Etiologia
Os 3 tipos de doenças do príon (esporádica, genética e adquirida) são agrupados com base em uma etiologia conhecida.
Doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica (eDCJ)
Acredita-se que ela ocorra espontaneamente. O processo da doença começa quando as proteínas príon endógenas, em sua maioria alfa-helicoidais e, em menor proporção de estrutura em folha beta-pregueada, alteram espontaneamente sua forma e transformam-se predominantemente em estruturas beta-pregueadas, chamadas de partículas infecciosas proteináceas ou príons. O processo pelo qual os príons se formam a partir da proteína de origem ainda é desconhecido. O modelo de trabalho consiste na teoria de que uma vez que o príon se forma, ele se transforma em um molde. Quando proteínas príon (basicamente de estrutura alfa-helicoidal) entram em contato com este molde, elas também são transformadas na estrutura beta-pregueada, o príon.
Sabe-se que pacientes e familiares relatam uma associação entre eventos estressantes da vida e o aparecimento de sintomas de eDCJ. Embora não se acredite que o estresse cause o dobramento imperfeito da proteína priônica, sugeriu-se que ele possa precipitar os sintomas subjacentes em um paciente com doença de príon subclínica.[20]
Doenças do príon genéticas
São causadas por uma mutação no gene que codifica a proteína príon endógena (PRNP) localizada no cromossomo 20.[6] Até o momento, foram identificadas mais de 40 mutações diferentes, muitas apresentando o seu próprio fenótipo da doença (ou seja, doença de Creutzfeldt-Jacob [DCJ] familiar, Gerstmann-Straussler-Scheinker e insônia familiar fatal). Em geral, as mutações da PRNP são transmitidas de forma autossômica dominante e a maioria tem 100% de penetrância, mas houve casos raros de DCJ em associação com polimorfismos da PRNP que podem ser incidentais, não causais.[7] Embora muitas sejam mutações pontuais, algumas decorrem de inserções ou deleções.[6] É importante ressaltar que cerca de 60% dos pacientes com doença do príon apontada como genética não tinham uma história familiar da doença conhecida; entretanto, uma inspeção adicional frequentemente encontrará uma história familiar de doença de Alzheimer ou Parkinson provavelmente diagnosticadas erroneamente.[21][22]
O início e as manifestações clínicas de todas as formas da doença do príon são, com frequência, fortemente influenciados pelo códon polimórfico 129 da PRNP. O códon 129 pode ser a metionina (M) ou a valina (V). Combinações homozigóticas (por exemplo, MM ou VV) resultam em risco elevado para desenvolvimento da doença do príon. Dependendo do tamanho do fragmento de príon não glicosilado após o tratamento com proteinase, como determinado pela migração em um western blot, ele é referido como tipo 1 (21 kd) ou tipo 2 (19 kd). Alguns pacientes apresentam uma mistura dos príons de tipo 1 e de tipo 2. O tipo de príon também parece desempenhar um papel na maneira como a doença se manifestará (por exemplo, curso temporal, principais sintomas).[23]
Doenças do príon adquiridas
Elas incluem a DCJ iatrogênica (iDCJ), a DCJ variante (vDCJ) e a quase extinta kuru. A iDCJ é categorizada pela transmissão dos príons de uma pessoa a outra através de procedimentos médicos. Os príons estão em maior concentração no cérebro (os olhos estão diretamente conectados ao cérebro através do nervo óptico). Embora não sejam contagiosos em termos de conceitos tradicionais, os príons podem ser transferidos diretamente através de procedimentos médicos invasivos, como transplantes de córnea de doadores cadáveres, enxertos de dura-máter e reposição hormonal hipofisária, além de outras neurocirurgias envolvendo instrumentos cirúrgicos contaminados por príons.[24] Apesar de a iDCJ ser relativamente incomum, pode ser difícil minimizar a transmissão, já que a conformação molecular dos príons patogênicos (PrPSc) é particularmente resistente às práticas comuns de esterilização.[25] Os príons da vDCJ podem ser encontrados fora do sistema nervoso central, inclusive no intestino (apêndices), no fígado, nas glândulas salivares, nos rins, nos pulmões e na medula óssea.[26] O UK Department of Health publicou diretrizes para reduzir o risco de transmissão da doença de Creutzfeldt-Jacob (DCJ) e da variante da DCJ (vDCJ) em ambientes hospitalares, de pesquisa e cenários comunitários.[27]
A vDCJ ocorre principalmente pela transmissão da doença do príon de bovinos para pessoas através da ingestão de carne contaminada. Há evidência de que o PrPSc é absorvido através do trato gastrointestinal, viaja pelo sistema nervoso entérico até a medula espinhal e o cérebro e também pode penetrar o sistema reticuloendotelial e a corrente sanguínea com disseminação centrífuga secundária a outros tecidos.[28] Embora as doenças do príon afetem outros animais – paraplexia epizoótica em ovelhas e cabras e doença crônica debilitante em cervídeos – a encefalopatia espongiforme bovina é a única forma conhecida que pode ser transmitida a humanos. A vDCJ também é a única forma humana da doença conhecida que pode ser transmitida através de transfusão de sangue ou de hemoderivados.[10][13][29][30][31][32][33]
Fisiopatologia
A patogenicidade da doença do príon é totalmente diferente da de outros agentes infecciosos, já que ele não contém nenhum ácido nucleico; acredita-se que seja puramente uma proteína infecciosa. As doenças de príons são causadas pela conversão de proteínas priônicas endógenas saudáveis, as PrPC (onde o C corresponde à forma celular normal da proteína príon) para a forma patogênica chamada de um príon ou PrPSc (onde o Sc corresponde à palavra em inglês "scrapie", a doença do príon de ovelhas e cabras). Essa transformação da PrPC, de estrutura predominantemente alfa-helicoidal, converte a entidade, em grande parte, em folhas beta-pregueadas chamadas de PrPSc. Quando a PrPC é convertida em PrPSc, os novos PrPSc atuam como moldes que ajudam a converter PrPC adjacentes em PrPSc. Esse processo é muito rápido, ocorrendo dentro de um minuto da exposição de PrPC à PrPSc.[34] Uma vez convertidas, essas proteínas deformadas tornam-se moldes de PrPSc, iniciando uma cascata de transformação das PrPCs próximas. Esta conversão eventualmente se torna um processo exponencial e, embora as células provavelmente eliminem inicialmente a PrPSc, a taxa de conversão da PrPSc eventualmente ultrapassa a taxa na qual elas podem ser eliminadas.[3][4][35]
A transformação das proteínas príon em príons e/ou o acúmulo resultante de príons no sistema nervoso central (SNC) causa lesão de neurônios e, por fim, morte. Durante o processo de lesão dos neurônios, aparecem vesículas preenchidas com líquido na árvore dendrítica de neurônios. Essas vesículas são chamadas de vacúolos e expandem para 10 a 20 micrometros ou mais, conferindo uma aparência espongiforme ao tecido cerebral quando este é examinado microscopicamente; por isso o nome alternativo para as doenças do príon, encefalopatias espongiformes transmissíveis. Essa alteração de vacuolização (ou espongiforme) é uma marca característica dessa doença, embora outros quadros clínicos também apresentem essas mudanças microscópicas. Outras características microscópicas do tecido cerebral com doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) incluem perda neuronal, astrogliose, e, principalmente, a presença dos PrPSC detectados por imuno-histoquímica ou western blot.[3][36] Encontram-se placas amiloides de PrPSc em aproximadamente 10% dos casos de DCJ, e nos casos de Gerstmann-Straussler-Scheinker um núcleo de PrPSc amiloide é circundado por outro grupo de glóbulos amiloides menores. A vDCJ também apresenta uma característica patológica relativamente única de um núcleo de placas amiloides de PrPSc circundado por vacúolos; elas são chamadas de placas floridas, uma vez que se acredita que se parecem com uma flor. Placas e depósitos pericelulares de PrPSc são encontrados em todo o cérebro e cerebelo na vDCJ.[12] Na vDCJ, os PrPSc também podem ser identificados em tecidos não neuronais, inclusive no sistema linforreticular, durante a evolução da doença;[26] por isso, os PrPScs são frequentemente encontrados nas biópsias da amígdala na vDCJ, mas não em outras formas de doenças por príon em humanos.[3][37] Embora muitas investigações tenham sido realizadas, ainda não se entende os processos em nível celular que causam a lesão e a morte neuronal na doença do príon, apesar de se acreditar que o estresse oxidativo tenha um papel relevante.[38][39][40][41] Aparentemente, também há danos no sistema GABAérgico na doença do príon.[42][43] Um questão que está clara é que a proteína príon, PrPC, é necessária, e pode ser suficiente, para o desenvolvimento da doença do príon.[44][45][46][47][48]
Classificação
Classificação padrão[1][2][3][4]
As doenças de príons podem ser classificadas em três categorias: esporádica (85% a 90%), genética (10% a 15%) e adquirida (<1%).[5]
Doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica (eDCJ)
Idiopática (a etiologia é desconhecida, mas acredita-se que seja uma doença espontânea).
Manifesta tipicamente queixas cognitivas, falta de coordenação ou outros problemas motores, alterações da personalidade/comportamentais e/ou anormalidades na visão.
Doenças do príon genéticas
Doença de Creutzfeldt-Jacob (DCJ) familiar
Mais de 40 mutações autossômicas dominantes são encontradas no gene da proteína príon (PRNP) no cromossomo 20, a maioria com penetrância completa.[1][6][7]
A apresentação varia entre os tipos de mutação da PRNP e, às vezes, até mesmo dentro de uma mesma família.
A evolução é frequentemente mais longa que a eDCJ, mas algumas mutações podem manifestar-se clinicamente e patologicamente de forma idêntica à eDCJ.[6]
Insônia familiar fatal
A doença inicia com insônia crescente e sintomas psiquiátricos, como ansiedade.
Evolui com alucinações, perda de peso, demência e, por fim, morte.
Gerstmann-Straussler-Scheinker
A apresentação pode variar dependendo do tipo de fenótipo da mutação da PRNP e, às vezes, até mesmo dentro de uma mesma família.
Manifestações precoces da doença frequentemente incluem alterações do comportamento, características parkinsonianas ou ataxia.
Muitos casos têm sido diagnosticados erroneamente como Alzheimer familiar ou doença de Parkinson.
Doença do príon adquirida
DCJ iatrogênica
Ocorre devido a procedimentos clínicos como administração de hormônio do crescimento humano ou instrumentos cirúrgicos contaminados durante transplantes de córnea, enxertos de dura-máter e inserção de eletrodos de EEG profundos.[8][9]
O período de incubação pode ser curto, de um ano, mas tipicamente é de vários anos e até mesmo décadas.
Variante da DCJ (vDCJ)
Adquirida pelo consumo de carne contaminada com encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca) ou transfusão de sangue ou de hemoderivados de um paciente com vDCJ latente ou pré-sintomática.[10]
A idade mediana de início é em torno de 29 anos, com muitos casos ocorrendo em pacientes na faixa dos 20 ou 30 anos, muito mais jovens que a maioria dos indivíduos com eDCJ.
A doença inicialmente se apresenta com alterações comportamentais e psiquiátricas, com sintomas tardios de disestesia, demência, ataxia e/ou coreia, mioclonia ou distonia.[11][12][13]
Kuru
Doença endêmica da tribo Fore de Papua-Nova Guiné, na qual as práticas de endocanibalismo contribuíram para a sua transmissão. Foi essencialmente eliminada com o fim do endocanibalismo, embora raros casos ainda possam ocorrer, já que o período de incubação pode ser longo, de 50 anos em alguns casos.[14]
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