Abordagem

Embora a fasciite plantar seja considerada uma condição autolimitada, ela leva até 18 meses para a resolução da dor, sendo, por esse motivo, um desafio para os médicos. Aproximadamente 80% dos pacientes melhoram em 12 meses com terapia não cirúrgica.[35]

O American College of Foot and Ankle Surgeons recomenda categorizar os pacientes pela duração dos sintomas, a fim de permitir a seleção dos tratamentos que terão maior efeito em cada estágio da fasciite plantar. Ele define as 3 fases da fasciite plantar da seguinte forma:[3]

  • Aguda: sintomas presentes por até 6 semanas

  • Subagudo: sintomas presentes por 6 a 12 semanas

  • Crônico: sintomas presentes por >3 meses

Uma subdivisão da crônica é refratária/recalcitrante. A fasciite plantar refratária é melhor definida como fasciite plantar crônica que não melhorou com intervenção apropriada por >6 meses e é muito mais difícil de tratar com sucesso.

Objetivos do tratamento

O objetivo do tratamento é o alívio completo da dor. Isso geralmente requer muitos meses de terapia, com relatos variando de 4 a 18 meses de tratamento conservador para atingir essa meta.[36] O tratamento visa os fatores anatômicos, biomecânicos e ambientais que podem levar ao início da causa da dor e de incapacidade no pé.​[3][9]​​[37]​​​ A terapia combinada é a regra geral, em que a intenção é tratar a dor e a inflamação, reduzir o estresse tecidual e recuperar a força e a flexibilidade dos músculos.[9][38]

Estudos randomizados controlados geralmente comparam terapias combinadas em vez de confiar em um único tratamento para fornecer a resolução completa em longo prazo. Estudos também variam quanto ao método de medição de um desfecho bem-sucedido, frequentemente confiando mais nos relatos subjetivos dos pacientes que em uma ferramenta de medição objetiva única. Todavia, o desfecho para indivíduos com fasciite plantar aguda foi estudado e é geralmente favorável.

Tratamento inicial

A terapia de primeira linha é não cirúrgica e inclui várias combinações de repouso, métodos de redução do peso, órteses para os pés, suporte mecânico e alongamento dos tendões de aquiles e da fáscia plantar. A maioria dos pacientes será capaz de implementar essas estratégias por conta própria. Às vezes, são usadas injeções de corticosteroides ou de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) para alívio da dor em curto prazo, e imobilização com gesso. Para a maioria dos pacientes, as terapias conservadoras provaram ser benéficas no alívio da dor no calcanhar.

Apenas calcanhares significativamente doloridos persistentes que interferem nas atividades de suporte de peso e não respondem a tratamento não cirúrgico após cerca de 6 a 12 meses são considerados para a terapia extracorpórea por ondas de choque (TOC) ou intervenção cirúrgica.

Repouso, aconselhamento sobre autocuidado e manejo dos fatores precipitantes

Repouso ou modificação da atividade física (por exemplo, evitar correr, dançar, pular, ficar em posição ortostática/caminhar por períodos prolongados ou andar descalço em pisos duros de concreto) é normalmente recomendado. Um estudo citou o repouso como o tratamento que funcionou melhor para 25% dos pacientes tratados para a fasciite plantar.[39]

Os pacientes devem ser aconselhados a usar calçados com bom suporte para o arco e calcanhares almofadados (como calçados esportivos com cadarços). Aconselha-se que os pacientes em todos os estágios da fasciite plantar evitem calçados que não ofereçam suporte, como chinelos e sapatilhas.[3]

Recomenda-se a redução do peso para pessoas com sobrepeso ou obesidade. Devem-se fornecer educação e aconselhamento sobre estratégias de exercícios para ganhar ou manter a massa corporal magra ideal. O encaminhamento para um nutricionista pode ser considerado.​​[9]​ Um IMC elevado não é apenas um fator de risco para a fasciite plantar, mas também um preditor da extensão da perda funcional conforme relatada pelos pacientes.[16][17]​ Porém, nenhum estudo avaliou o efeito da perda de peso sobre a ocorrência dos sintomas.[18]

Alongamento

Isquiotibiais e equino tensos são comuns nos pacientes com fasciite plantar, e o tratamento do equino é importante para todos os estágios da doença.[3]​ Recomenda-se o alongamento do tendão calcâneo e da fáscia plantar 3 vezes ao dia, com 10 repetições de cada série.[40] Os pacientes podem ser encaminhados a um fisioterapeuta ou podiatra para obter ajuda com a técnica, embora a fisioterapia formal não tenha se mostrado mais efetiva que exercícios de alongamento em casa.[41]​ Um estudo revelou que os exercícios de alongamento sem carga, específicos para a fáscia plantar, são superiores aos exercícios de alongamento padrão do tendão de Aquiles com carga nos pacientes com dor recalcitrante.[42]​ As recomendações para o alongamento se baseiam na hipótese de que a contratura noturna do complexo gastrocnêmio-sóleo contribui para a irritação da fáscia plantar e a persistência dos sintomas.[43][44]​​​ Os principais benefícios do alongamento no alívio da dor parecem ocorrer nas primeiras 2 semanas a 4 meses. As órteses podem ser usadas para aumentar os benefícios do alongamento.[9][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Alongamento suralDo acervo de Alex Koleszar, Cleveland Clinic; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@75d2272a[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Alongamento do tendão calcâneoDo acervo de Alex Koleszar, Cleveland Clinic; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2ec32350[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Alongamento plantarDo acervo de Alex Koleszar, Cleveland Clinic; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@54c28720

Bandagem ou cinta "Low-Dye"

A bandagem "Low-Dye" (antipronação) é frequentemente usada como tratamento de primeira linha de curto prazo para a fasciite plantar. Ela altera a função mecânica do pé, apoiando o arco longitudinal medial e diminuindo o estresse sobre a fáscia plantar, o que leva ao alívio da dor matinal e da rigidez. A primeira tira de fita, usada como âncora, é aplicada plantar e transversalmente, sem tensão, logo proximalmente à cabeça do metatarso. Uma segunda tira longitudinal é aplicada em volta do pé, de forma proximal às cabeças do primeiro e do quinto metatarsos. Tiras laterais a mediais são então colocadas em direção plantar no calcanhar e no arco.[45] É aplicada geralmente por um período de 3 a 5 dias.[46][47]​ A bandagem "Low-Dye" é efetiva no curto prazo (até 6 semanas) e quando utilizada como um precursor para suportes do arco.[9]​​ Uma revisão sistemática revelou que a adição de bandagem nos exercícios de alongamento tem um valor adicional.[48]​ A aplicação de cinta com fita elástica terapêutica é uma alternativa de tratamento; ela é aplicada no gastrocnêmio e na fáscia plantar para redução da dor em curto prazo (1-6 semanas).[9]​​

Órtese no pé

Palmilhas, dispositivos pré-fabricados, órteses personalizadas e almofadas de calcanhar são frequentemente usados para tratar a fasciite plantar. Metanálises sugerem que eles têm pouco ou nenhum efeito como tratamento independente para melhorar a dor e a função em curto prazo (<3 meses).[9][49]​ No entanto, as órteses podem ser benéficas quando combinadas com outros tratamentos, especialmente em pacientes que respondem positivamente às técnicas de bandagem anti-pronação.[9]​​ Evidências sugerem que, em 12 meses, não existem diferenças significativas entre os desfechos de pacientes que usaram órteses pré-fabricadas em relação aos que usaram órteses feitas sob medida.[49][50]​​ Algumas instituições incluem a distribuição de órteses em um departamento de fisioterapia ou podiatria.

Talas noturnas

As imobilizações noturnas, usadas por um período de 1 a 3 meses, demonstraram ser adjuvantes efetivas no tratamento para aqueles com dor aguda e recalcitrante, especialmente aqueles que consistentemente sentem dor ao primeiro passo pela manhã.[9]​​[44][51][52]​​​​ A eficácia pode ser limitada, no entanto, uma vez que muitos pacientes as retiram para dormir devido à interferência com o conforto do sono.

Medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais

Os AINEs orais são comumente prescritos para a dor e a inflamação em curto prazo. Faltam ensaios clínicos randomizados e controlados grandes. Um estudo randomizado pequeno encontrou uma tendência, mas nenhuma diferença significativa, de melhora no alívio da dor e redução na incapacidade com a terapia com AINEs em comparação com placebo e tratamento conservador com imobilizações noturnas, calcanheiras viscoelásticas e alongamento.[36] Os AINEs são normalmente usados em conjunto com outras terapias e são considerados mais eficazes no tratamento do estágio inicial da fasciite plantar. O American College of Foot and Ankle Surgeons não recomenda o uso rotineiro de AINEs no tratamento da fasciite plantar devido à falta de dados de suporte.[3]

Injeções de corticosteroide

Injeções de corticosteroides são usadas para o controle da dor aguda de curto prazo da fasciite plantar. Elas são consideradas se o tratamento conservador levar ao alívio inadequado da dor ou se a dor for especialmente intensa na apresentação inicial. Demonstrou-se que são eficazes no alívio da dor; no entanto, a maioria dos estudos relata apenas benefícios de curto prazo (até 6 semanas) e não sustentados.[53]​​[54][55] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​​ Um estudo, entretanto, revelou que a redução significativa na espessura da fáscia plantar observada 1 mês após a injeção de corticosteroide persistiu em um novo exame de imagem a 6 meses.[56]​ Uma revisão Cochrane reuniu dados de 8 estudos e encontrou apenas um benefício modesto em curto prazo (<1 mês) das injeções de glicocorticoides em comparação com o placebo.[55]​ Outra revisão sistemática revelou que a injeção de corticosteroides foi mais eficaz do que alguns comparadores (injeção de sangue autólogo, órteses para os pés e fisioterapia) para a redução da dor e a melhora da função em pessoas com dor plantar no calcanhar em curto prazo. No entanto, ela não foi mais efetiva que a injeção de placebo na redução da dor em curto e médio prazos.[57]

As injeções são administradas com o uso de uma abordagem plantar medial, geralmente combinadas com anestesia local para funcionar como um agente analgésico e anti-inflamatório imediato. A lidocaína e a bupivacaína são usadas em combinação para se atingir um início mais rápido e um alívio prolongado. Descobriu-se que a orientação por ultrassonografia está associada a resultados superiores e a um menor risco de recorrência de dor no calcanhar em comparação com a injeção guiada por palpação.[3][8]​​ As complicações são incomuns, mas incluem infecção, atrofia da gordura subcutânea, mudanças na pigmentação da pele, ruptura de fáscia, lesão de nervo periférico e dano muscular.[58][59]​ A terapia com injeção pode ser muito dolorosa, e este é o evento adverso mais comumente relatado.[60] A dor pós-injeção pode durar vários dias. Se o tratamento inicial foi benéfico, mas os sintomas regressarem, o tratamento pode ser repetido uma vez com um mínimo de 6 semanas entre as injeções.​

Outras fisioterapias

  • Aplicação de gelo: essa pode ser a terapia adjuvante ao tratamento menos relatada. Usada durante 20 minutos por vez, é um analgésico local praticamente sem efeitos sistêmicos adversos.

  • Fonoforese: uma técnica pela qual a ultrassonografia terapêutica é usada para introduzir gel de cetoprofeno através da pele intacta nos tecidos subcutâneos. Evidências limitadas sugerem que ela pode reduzir a dor em curto prazo em pacientes com fasciite plantar.[9]

  • Massagem profunda com liberação miofascial[3]

  • ​Mobilização de tecidos moles: a mobilização da miofáscia do gastrocnêmio e do sóleo, visando especificamente pontos-gatilho e áreas de restrição de tecidos moles, pode ajudar a reduzir a dor e melhorar a função.​[3][9]​​[61]​​

  • Terapia manual: a mobilização articular para melhorar quaisquer restrições identificadas na mobilidade articular do membro inferior, com ênfase na melhora da dorsiflexão talocrural, pode proporcionar alívio sintomático e melhorar a função.[9]

  • Exercício terapêutico: treinamento de resistência para a musculatura do pé e tornozelo. A combinação de terapia manual, educação do paciente, alongamento, treinamento de resistência e intervenções neurodinâmicas pode melhorar a dor e a função.[9]

  • Laserterapia de baixa intensidade: múltiplas revisões sistemáticas sugerem que a laserterapia pode ser usada para reduzir a dor e as limitações de atividade em curto prazo.[62][63][64]

  • Agulhamento seco: uso de uma agulha filiforme fina para estimular pontos-gatilho miofasciais subjacentes no gastrocnêmio, solas e músculos plantares do pé para melhorar a dor e a função.[9] Uma metanálise encontrou evidências de baixa qualidade de que a agulhamento seco é eficaz para o alívio da dor em curto prazo.[49]

  • Iontoforese: aplicação de corrente elétrica para promover a administração transdérmica de dexametasona a 0.4%, ou ácido acético a 5%. Devido a evidências limitadas, a iontoforese é considerada uma opção de fisioterapia de segunda linha, sendo preferenciais terapia manual, alongamento e órteses para os pés.[9]

Imobilização com gesso

A imobilização com gesso pode ser usada para eliminar a dor e a rigidez matinais, permitir o repouso com carga e proporcionar alívio da dor em curto e longo prazos em pessoas com dor extrema ou com dor no calcanhar sem resposta clínica. O pé dolorido é colocado em uma posição anatomicamente correta durante a cura. Contudo, a imobilização pode ser difícil de tolerar, particularmente para aqueles com artrite degenerativa ou obesidade, e as atividades da vida diária podem ser afetadas negativamente.

Terapias de segunda e terceira linha

Somente pessoas com dor persistente e significativa que interfere na atividade com sustentação de peso e que não responde à terapia não cirúrgica após cerca de 6 a 12 meses são consideradas para terapia extracorpórea por ondas de choque (TOC) ou intervenção cirúrgica.

Terapia extracorpórea por ondas de choque

O desfecho para os 10% dos pacientes que não apresentam resposta clínica a cuidado conservador após 12 meses ainda não é bem entendido. A TOC evoluiu como uma abordagem não invasiva para a dor recalcitrante na fasciite plantar e é recomendada como tratamento de segunda linha.[3][65]​​​ Propõe-se que a TOC crie uma lesão tecidual local que causa a disfunção seletiva dos nervos sensoriais não mielinizados, neovascularização e aumento das quantidades de fatores de crescimento tecidual dentro das estruturas localmente lesionadas.[65]​ Duas técnicas foram descritas: uma abordagem de tratamento único de alta energia, com anestésico local pré-procedimento, e uma série de três tratamentos com baixa energia. Espera-se uma resposta terapêutica na fáscia plantar a 12 semanas. Um estudo revelou que o tratamento de baixa intensidade mostrou ser mais efetivo para o alívio da dor e funcionar melhor quando comparado ao tratamento de alta intensidade.[66]​ Nenhum evento adverso grave foi descrito. Várias revisões sistemáticas examinaram o benefício da TOC e, em geral, ela parece fornecer melhores desfechos em longo prazo em relação às injeções de corticosteroides e à maioria das outras intervenções estudadas.[8]​ Uma observação geral entre os estudos é que aproximadamente 70% dos pacientes com fasciite plantar crônica ou subaguda submetidos à TOC apresentam melhora significativa na dor no calcanhar a 12 semanas.[3]

Cirurgia

Em pacientes com dor recalcitrante, a cirurgia demonstrou ser geralmente eficaz e considerada como uma opção de terceira linha.[1] Existem diversas técnicas cirúrgicas (por exemplo, liberação parcial ou completa da fáscia plantar com ou sem ressecção de esporão calcâneo, excisão de tecido anormal e descompressão de nervo). Desfechos favoráveis foram relatados em mais de 75% dos pacientes, mas o tempo de recuperação é geralmente longo. Pode ocorrer dor persistente em até um quarto dos pacientes por até dois anos ou mais após a cirurgia. As complicações incluem edema, fratura, dano nervoso e achatamento do arco.[4][67][68]

Uma abordagem cirúrgica frequentemente usada, a liberação parcial da fáscia plantar com liberação nervosa, produziu desfechos mistos, com alguns relatos demonstrando cerca de 50% de taxa de sucesso. A recomendação é liberar <50% da fáscia plantar em vez de 100% a fim de se evitar instabilidade da coluna lateral.[69] A descompressão nervosa pode ser útil para as pessoas com dor neurítica associada a uma dor calcânea recalcitrante. Uma abordagem de liberação da fáscia plantar por endoscopia é outra técnica, com potencial para um retorno mais rápido à função normal. No entanto, ela está associada a riscos específicos, incluindo danos a nervos e liberação insuficiente ou excessiva da fáscia plantar sem visualização aberta da anatomia.

O peso não foi um fator no sucesso dos desfechos cirúrgicos. Indivíduos com sobrepeso podem apresentar o mesmo sucesso que outros se for escolhida a intervenção cirúrgica. Pacientes que apresentam sintomas por mais de 2 anos e então prosseguem para intervenção cirúrgica apresentam resultados menos favoráveis após a cirurgia.

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