com extrema cautela e somente se a lesão for pequena e a presença de Toxoplasma gondii for provável. Em um quadro de imunocomprometimento, análise por reação em cadeia da polimerase do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode dar suporte ao diagnóstico de toxoplasmose. A PL não é útil em caso de suspeita de abscesso piogênico.
Exames adicionais
Exames laboratoriais são úteis, mas nunca definitivos; eles devem incluir, no mínimo, um hemograma completo com diferencial, velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa. Leucocitose e valores elevados de VHS e proteína C-reativa falam a favor do diagnóstico de abscesso sobre o de tumor, especialmente se o paciente ainda não tiver recebido corticosteroides.
Hemoculturas devem ser feitas em qualquer paciente com suspeita de abscesso cerebral. Hemoculturas positivas são altamente sugestivas do agente etiológico do abscesso.
Exames laboratoriais pré-operatórios, incluindo o perfil de coagulação (contagem plaquetária, tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial, razão normalizada internacional), também devem ser solicitados imediatamente para qualquer paciente que possa necessitar de tratamento cirúrgico urgente.
Títulos de toxoplasma são realizadas em caso de suspeita clínica de toxoplasmose.
A cintilografia óssea é realizada como um exame subsequente se o paciente não for submetido a cirurgia; geralmente é feita como parte de investigação de doença metastática. Em geral, ela é negativa nos pacientes com abscesso cerebral, exceto se houver também osteomielite.
Uma mamografia só é solicitada se houver suspeita de câncer de mama, como no caso de história pessoal ou familiar da doença.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal