Abordagem

A incontinência fecal é um sintoma e a causa geralmente é multifatorial. É necessária uma abordagem estruturada para o manejo, começando pelo diagnóstico e a correção de fatores contribuintes reversíveis. A avaliação inicial deve incluir a história, o exame físico e a anoscopia/sigmoidoscopia. Uma avaliação cognitiva também pode ser apropriada se houver dificuldades de aprendizado, demência ou problemas comportamentais como fatores contribuintes suspeitos. Exames especializados só devem ser feitos subsequentemente caso o manejo conservador inicial não proporcionar melhora dos sintomas. É fundamental considerar e descartar a possibilidade de câncer colorretal em qualquer pessoa que apresente incontinência.

História

A identificação de possíveis fatores de risco (por exemplo, história de doença inflamatória intestinal, ressecção intestinal, prolapso retal ou constipação) e a caracterização da duração e da gravidade dos sintomas são importantes.[26]​​ Distúrbios neurológicos, como esclerose múltipla ou lesão prévia na medula espinhal, podem estar presentes. Quaisquer sinais que alertem para uma possível neoplasia maligna no trato gastrointestinal inferior devem ser investigados (por exemplo, perda de peso, sangue nas fezes, pólipos prévios ou história de câncer de intestino na família). É fundamental levantar a história obstétrica detalhada, com ênfase na história de partos vaginais, episiotomia, laceração perineal, uso de fórceps, demora no segundo estágio do parto e tamanho do bebê. O American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) recomenda uma história médica completa, avaliação dos sintomas e exame físico das áreas retal, vaginal e perineal nas mulheres com sintomas de incontinência fecal.​[27]​ Uma onstipação anterior pode sugerir diarreia paradoxal, e um histórico de viagens recentes pode ser compatível com uma etiologia infecciosa.

Os sintomas podem incluir escape ou perda involuntária passiva e, em geral, a incontinência fecal é frequentemente encontrada em conjunção à incontinência urinária, já que ambas apresentam mecanismos subjacentes similares. Geralmente, a urgência é associada à capacidade retal reduzida ou à chegada rápida das fezes no reto, assim como ocorre em causas infecciosas.

É importante obter uma avaliação da gravidade da incontinência, considerando-se fatores como o tipo, a frequência e o volume de incontinência, além do impacto em todos os aspectos da qualidade de vida do paciente. Isso também permite monitorar a resposta à terapia. Existem inúmeras escalas de incontinência para avaliar a gravidade da doença, mas muitas carecem de validação e de confiabilidade. Uma confiabilidade aceitável parece ser demonstrada nos sistemas de escalas de Vaizey, Jorge/Wexner e no sistema clínico norte-americano.[28][29]

  • Índice de Wexner: considera três tipos de incontinência (sólida, líquida e gasosa), a necessidade de usar absorventes higiênicos externos e mudanças no estilo de vida. Atribui-se um valor de 0 (nunca), 1 (raramente), 2 (ocasionalmente), 3 (geralmente) ou 4 (sempre) à frequência de cada fator.

  • Índice de Vaizey: similar ao Índice de Wexner, mas criado para incluir a urgência e a necessidade do uso de medicamentos constipantes. São avaliadas a incontinência relacionada às fezes sólidas, fezes líquidas e gases, além das alterações no estilo de vida. Atribui-se uma nota à frequência de cada um desses fatores: 0 (nunca), 1 (raramente), 2 (às vezes), 3 (semanalmente) ou 4 (diariamente). Além disso, os pacientes são questionados sobre a necessidade de usar absorventes higiênicos ou tampões, sobre o uso de medicamentos constipantes e sobre a falta de capacidade de adiar a defecação por 15 minutos. Uma resposta positiva para o uso de absorventes higiênicos ou de medicamentos constipantes conta 2 pontos cada uma, e a urgência conta 4 pontos.

  • Sistema de avaliação clínica norte-americano: pede-se aos pacientes que relembrem os sintomas das 4 semanas anteriores. Os sintomas são classificados por seis frequências: nunca, raramente, às vezes, semanalmente, diariamente ou várias vezes ao dia. Os pontos são atribuídos com base em cinco perguntas:

    • Você apresentou perda involuntária intestinal de gases acidentalmente?

    • Você apresentou encoprese involuntária intestinal leve?

    • Você apresentou perda involuntária intestinal significativa de fezes líquidas acidentalmente?

    • Você apresentou perda involuntária intestinal significativa de fezes sólidas acidentalmente?

    • Essa perda involuntária acidental afetou o seu estilo de vida?

Exame

A inspeção do períneo pode revelar cicatriz ou fístula. O prolapso retal será facilmente identificado com o paciente sentado em uma cadeira sanitária, realizando esforço para evacuar. O exame de toque é útil para avaliar tanto o tônus em contração como o em relaxamento (incluindo a manutenção da pressão em contração) e identificará impactação fecal. Pode haver uma massa retal devido à impactação do bolo fecal ou devido a um tumor maligno de reto. Um ânus patuloso é sinal de baixa pressão do esfíncter em relaxamento. A sensibilidade perianal reduzida, com uma história relevante, pode indicar prolapso agudo de hérnia de disco ou síndrome da cauda equina. A anoscopia/sigmoidoscopia irá identificar hemorroidas ou doença inflamatória intestinal e pode revelar uma massa.

Investigações

Exames subsequentes são apropriados caso os sintomas não melhorem com manejo conservador, e causas específicas como cauda equina ou hemorroidas, já foram avaliadas. A escolha dos testes depende da etiologia subjacente suspeita e geralmente são feitos em centros especializados. Se houver suspeita de problema no esfíncter anal, são recomendados a manometria e o ultrassonografia endoanal.[26][30]

Se disponíveis, a eletromiografia e o teste do nervo pudendo também podem ser realizados, embora nem todos os centros ofereçam esses exames rotineiramente. A proctografia é reservada a pacientes com suspeita de prolapso. Coproculturas, exames de sangue (hemograma completo, proteína C-reativa) e biópsia retal são necessários apenas se a história sugere incontinência devido à diarreia; caso contrário, esses exames não são requisitados rotineiramente.

  • A manometria anal fornece uma avaliação objetiva da continência anal. Ela permite mensurar a pressão anal gerada em repouso e durante a contração, dando uma ideia da função do esfíncter interno e externo, respectivamente. Ela também identifica a presença de reflexos normais associados à defecação, especialmente o reflexo inibitório reto-anal, e mensura a sensação do reto. Esses fatores podem ser anormais na presença de transtornos neurológicos. Uma sensibilidade retal elevada pode ser observada na síndrome do intestino irritável. A capacidade e a complacência retais podem ser alteradas em doenças que reduzem a função de reservatório do reto (por exemplo, após ressecção intestinal). Exames de fisiologia anorretal demonstraram ser confiáveis e reproduzíveis.[31]

  • Ultrassonografia endoanal: identifica defeitos do esfíncter com quase 100% de precisão quando realizada por um médico experiente.[32] Isso, juntamente com o testes fisiológicos, faz parte da avaliação de pacientes com incontinência que não apresentaram resposta ao manejo inicial. Os desenvolvimentos na tecnologia, incluindo imagens 3D, melhoraram a precisão e a compreensão da patologia esfincteriana e permitiram o cálculo dos volumes do esfíncter.[33][34] A ultrassonografia transvaginal e transperineal são desenvolvimentos contínuos nessa área. Elas podem permitir uma avaliação mais detalhada, especialmente se existir outra patologia no compartimento do assoalho pélvico.[33]

  • Ressonância nuclear magnética endoanal: tem sido recomendada por alguns autores como uma alternativa à ultrassonografia endoanal por delinear o complexo do esfíncter anal. O esfíncter externo é observado claramente e os defeitos são facilmente identificados. A clareza do esfíncter externo não sugere que este seja um exame superior à ultrassonografia endoanal, mas permite um diagnóstico mais preciso de atrofias, o que pode ser um preditor de sucesso do reparo do esfíncter.[35][36][37]

  • Exame de latência motora terminal do nervo pudendo: uma mensuração do tempo necessário para um estímulo elétrico fixo deslocar-se pelo nervo pudendo. A latência elevada é um indicador de neuropatia do nervo pudendo e pode estar associada a desfecho insatisfatório após o reparo do esfíncter.[38][39][40]​ Em virtude da variabilidade pelo operador/laboratório e da sobreposição de valores normais e anormais, esse exame tem um valor clínico limitado. Esse exame não é recomendado de maneira rotineira.[26]

  • Proctografia: pode ser útil em determinados pacientes com suspeita clínica de prolapso ou intussuscepção.

  • A avaliação endoscópica é recomendada para descartar outras patologias nos pacientes com incontinência fecal que apresentarem sintomas como diarreia, sangramento, urgência, tenesmo e drenagem de muco.[26]

A ACOG recomenda uma colonoscopia nas mulheres com incontinência fecal com alterações nos hábitos intestinais acompanhadas de perda de peso inexplicada, dor abdominal, sangramento retal, melena ou anemia.[27]

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