Abordagem

O tratamento do EME convulsivo generalizado, o tipo mais comum de EME, deve ser iniciado imediatamente para evitar dano neurológico e morte. Alcançar o controle das convulsões nas primeiras 1 a 2 horas após o início é um determinante significativo do desfecho.[40] O EME convulsivo generalizado é considerado uma emergência neurológica, pois apresenta um alto risco de mortalidade e morbidade. A duração prolongada do EME convulsivo generalizado também está correlacionada a uma refratariedade maior em relação à terapia, implicando em um desfecho mais desfavorável. Quanto mais cedo o tratamento do EME for instituído, maior a probabilidade de sucesso.[32] Os principais objetivos do tratamento agudo incluem a cessação da atividade convulsiva e a proteção das vias aéreas; as complicações devem ser evitadas e tratadas. Condições subjacentes devem ser tratadas simultaneamente, sobretudo se contribuírem para o EME. O tratamento de outras formas do EME depende do subtipo diagnosticado.

Medidas de suporte

O tratamento deve ser concomitante à avaliação clínica e às investigações. O manejo do EME convulsivo generalizado e não convulsivo deve iniciar com medidas de suporte básico de vida (vias aéreas, respiração, circulação, incapacidade e avaliação neurológica), como em qualquer outra emergência médica aguda.[34]

As vias aéreas do paciente devem ser protegidas.[2] Apesar de breve hipóxia, a maioria dos pacientes respira com eficiência durante o EME, se as vias aéreas estiverem desobstruídas.[20] Manter as vias aéreas protegidas pode ser difícil durante a ocorrência de convulsões. Muitos pacientes precisarão de via aérea nasofaríngea com oxigenoterapia para manter saturações adequadas.[32] O bloqueio neuromuscular é uma opção em casos extremos. Deve ser usado um medicamento de curta ação como o vecurônio. Bloqueadores neuromusculares de curta ação são preferíveis porque permitem a avaliação de convulsões persistentes imediatamente após a intubação.[34]

Deve ser fornecido oxigênio a 100% através de cânula nasal ou máscara de não reinalação.[37]

Os sinais vitais devem ser verificados:

  • Deve ser usado o resfriamento passivo se a temperatura corporal exceder 40 °C (104 °F).[41] No EME, a hipertermia é mais comumente resultante da atividade convulsiva que um sintoma secundário a infecções subjacentes.

  • Se houver hipotensão, devem ser usados hidratação e vasopressores.

Deve ser estabelecido um acesso intravenoso e o sangue deve ser enviado para exames laboratoriais (função hepática, função renal, eletrólitos, cálcio, fósforo, magnésio, hemograma completo, toxicologia e níveis de medicamentos anticonvulsivantes séricos).[42]

O nível de glicose sérica deve ser medido e a tiamina seguida de glicose devem ser administrados se houver preocupação sobre a deficiência de tiamina e hipoglicemia (por exemplo, suspeita de abuso de álcool).[34][43]

Em casos extremos de acidose, deve ser usado o bicarbonato.[42] O monitoramento do ECG deve ser instituído.[34] Complicações cardíacas não são incomuns e alguns medicamentos usados, particularmente a fenitoína, também podem ter efeitos colaterais cardíacos.[19][32]

EME convulsivo generalizado

A cascata de tratamento tem como objetivo interromper a ocorrência de convulsões clínicas e eletrográficas.

  • Deve ser administrada a terapia inicial quando o EME for reconhecido (ou seja, após 5 minutos de atividade de convulsão ou assim que possível).[34]

  • Em ambientes hospitalares, o lorazepam intravenoso é a terapêutica inicial mais comumente utilizada.[44] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência B] O diazepam intramuscular e o midazolam intramuscular também são opções de tratamento de primeira linha aceitáveis.[34]

  • Em ambientes pré-hospitalares, ou onde midazolam por acesso intravenoso ou intramuscular pode não estar disponível, são recomendados o diazepam retal ou midazolam bucal ou intranasal. .[34] O diazepam retal é comumente administrado para uso doméstico em epilepsias pediátricas.[45]

  • Depressão da consciência e do estímulo respiratório dose-dependente pode resultar de benzodiazepínicos. Doses mais elevadas de benzodiazepínicos podem ser necessárias para eliminar o EME em pacientes que tomam benzodiazepínicos ou barbitúricos cronicamente (por causa de possível tolerância cruzada), com atenção ao fato de que pode haver exacerbação da depressão do sistema nervoso central.

  • O lorazepam ou diazepam intravenoso pode ser repetido uma vez nos primeiros 5 a 20 minutos.[34] Os pacientes devem receber no máximo duas doses (incluindo tratamento pré-hospitalar).[32]

  • Um estudo de coorte prospectivo de crianças com EME convulsivo refratário mostrou que o adiamento da administração de benzodiazepínicos além de 10 minutos após o início da convulsão estava associado a um aumento do risco de morbidade e mortalidade.[46]

  • Se o paciente já estiver tomando anticonvulsivantes, a terapia típica deve ser administrada em dose completa, além do tratamento de emergência.[37] Se a dose de anticonvulsivantes foi reduzida recentemente, as alterações devem ser revertidas se essa for a causa do EME, desde que seja seguro fazê-lo.

  • Se os benzodiazepínicos não interromperem as convulsões, as próximas opções são a fenitoína, a fosfenitoína, o ácido valproico , o levetiracetam ou o fenobarbital.[34][47] Embora não existam estudos para orientar o momento da terapia de segunda linha, os especialistas defendem a terapia de segunda linha após 15 a 20 minutos de atividade convulsiva.[2][34] A infusão de fenitoína pode resultar em irritação venosa e em dano tecidual se o medicamento não diluído for administrado através de um cateter venoso de calibre pequeno. Além disso, uma complicação rara do uso intravenoso de fenitoína é a síndrome da luva púrpura: uma descoloração escura que se estende do local da injeção até o membro distal e que está associada a dor e inchaço. A fosfenitoína é um pró-fármaco da fenitoína hidrossolúvel que tem menos complicações relacionadas à infusão, mas é significativamente mais cara.[20] Hipotensão e arritmias podem ocorrer como resultado da fenitoína e da fosfenitoína em altas taxas de infusão.[8]

    • Um estudo duplo-cego e randomizado em crianças e adultos com EME convulsivo que não responderam ao tratamento com benzodiazepínicos revelou que levetiracetam, fosfenitoína e ácido valproico levaram à cessação das convulsões e melhoraram o estado de alerta em 60 minutos em aproximadamente metade dos pacientes. Os três medicamentos foram associados a incidências semelhantes de eventos adversos.[48] A eficácia dentro das faixas etárias não diferiu por medicamento.[49] A análise subsequente revelou que a intubação endotraqueal em crianças ocorreu mais comumente com o tratamento com fosfenitoína, mas outros desfechos secundários de segurança foram semelhantes entre os tratamentos.[49] Portanto, levetiracetam, fosfenitoína e ácido valproico são todos tratamentos de segunda linha aceitáveis para EME refratário a benzodiazepínicos.

    • Dois ensaios randomizados abertos não revelaram nenhuma diferença significativa entre o levetiracetam e a fenitoína, no que diz respeito ao controle das convulsões, quando usado como tratamento de segunda linha para o EME convulsivo em pacientes pediátricos.[50][51] No entanto, a facilidade de administração e o bom perfil de segurança do levetiracetam tornam-no uma alternativa razoável à fenitoína como tratamento de segunda linha.[50]

  • O fenobarbital é outro tratamento alternativo de segunda linha, embora tenha potencial para efeitos sedativos.[52]

  • Doses adicionais do medicamento anticonvulsivante intravenoso selecionado (isto é, fenitoína, fosfenitoína, ácido valproico, levetiracetam ou fenobarbital) podem ser administradas se o agente não eliminar o EME.

  • Vale ressaltar que a depressão dose-dependente da consciência e o estímulo respiratório podem decorrer do uso de benzodiazepínicos e barbitúricos.

  • Se o EME persistir apesar das medidas anteriores, a próxima etapa é intubar e iniciar a anestesia geral.[37] O paciente deve ser ventilado e colocado em monitoramento contínuo com eletroencefalograma (EEG) enquanto a anestesia geral é iniciada. As doses de manutenção de anticonvulsivantes devem ser mantidas. Midazolam e propofol são frequentemente usados como agentes iniciais para anestesia geral, mas podem ser usados outros agentes, incluindo pentobarbital e tiopental (observação: pentobarbital é um metabólito ativo do tiopental).[53][54] Há poucas evidências para orientar o momento, mas os especialistas sugerem que após 40 a 60 minutos de atividade convulsiva, deve ser implementada a terapia de terceira linha.[2][34]

  • O estado de mal epiléptico superrefratário é definido como um EME que permanece ou recorre 24 horas ou mais após o início da terapia anestésica ou recorre com a redução/retirada da anestesia.[55][56] No momento, não há evidências suficientes para sugerir o favorecimento do uso de quaisquer anticonvulsivantes, agentes inalatórios ou tratamentos adjuvantes específicos em detrimento de outros no estado de mal epiléptico superrefratário, pois os dados são limitados a séries de casos e relatos de caso com fatores de confundimento substanciais.[4]​ Um especialista deve ser consultado para obter aconselhamento sobre o manejo do estado de mal epiléptico superrefratário.​​

A American Clinical Neurophysiology Society (ACNS) recomenda EEG contínuo (EEGc) para descartar possível EME não convulsivo após convulsões clínicas.[35]

A ACNS recomenda o EEGc por um período mínimo de 24 horas em pacientes criticamente enfermos com:[35]

  • Estado mental anormal persistente após EME convulsivo generalizado ou outras convulsões clinicamente evidentes. Isso inclui pacientes sem sinais claros de melhora do estado de alerta dentro de 10 minutos, ou qualquer comprometimento da consciência mais de 30 minutos após a cessação da atividade motora, ou outros sinais clínicos de atividade convulsiva.

  • Lesão cerebral aguda supratentorial com estado mental alterado.

  • Estado mental flutuante ou alteração inexplicável do estado mental sem lesão cerebral aguda conhecida.

  • EEG de rotina que mostra descargas periódicas (generalizadas, lateralizadas ou independentes bilaterais) ou atividade delta rítmica lateralizada. Esses padrões de EEG são observados com mais frequência em pacientes que desenvolvem crises não convulsivas.

  • Requisito para paralisia farmacológica (por exemplo, protocolos de hipotermia terapêutica, oxigenação por membrana extracorpórea) e risco de convulsão.

  • Eventos paroxísticos clínicos suspeitos de serem convulsões, para determinar se são ictais ou não ictais.

Se os recursos não permitirem o monitoramento por EEGc, EEGs seriados frequentes devem ser obtidos para orientar a terapia, e os médicos podem considerar a transferência do paciente para uma instalação com recursos de EEGc.

A maioria dos especialistas recomenda que o agente anestésico geral seja reduzido após 24 a 48 horas.[2]​ Se houver recorrência de convulsões eletrográficas ou clínicas, a infusão deve ser reinstituída por mais 24 horas.[2]

Se ocorrer hipotensão, pode ser necessário um agente vasoativo. Consulte um especialista para obter orientação quanto aos esquemas adequados. A seleção dos agentes vasoativos apropriados deve ocorrer apenas sob supervisão de especialistas em cuidados intensivos, e pode variar de acordo com o tipo de choque, a preferência do médico e as diretrizes de prática locais.

EME não convulsivo

EME generalizado ou focal com consciência comprometida

  • Faltam orientações claras e baseadas em evidências para o manejo do EME não convulsivo.[20] Na prática clínica, o tratamento é semelhante ao do EME convulsivo generalizado, embora a escolha dos agentes e a decisão de quando escalar para o próximo nível de tratamento devam ser cuidadosamente considerados pelo médico responsável pelo tratamento dentro do contexto clínico.

EME focal sem consciência comprometida

  • As causas potenciais de EME focal sem comprometimento da consciência (anteriormente EME parcial simples) são numerosas e o tratamento deve ser guiado pela etiologia subjacente. O uso de anticonvulsivantes constitui a intervenção de primeira linha. Eles irão interromper as convulsões focais ou, pelo menos, ajudar a impedir sua propagação. Alguns médicos preferem o uso de fenitoína e fenobarbital primeiro, mas outro anticonvulsivante pode ser usado.

  • O EME focal sem consciência comprometida raramente é considerado uma emergência médica. No entanto, esta forma de EME pode ocasionalmente ser gravemente incapacitante, caso em que uma intervenção agressiva é justificada. Exames de imagem cranioencefálica podem revelar uma lesão estrutural que explica a origem dessas convulsões. Se houver farmacorresistência ou lesões estruturais, é altamente recomendada uma consulta neurológica.

Segurança dos anticonvulsivantes na gravidez

Fosfenitoína, fenitoína, ácido valproico (e seus derivados) e fenobarbital estão associados a um aumento do risco de grandes malformações congênitas e transtornos do neurodesenvolvimento quando usados durante a gestação.[57][58]​ No entanto, essa é uma contraindicação relativa, e esses medicamentos podem ser tentados quando a vida da mãe estiver em risco, após ponderação dos riscos e benefícios e consulta com um especialista. O levetiracetam pode ser a opção mais segura durante a gestação.[57][59][60]​​​​​

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