Abordagem

A abordagem de tratamento usual para a diarreia do viajante é o autodiagnóstico durante a viagem, seguida por hidratação, medicamentos para alívio dos sintomas e, possivelmente, antibióticos. Normalmente, a antibioticoterapia é reservada para infecções moderadas a graves. Vômitos isolados sugerem intoxicação alimentar ou gastroenterite viral e, geralmente, não justificam tratamento com antibióticos. O autotratamento é elaborado de modo a minimizar o desconforto e os incômodos.

Embora os jovens saudáveis se recuperem rapidamente, mesmo sem tratamento, os idosos ou aqueles com afecções clínicas subjacentes podem ficar gravemente enfermos durante mais de 1 semana e necessitar de hidratação intravenosa. Geralmente, crianças ficam mais debilitadas e demoram mais tempo para se recuperar.

Todos os pacientes devem procurar assistência se os sintomas se agravarem após o início do tratamento ou se não começarem a se resolver 24-36 horas após o início da antibioticoterapia apropriada.

Profilaxia

As ações de prevenção incluem a cuidadosa seleção de frutos do mar e bebidas.[2][22]​ Os itens considerados não seguros incluem gelo, água de torneira, saladas, frutas descascadas previamente e alimentos crus. Condimentos e molhos não embalados, como o guacamole, muitas vezes representam um risco significativo. Alimentos de vendedores ambulantes e buffets com baixa rotatividade também oferecem um risco observável de intoxicação alimentar. Os itens seguros incluem alimentos bem cozidos, servidos enquanto estão quentes, água fervida ou engarrafada (devidamente lacrada), alimentos comercialmente embalados, pães frescos e frutas descascadas pelo viajante.

O uso de antibióticos profiláticos não é recomendado para a maioria dos viajantes.[1][2]​​​ Exceções ocasionais incluem itinerários críticos de curta duração, como em missões diplomáticas, esportes profissionais e participação em eventos profissionais/pessoais de importância, e pacientes imunocomprometidos ou com doença crônica em viagens com menos de 3 semanas de duração. A rifaximina é considerada o tratamento de primeira escolha como profilaxia, por ser eficaz na prevenção da diarreia do viajante, sem aumento de efeitos adversos (em comparação com o placebo).[1][23][24]​ A rifamicina também pode ser considerada.[2]​ As fluoroquinolonas não são recomendadas para a profilaxia da diarreia do viajante.[1] Geralmente, a profilaxia com antibióticos não é recomendada em crianças.

Há fortes evidências que sugerem que o subsalicilato de bismuto pode reduzir em >60% a incidência da diarreia do viajante; no entanto, devido ao número de comprimidos necessários e à dosagem inconveniente, ele não é comumente usado como profilaxia para a diarreia do viajante.[26][27]​ Os estudos existentes ainda não estabeleceram a segurança deste medicamento quando usado por >4 semanas.[1]

Reidratação

A reposição de fluidos é importante em todos os pacientes. É fundamental para pacientes idosos que correm risco de complicações relacionadas à desidratação, gestantes, bebês e crianças pequenas.[2][29] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​ Deve-se evitar o repouso intestinal.

O tratamento de lactentes e crianças pequenas deve priorizar a reidratação em detrimento dos antibióticos. As soluções de reidratação oral (SRO), disponíveis como solução salina de reidratação oral ou soluções à base de arroz em farmácias em muitos países de alto risco, são muito eficazes no tratamento da desidratação associada à diarreia em bebês.[2] Sais de reidratação oral administrados com colher são recomendados quando a criança apresenta vômitos. Além disso, bebês e crianças amamentadas devem continuar a serem amamentadas apesar de terem diarreia.

Adultos com diarreia leve que não consideram a SRO palatável podem reidratar-se com qualquer líquido de sua preferência, embora bebidas adoçadas com açúcar possam causar diarreia osmótica se consumidas em grandes quantidades.[2][28]

Antibioticoterapia

Antibióticos podem ser considerados em pacientes com infecção moderada (ou seja, diarreia com desconforto ou que interfira em atividades planejadas) e são sempre recomendados em infecções graves (ou seja, diarreia incapacitante ou que impeça completamente as atividades planejadas; disenteria e diarreia febril são consideradas graves).[1] Antibióticos não são recomendados em pacientes com infecção leve (isto é, diarreia tolerável, sem desconforto e que não interfira em atividades planejadas), a menos que os sintomas se agravem.[2]

O tratamento com antibióticos está associado a menor duração da diarreia.[28] O tratamento antibiótico com loperamida adjuvante demonstra consistentemente menos tempo até a cura clínica (mediana de 12-14 horas) em comparação com antibióticos isolados (24-30 horas); entretanto, a antibioticoterapia (com ou sem terapia adjuvante) pode estar associada a maior incidência de efeitos adversos, embora estes sejam frequentemente pequenos e autolimitados.[32]

Autotratamento

A decisão do paciente de tratar-se baseia-se na tolerância dele ao desconforto, na preocupação com as consequências não intencionais do uso de antibióticos em relação aos efeitos adversos e no impacto real (mas incerto) do aumento das taxas de colonização intestinal com organismos resistentes a vários medicamentos associadas ao uso de antibióticos no contexto de viagem.

O autotratamento de diarreia do viajante leve a moderada está se tornando mais controverso devido às preocupações de saúde pública. Um estudo demonstrou que 21% dos viajantes que tomam antibióticos para diarreia do viajante ficaram colonizados por Enterobacteriaceae produtora de beta-lactamase de espectro estendido e, por isso, concluiu-se que antibióticos devem ser evitados em casos leves a moderados de diarreia do viajante. Os riscos (preocupações de saúde pública) devem ser ponderados em relação aos benefícios (isto é, menos tempo de recuperação, evitar exposição do indivíduo ao sistema de saúde local) em cada caso individualmente.[33][34]

Escolha do antibiótico

Isso depende de muitos fatores, entre eles custo, preferências individuais, localização geográfica durante a viagem e a cobertura adicional necessária (antibióticos sistêmicos que cobrem a diarreia do viajante aquosa e disenteria também tratam muitas infecções incidentais, como infecções do trato urinário ou respiratório). As opções para o tratamento da diarreia do viajante incluem azitromicina, fluoroquinolona, rifaximina ou rifamicina.[1][2]

A azitromicina é geralmente considerada de primeira linha, pois abrange etiologias disentéricas e é bem tolerada, com efeitos adversos mínimos. Queixas gastrointestinais (por exemplo, náuseas/vômitos) no contexto de infecções gastrointestinais são ocasionalmente vistas com azitromicina e são mais comuns do que no tratamento de infecções não gastrointestinais. A azitromicina é a opção preferencial para diarreia grave (inclusive disenteria ou diarreia febril).

As fluoroquinolonas são consideradas uma opção de segunda linha. Os antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos podem causar eventos adversos graves, incapacitantes e potencialmente duradouros ou irreversíveis. Estes incluem, mas não estão limitados a: tendinopatia/ruptura de tendão; neuropatia periférica; artropatia/artralgia; aneurisma e dissecção da aorta; regurgitação da valva cardíaca; disglicemia; e efeitos no sistema nervoso central, incluindo convulsões, depressão, psicose e pensamentos e comportamento suicida.[35]

  • Restrições de prescrição aplicam-se ao uso de fluoroquinolonas e essas restrições podem variar entre os países. Em geral, o uso de fluoroquinolonas deve ser restrito apenas em infecções bacterianas graves e de risco de vida. Algumas agências regulatórias também podem recomendar que elas sejam usadas apenas em situações em que outros antibióticos comumente recomendados para a infecção sejam inadequados (por exemplo, resistência, contraindicações, falha do tratamento, indisponibilidade).

  • Consulte as diretrizes locais e o formulário de medicamentos para obter mais informações sobre adequação, contraindicações e precauções.

Deve-se considerar o aumento da resistência contra fluoroquinolonas no Sudeste Asiático e outras regiões.

A rifaximina é outra opção de segunda linha. Como, em grande parte, não é absorvida pelo trato gastrointestinal, pode ser a opção mais adequada para pacientes que tomam outros medicamentos, por ser menos provável que ocorram interações medicamentosas. No entanto, pode ser menos eficaz na Ásia, onde patógenos invasivos (por exemplo, Campylobacter, Salmonella, Shigella) são mais prováveis.[1]

A rifamicina é uma alternativa à rifaximina.[2] Pode ser usada em adultos com diarreia do viajante causada por cepas não invasivas de Escherichia coli, não complicada por febre ou sangue nas fezes.​​[2] Tanto a rifaximina quanto a rifamicina podem ser usadas no tratamento de pacientes com diarreia grave não disentérica.[2]

Gravidez e crianças

A azitromicina é o tratamento de escolha em gestantes com infecção moderada a grave.

O sulfametoxazol/trimetoprima e a doxiciclina não são mais recomendados fora de situações especiais em decorrência de problemas de resistência generalizados.

Os antibióticos são recomendados em crianças com infecção moderada a grave, especialmente quando há diarreia aquosa com sangue ou grave, ou evidências de infecção sistêmica. A azitromicina é o tratamento de primeira escolha em crianças. A rifaximina ou uma fluoroquinolona podem ser usadas como uma alternativa em crianças; entretanto, a rifaximina não é aprovada para crianças com <12 anos, e as fluoroquinolonas devem ser usadas com cautela em crianças, pois podem aumentar o risco de distúrbios articulares e dos tendões (consulte a precaução acima).[2]​​[36] A rifamicina está aprovada para uso apenas em adultos.[2]​​

Duração da terapia

Muitos especialistas recomendam tomar antibióticos somente até que o paciente se sinta melhor, geralmente 1-3 dias (com exceção da rifaximina e rifamicina, que deve ser tomada durante o ciclo completo de 3 dias). Se os sintomas não se resolverem após 24 horas, o esquema terapêutico deverá ser seguido por até 3 dias.[1]

Terapias adjuvantes

Inclui loperamida, um agente antimotilidade, e subsalicilato de bismuto, um agente antidiarreico recomendado para o tratamento de infecções leves.

Loperamida

Um agente antimotilidade comumente usado para o tratamento da diarreia, a loperamida controla as cólicas e a diarreia.[37][38] A loperamida é recomendada como monoterapia em pacientes com infecção leve a moderada, podendo também ser usada como adjuvante à antibioticoterapia em pacientes com infecção moderada a grave. Os pacientes devem ser informados de que podem ser necessárias de 1 a 2 horas para que a loperamida tenha efeito, e que doses adicionais devem ser devidamente espaçadas de forma a evitar constipação de rebote.

A loperamida não deve ser usada em pacientes com sangue visível nas fezes ou febre alta (característica da disenteria). A loperamida retarda o tempo de trânsito gastrointestinal e, teoricamente, pode atrasar a expulsão de bactérias invasivas.

Embora haja poucos casos publicados sobre efeitos adversos significativos relacionados ao uso da loperamida na diarreia do viajante, não é recomendado o uso contínuo da loperamida em pacientes com agravamento dos sintomas ou com desenvolvimento de disenteria.[37] A loperamida não é recomendada em gestantes e, geralmente, não é recomendada em crianças com <6 anos.

Subsalicilato de bismuto

Um agente antidiarreico oral recomendado para o tratamento de infecções leves. Os efeitos adversos incluem toxicidade por salicilato (por exemplo, zumbido) e escurecimento da língua ou das fezes.​[27][39]​ ​O subsalicilato de bismuto não é recomendado para gestantes ou crianças <3 anos.[2]​​ Geralmente, não é recomendado em crianças com <12 anos devido ao risco de síndrome de Reye; no entanto, alguns médicos ainda usam com cautela.[2]

Ausência de resposta à antibioticoterapia

A ausência de resposta à antibioticoterapia sugere uma etiologia parasitária ou pós-infecciosa. A diarreia viral geralmente se resolve rapidamente. Solicite teste de antígeno fecal, teste de reação em cadeia da polimerase ou exame de ovos e parasitas para testar patógenos protozoários em pacientes com diarreia persistente (>14 dias).[7]

O tratamento para o patógeno identificado deve ser iniciado mediante a liberação dos resultados. Consulte Giardíase (Manejo)Amebíase (Manejo).

Se houver suspeita de doença associada ao Clostridioides difficile, o paciente deverá ser tratado de acordo com as diretrizes atuais. Consulte Doença associada ao Clostridioides difficile (Manejo).

Consulte um especialista no caso do tratamento de gestantes e crianças com diarreia persistente.

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