Abordagem

O tratamento das varizes se concentra na prevenção do sangramento. O tipo de terapia depende principalmente da estratificação de risco dos pacientes. A hemorragia esofágica aguda por varizes é uma emergência médica.

Cirrose descompensada com hemorragia aguda por varizes

Cirrose descompensada é definida como hipertensão portal clinicamente significativa (gradiente de pressão venosa hepática [GPVH] ≥10 mmHg) com sinais clínicos evidentes, que podem incluir hemorragia por varizes.[5]

As medidas iniciais devem se concentrar na ressuscitação, na avaliação das vias aéreas e na obtenção de acesso venoso periférico. Após a ressuscitação imediata, deve-se realizar uma transfusão de eritrócitos concentrados usando uma estratégia restritiva direcionada a um nível de hemoglobina de 7 g/dL em pacientes sem comorbidades.[5][37]​​​[38][45]​ Transfusões de sangue acima desse limiar podem aumentar a mortalidade.[46] Em caso de ressuscitação de paciente com sangramento ativo com hipotensão, a transfusão com níveis mais altos de hemoglobina pode ser adequada devido ao equilíbrio que ocorre com a ressuscitação fluídica.[5][47] Pacientes com comorbidades, como cardiopatia isquêmica, também podem merecer metas mais altas de transfusão de hemoglobina.[5][45]​ Plaquetas e fatores de coagulação devem ser administrados em certas circunstâncias. Pacientes que fazem tratamento antiplaquetário não devem receber transfusões de plaquetas.[48] O prolongamento do tempo de protrombina/razão normalizada internacional (TP/INR) deve ser corrigido com plasma fresco congelado e/ou vitamina K (fitomenadiona) em todos os pacientes, exceto aqueles que fazem tratamento com varfarina.[48] O concentrado de complexo protrombínico pode ser considerado nos pacientes que fizerem uso de varfarina e apresentarem hemorragia digestiva que representar risco de vida ou naqueles com INR supraterapêutica que exceder substancialmente a faixa terapêutica. O concentrado de complexo protrombínico também pode ser considerado para os pacientes em quem uma transfusão de sangue maciça for indesejável devido ao seu efeito sobre a coagulopatia ou a diluição dos componentes sanguíneos.[48] Pacientes que fazem uso e anticoagulantes orais diretos (AODs) não devem receber rotineiramente concentrado de complexo protrombínico; aqueles que tomam dabigatrana não devem receber rotineiramente idarucizumabe, e aqueles que tomam rivaroxabana ou apixabana não devem receber fator de coagulação Xa recombinante (alfa-andexanete). Essas recomendações são baseadas em evidências de benefícios limitadas. No entanto, a reversão da anticoagulação com esses agentes pode ser considerada em pacientes hospitalizados com hemorragia digestiva que causa risco de vida, que tomaram AOD nas últimas 24 horas.[48]

Pacientes que fazem uso de aspirina para prevenção cardiovascular secundária devem dar continuidade ao tratamento; caso a aspirina seja interrompida, deve ser reiniciada no dia que a hemostasia for confirmada endoscopicamente.[48]

Antibióticos profiláticos de curto prazo (até estabilidade para alta ou 5 dias, o que ocorrer primeiro) devem ser administrados a todos os pacientes com cirrose e hemorragia por varizes para cobrir organismos Gram-negativos. Antibióticos profiláticos reduzem a taxa de infecção bacteriana, falha no tratamento, ressangramento e mortalidade.[5]

Ceftriaxona intravenosa é recomendada para pacientes com cirrose avançada e em ambientes hospitalares com alta prevalência de infecções bacterianas resistentes a fluoroquinolona; no entanto, a escolha de antimicrobianos sistêmicos deve ser adaptada às políticas locais de resistência antimicrobiana e administração hospitalar.[5][49]​ Uma fluoroquinolona oral (por exemplo, ciprofloxacino) pode ser usada no restante dos pacientes.[50]

Os antibióticos sistêmicos do tipo fluoroquinolona podem causar eventos adversos graves, incapacitantes e potencialmente duradouros ou irreversíveis. Isso inclui, mas não está limitado a: tendinopatia/ruptura de tendão; neuropatia periférica; artropatia/artralgia; aneurisma e dissecção da aorta; regurgitação de valva cardíaca; disglicemia; e efeitos sobre o sistema nervoso central, incluindo convulsões, depressão, psicose e pensamentos e comportamento suicidas.[51]

  • Restrições de prescrição aplicam-se ao uso das fluoroquinolonas, e essas restrições podem variar entre os países. Em geral, o uso das fluoroquinolonas deve ser restrito apenas nas infecções bacterianas graves e com risco à vida. Algumas agências regulatórias também podem recomendar que eles sejam usados apenas em situações em que outros antibióticos comumente recomendados para a infecção sejam inadequados (por exemplo, resistência, contraindicações, falha do tratamento, indisponibilidade).

  • Consulte as diretrizes e a fonte de informações de medicamentos locais para obter mais informações sobre adequação, contraindicações e precauções.

A terapia farmacológica com um medicamento vasoativo (por exemplo, um análogo da somatostatina como octreotida, ou um análogo da vasopressina como terlipressina) deve ser iniciada assim que houver suspeita de hemorragia por varizes.[5][37]​​​[50][52][53]

A endoscopia deve ser realizada até 12 horas após a internação, uma vez que o paciente esteja hemodinamicamente estável. Se a hemorragia por varizes for confirmada, ela deve ser tratada com ligação varicosa endoscópica (EVL).[5][37]​​​[38][50][54][55]​​​ A EVL é mais eficaz do que a escleroterapia no controle do sangramento, mas a escleroterapia pode ser usada quando a EVL não é viável.[50]

A combinação de um medicamento vasoativo associado a EVL é considerada terapia de primeira linha.[5][50]

Quando o tratamento farmacológico e endoscópico combinado falha no controle do sangramento, a anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS) é indicada como terapia de resgate. No entanto, em pacientes de alto risco, como aqueles com classe C (com escore <14) ou classe B de Child-Turcotte-Pugh com sangramento ativo na endoscopia inicial, apesar de tratamento concomitante com agentes vasoativos, a TIPS precoce até 72 horas (preferencialmente, <24 horas) após a EDA/EVL pode ser benéfica.[5][50][56][57]

A TIPS com stents revestidos de politetrafluoretileno (PTFE) deve ser usada preferencialmente aos stents não revestidos.[57]​ Pacientes que não forem submetidos a TIPS precoce devem continuar recebendo um medicamento vasoativo por via intravenosa por 2 a 5 dias e, em seguida, iniciar a terapia com betabloqueador não seletivo assim que o medicamento vasoativo for descontinuado.[5] A TIPS de resgate é indicada nesses pacientes se a hemorragia não puder ser controlada ou se o sangramento se repetir, apesar do tratamento com um medicamento vasoativo associado a EVL. Após a TIPS ser realizada com sucesso, o medicamento vasoativo pode ser descontinuado.[5]

Em qualquer estágio, o sangramento incontrolável deve ser tratado por tamponamento com balão (por até 24 horas) como uma ponte para tratamentos mais definitivos.[38][50]​​ Stents metálicos autoexpansíveis constituem uma alternativa ao tamponamento com balão e permitem a compressão efetiva das varizes esofágicas e o controle do sangramento.[50] Elas são fornecidas com um sistema de inserção e podem ser implantadas sem orientação endoscópica ou fluoroscópica direta e podem ser removidas endoscopicamente usando o dispositivo de remoção fornecido.[58]

Cirrose compensada com hipertensão portal leve

Definida como GPVH >5, mas <10 mmHg.[5][59]Os pacientes não têm varizes; o objetivo da terapia é eliminar ou suprimir o fator etiológico (por exemplo, hepatite B, hepatite C, álcool e ferro), fazer modificações no estilo de vida e prevenir a hipertensão portal clinicamente significativa. A regressão da cirrose pode ser possível em alguns pacientes. Os betabloqueadores não seletivos não são recomendados porque não reduzem a incidência de novas varizes, hemorragia por varizes ou descompensação clínica neste estágio.[5]

Os pacientes com cirrose compensada devem ser submetidos a exames de ultrassonografia regulares (semestralmente) para rastreamento de carcinoma hepatocelular e trombose da veia porta; atenção especial deve ser dada às evidências de imagem que indiquem o desenvolvimento de hipertensão portal clinicamente significativa.[5] A medição da rigidez hepática anual pode identificar pacientes que se beneficiariam do rastreamento endoscópico.[5]

Cirrose compensada com hipertensão portal clinicamente significativa: sem varizes gastroesofágicas

A hipertensão portal clinicamente significativa (GPVH ≥10 mmHg) prediz a formação de varizes e descompensação clínica em pacientes com cirrose compensada.[5]

O principal objetivo do tratamento para pacientes com cirrose compensada com hipertensão portal clinicamente significativa é prevenir a descompensação clínica, seguida pela prevenção de varizes gastroesofágicas.[5] Os betabloqueadores não seletivos devem ser considerados para prevenir a descompensação.[5]

Para pacientes com contraindicação ou intolerância aos betabloqueadores, e onde a medição da rigidez hepática não está disponível, a endoscopia de vigilância deve ser realizada a cada 2 anos se houver lesão hepática contínua, ou a cada 3 anos se o agente etiológico tiver sido eliminado.[5]

Cirrose compensada com hipertensão portal clinicamente significativa: com varizes gastroesofágicas (sem sangramento)

Definidos como pacientes com cirrose compensada que apresentam hipertensão portal clinicamente significativa (menor GPVH 10-12 mmHg) e varizes esofágicas endoscopicamente comprovadas que ainda não sangraram.[5]

O objetivo primário do tratamento é a prevenção da descompensação clínica. No entanto, não existem estudos desenhados especificamente para avaliar tratamentos para evitar descompensação em pacientes com varizes esofágicas; portanto, as recomendações de tratamento visam a prevenção da primeira hemorragia por varizes.[5]

Tratamento para prevenir a primeira hemorragia por varizes em pacientes com pequenas varizes gastroesofágicas

  • Betabloqueadores não seletivos são recomendados para prevenir a primeira hemorragia por varizes em todos os pacientes com pequenas varizes gastroesofágicas.[5][60]

  • Os pacientes com cirrose compensada com pequenas varizes na endoscopia com contraindicação ou intolerância a betabloqueadores devem ter a endoscopia repetida anualmente (com lesão hepática contínua) ou a cada 2 anos (se a lesão hepática estiver quiescente: por exemplo, após eliminação viral, abstinência de álcool).[5]

Tratamento para prevenir a primeira hemorragia por varizes em pacientes com varizes gastroesofágicas médias/grandes

  • Os betabloqueadores não seletivos são recomendados para prevenir a primeira hemorragia por varizes em pacientes com varizes médias a grandes.[5][38]

  • A ligação das varizes esofágicas também é recomendada para esse grupo de pacientes.[5] A ligação varicosa endoscópica (EVL) é a alternativa de primeira linha aos betabloqueadores não seletivos.

  • A TIPS não deve ser usada como profilaxia primária para hemorragias por varizes.[5]

  • Contraindicações para cada tratamento específico, tolerância ao tratamento e adesão terapêutica precisam ser consideradas.[4][5][38][50]

  • Os pacientes com cirrose compensada com varizes de alto risco na endoscopia com contraindicação ou intolerância a betabloqueadores devem ter a endoscopia repetida anualmente (com lesão hepática contínua) ou a cada 2 anos (se a lesão hepática estiver quiescente, por exemplo, após eliminação viral, abstinência de álcool).[5]

Prevenção de hemorragia por varizes recorrente

O risco de ressangramento em pacientes que se recuperam de uma hemorragia aguda por varizes é de 60% em 1 ano. O tratamento de primeira linha para prevenção de ressangramento é uma combinação de betabloqueador não seletivo associado a EVL.[5][38][50][61][62]

Pacientes submetidos à TIPS bem-sucedida durante o episódio de sangramento agudo não necessitam de betabloqueadores não seletivos ou EVL. A patência da TIPS deve ser avaliada por ultrassonografia com Doppler em 1 semana, 3 meses, 6 meses e, daí em diante, a cada 6 meses.[57]

A TIPS é recomendada para pacientes que sofrem de hemorragia por varizes recorrente, apesar da terapia betabloqueadora e EVL não seletiva.[5] A TIPS com stents revestidos de politetrafluoretileno (PTFE) deve ser usada preferencialmente aos stents não revestidos.[57] Há evidências de que eles estão associados a uma taxa de patência primária e taxa de sobrevida significativamente mais altas e uma taxa de ressangramento significativamente menor.[63]

As contraindicações absolutas à TIPS incluem:[57][64]

  • Hipertensão pulmonar grave (pressão pulmonar média >45 mmHg)

  • Regurgitação tricúspide grave

  • Insuficiência cardíaca congestiva (estágio C ou D ou uma fração de ejeção documentada <50%)

  • Insuficiência hepática grave

  • Doença hepática policística

  • Sepse ou infecção sistêmica ativa

As contraindicações relativas à TIPS incluem:[57]

  • Obstrução biliar não tratada

  • Coagulopatia grave incorrigível

  • Arteriopatia obstrutiva grave

  • Artéria hepática e estenose do tronco celíaco (impedindo a perfusão sinusoidal adequada pela artéria hepática)

  • Encefalopatia hepática recorrente

  • Carcinoma hepatocelular e outros tumores hepáticos

  • Dilatação do ducto biliar

A TIPS não é recomendada em pacientes com escore de doença hepática em estágio terminal (MELD) >30, lactato >12 mmol/L ou Child-Turcotte-Pugh >13, a menos que seja uma ponte para o transplante de fígado em curto prazo, por causa do alto risco de mortalidade pós-TIPS nesses pacientes.[57]

Embora a medição do GPVH seja o guia mais preciso para hipertensão portal e reposta à terapia medicamentosa vasoativa (como betabloqueadores), é moderadamente invasiva, e seu uso de rotina se restringe a centros especializados. O monitoramento não invasivo, como a medição da rigidez hepática, pode ser usado para orientar a terapia, com a vigilância endoscópica limitada a pacientes que não recebem betabloqueadores não seletivos e não têm acesso à medição da rigidez hepática.[5]

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