Abordagem

As principais metas do tratamento são controlar a dor, curar a infecção e evitar recidiva. O tratamento, em geral, é administrado inicialmente para infecção bacteriana. O tratamento para infecção fúngica será administrado se houver sinais visuais de crescimento fúngico ou se o tratamento antibacteriano preventivo tiver falhado. Antes do uso de gotas otológicas tópicas, o meato acústico externo precisa ser limpo de quaisquer detritos ou cera por meio de swab seco ou microssucção.[18]​ Isso permite checar as condições da membrana timpânica, bem como melhorar a penetração da solução tópica na pele.[18]​ Ao usar gotas otológicas, aconselhe o paciente a aplicar as gotas deitado com a orelha afetada voltada para cima e esperar de 5 a 10 minutos antes de se levantar.

Infecção bacteriana presumida: tratamento inicial em indivíduos sem comorbidades

Em pessoas que não têm outros problemas clínicos, como diabetes, HIV/AIDS, outros estados imunocomprometidos ou uma história de radioterapia e que não apresentam sinais de infecção fúngica ou otite externa necrotizante, o tratamento presuntivo inicial é com uso tópico de gotas otológicas associadas a analgesia.[1] Antes do uso de gotas otológicas tópicas, o meato acústico externo precisa ser limpo de quaisquer detritos ou cera por meio de swab seco ou microssucção.[18]​ Pacientes com edema grave do meato acústico externo podem ter dificuldade no uso de gotas otológicas. Deve-se inserir um "pavio" no meato acústico externo para a aplicação do medicamento.

Várias gotas otológicas estão disponíveis para o tratamento de primeira linha. Estudos não conseguiram demonstrar uma diferença nos desfechos obtidos com diferentes produtos.[1][29] A escolha das gotas otológicas deve ser baseada na preferência do paciente e na experiência do médico levando em conta a eficácia, a baixa incidência de eventos adversos, a probabilidade de adesão ao tratamento e o custo.[1]

Um dos primeiros tratamentos foi o ácido acético tópico e, em 2007, um estudo confirmou o ácido tricloroacético como sendo um tratamento eficaz e seguro para a otite externa aguda.[30]

Atualmente, soluções antibióticas tópicas são mais comumente utilizadas na otite externa aguda (OEA).[31][32]​​ Soluções contendo neomicina e polimixina B foram alguns dos primeiros antibióticos otológicos a serem usados, demonstrando eficácia contra patógenos causadores da OEA.[33] Descobriu-se, ainda, que a adição de um corticosteroide a tais soluções acelera o alívio sintomático.[34] No entanto, soluções contendo neomicina, polimixina B ou hidrocortisona devem ser evitadas em pacientes com perfuração da membrana timpânica, em função de uma possível ototoxicidade.[1][12][31]

Existem agentes disponíveis contendo fluoroquinolona (ciprofloxacino e ofloxacino) que são eficazes contra patógenos gram-positivos e gram-negativos comuns na otite externa.[31][35][36]​​ Em uma revisão sistemática, uma preparação combinada de ciprofloxacino/dexametasona foi considerada segura e eficaz em pacientes com OEA.[37] Uma metanálise revelou que gotas otológicas contendo fluoroquinolona são superiores a medicamentos combinados não contendo fluoroquinolona.[38] A hipersensibilidade a medicamentos otológicos em gotas contendo fluoroquinolona não é muito comum, e estes podem ser utilizados em pacientes com perfurações da membrana timpânica.[1][12][31]​​ No entanto, um estudo de coorte retrospectivo constatou que o uso de gotas otológicas contendo uma fluoroquinolona para tratar a OEA está associado a um aumento do risco anteriormente não relatado de desenvolvimento de perfuração da membrana timpânica, embora isso ainda não tenha alterado a prática clínica.[39]

Em um ensaio clínico randomizado de pacientes com OEA, descobriu-se que a combinação de ciprofloxacino/dexametasona reduz o tempo de cura em relação à suspensão otológica de polimixina B/neomicina/hidrocortisona.[40] Outro ensaio clínico randomizado revelou que a solução otológica de ciprofloxacino/dexametasona apresenta a mesma eficácia do medicamento tópico com neomicina/polimixina B/hidrocortisona administrado com amoxicilina sistêmica no tratamento da OEA.[41] Essas observações causaram uma mudança nas preferências de tratamento no sentido das gotas otológicas contendo fluoroquinolona.[31] No entanto, as soluções tópicas mais antigas ainda são muito utilizadas e podem ser mais acessíveis.

Deve-se ter cuidado nos pacientes com perfuração ou suspeita de perfuração da membrana timpânica, incluindo um tubo de timpanostomia, pois eles devem evitar gotas otológicas ototóxicas (aquelas que contêm aminoglicosídeos e álcool).[1][12]​ Nesses casos, pode-se usar ofloxacino ou ciprofloxacino/dexametasona.[1]

Os sintomas da OEA difusa devem melhorar dentro de 48 a 72 horas após o início da terapia tópica. Para os pacientes que não apresentem resposta dentro deste período de tempo, recomenda-se a reavaliação para se confirmar o diagnóstico de OEA difusa e para se descartarem outras afecções. As razões para a falta de resposta ao tratamento para a OEA difusa incluem obstrução do meato acústico externo, adesão insatisfatória ao tratamento, diagnóstico incorreto e fatores microbiológicos. Se qualquer obstrução não puder ser tratada com a remoção de detritos e/ou colocação de um "pavio" (curativo do tipo esponja expansiva), então antibióticos sistêmicos podem ser necessários. Uma cultura do meato acústico externo pode identificar fungos, bactérias resistentes ou causas incomuns de infecção que precisariam de terapia tópica ou sistêmica direcionada.[1] A cultura e a sensibilidade podem ajudar a orientar a antibioticoterapia nos pacientes refratários ao tratamento inicial. Se os sintomas persistirem apesar do tratamento inicial, diagnósticos alternativos, como doenças de pele, corpos estranhos, membrana timpânica perfurada ou doença da orelha média, devem ser considerados.

Pacientes com outros problemas médicos

Os pacientes com diabetes, aqueles que receberam irradiação ou aqueles que são imunocomprometidos (por exemplo, com HIV/AIDS ou pacientes recebendo quimioterapia) estão em maior risco de escalada rápida de manifestações leves a graves de OEA ou para o desenvolvimento de otite externa necrotizante.[1][12]​​[42]​ A abordagem de tratamento nesses pacientes é diferente e requer o uso de antibióticos sistêmicos em associação com o tratamento descrito na abordagem geral acima.[1][13]​ Além disso, não deve ser usada irrigação para remover resíduos dos meatos acústicos externos desses pacientes, pois isso pode predispor os pacientes à otite externa necrotizante.[1] Os pacientes com doenças concomitantes da orelha média, como otite média aguda ou perfuração da membrana timpânica, também podem necessitar de antibióticos sistêmicos.[1]

O ciprofloxacino oral é um medicamento eficaz; no entanto, geralmente não é recomendado para crianças.[13] Além disso, em novembro de 2018, a European Medicines Agency (EMA) concluiu uma revisão dos efeitos adversos graves, incapacitantes e potencialmente irreversíveis associados aos antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos e por via inalatória. Entre os efeitos adversos estão tendinite, ruptura de tendão, artralgia, neuropatias e outros efeitos sobre os sistemas musculoesquelético ou nervoso. Em consequência desta revisão, a EMA agora recomenda restringir o uso dos antibióticos fluoroquinolonas somente a casos de infecção bacteriana grave e com risco de vida. Além disso, ela recomenda que as fluoroquinolonas não sejam usadas para infecções leves a moderadas, a menos que outros antibióticos adequados à infecção específica não possam ser usados; e que também não sejam usadas para tratar infeções não graves, não bacterianas ou autolimitadas. Os pacientes mais idosos, os que apresentam comprometimento renal ou tenham sofrido transplante de órgãos sólidos, bem como aqueles tratados com corticosteroides têm maior risco de danos a tendões. Deve-se evitar a coadministração de uma fluoroquinolona e um corticosteroide.[43] A Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency do Reino Unido respalda estas recomendações.[44] A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA emitiu uma comunicação de segurança semelhante, restringindo o uso de fluoroquinolonas em casos de sinusite aguda, bronquite aguda e infecções do trato urinário não complicadas.[45] Além dessas restrições, a FDA emitiu avisos sobre o aumento do risco de dissecção de aorta, hipoglicemia significativa e efeitos adversos para a saúde mental em pacientes que tomam fluoroquinolonas.[46][47]

Apesar disso, uma fluoroquinolona sistêmica geralmente é necessária nos pacientes com otite externa não necrotizante que apresentem comorbidades (diabetes, estado imunocomprometido), pois apresentam maior risco de rápida escalada de manifestações leves a graves de OEA ou de desenvolvimento de otite externa necrotizante.[1][12][42]​​ Deve-se procurar aconselhamento de um especialista em doenças infecciosas para orientar a seleção dos antibióticos e decidir se uma fluoroquinolona é necessária aqui. Nesses pacientes, podem ser feitas culturas para ajudar na escolha do antibiótico oral adequado. Amoxicilina/ácido clavulânico ou amoxicilina por via oral são outras opções para cobrir o Staphylococcus aureus se a Pseudomonas aeruginosa for improvável, ou enquanto se aguardam resultados, ou se as culturas forem negativas.

Otite externa necrosante

A otite externa necrotizante é uma infecção agressiva que afeta principalmente idosos com diabetes ou imunocomprometidos e constitui uma emergência médica.[7]​ Pseudomonas aeruginosa está implicada na maioria dos pacientes.[1][7]​ Estafilococos também podem estar evolvidos, incluindo Staphylococcus aureus resistente à meticilina.[1] Não existem diretrizes unificadas para o tratamento da otite externa necrotizante. Alguns médicos defendem o início imediato de antibióticos intravenosos, enquanto outros iniciam um teste com ciprofloxacino oral nos pacientes com suspeita de otite externa necrotizante não complicada por envolvimento de nervos cranianos.[48] Os pacientes que não respondem aos antibióticos orais em 24-48 horas devem então iniciar o tratamento com antibióticos intravenosos. A prática habitual do autor é tentar ciprofloxacino oral na otite externa inicial não complicada ou suspeita de otite externa necrotizante e avaliar a resposta do paciente em 24-48 horas.

Deve ser feito o desbridamento do tecido de granulação em todos os pacientes deste grupo. As fluoroquinolonas orais são ativas contra Pseudomonas aeruginosa, penetram bem nos ossos, têm excelente biodisponibilidade e apresentam um perfil menos significativo de efeitos colaterais quando comparadas com as alternativas.[49] O ciprofloxacino oral tem boa cobertura contra Pseudomonas aeruginosa e é comumente usado com sucesso nesses pacientes. Os pacientes podem ser tratados com ciprofloxacino oral por 6-8 semanas.[50]

Foi relatada resistência ao ciprofloxacino, mas a resistência a múltiplos medicamentos é rara.[7]​ Se o paciente não responder ao ciprofloxacino oral dentro de 24-48 horas, deve-se iniciar tratamento com antibiótico intravenoso que atue contra pseudomonas até que os resultados da cultura e a sensibilidade tenham sido obtidos. A antibioticoterapia empírica intravenosa deve ser iniciada com base nas recomendações do especialista em doenças infecciosas local. Não existe uma recomendação padrão; a literatura relata o uso de diversos antibióticos isoladamente ou combinados, incluindo cefalosporinas de terceira e quarta gerações (ceftazidima, cefepima), penicilinas semissintéticas (ticarcilina, piperacilina), carbapenemos (imipeném/cilastatina), aztreonam e aminoglicosídeos (amicacina, tobramicina).[51][52]​ Uma série de casos retrospectivos e uma revisão sistemática da literatura concluíram que a monoterapia com ceftazidima por 6-7 semanas foi eficaz no tratamento da otite externa necrotizante.[7]​ Na ausência de recomendação de um infectologista, o autor considera a ceftazidima uma primeira opção adequada, deixando as outras como opções alternativas.

Pode-se usar oxigenoterapia hiperbárica nos pacientes com doença refratária ou recorrente, ou em pacientes com envolvimento intracraniano ou da base do crânio significativo.[51][53]​ Entretanto, uma revisão sistemática do uso de oxigenoterapia hiperbárica como um tratamento adjuvante para a otite externa necrotizante não forneceu evidências claras demonstrando sua eficácia, quando comparado com o tratamento com antibióticos e/ou cirurgia.[54]

Fungos

A otite externa fúngica aguda é mais comum em países tropicais, locais úmidos, após antibioticoterapia tópica de longo prazo e em pessoas com diabetes, HIV/AIDS ou outros estados imunocomprometidos.[1] Os patógenos fúngicos mais comuns são as espécies de Aspergillus (60% a 90%) e espécies de Candida (10% a 40%).[1]

A primeira linha de tratamento para a otite externa fúngica ainda está em debate.[3] Podem ser utilizados agentes acidificantes como ácido acético ou acetato de alumínio.[12][55]​​​ Em pacientes que não respondem ao tratamento com agentes acidificantes, pode-se iniciar o tratamento com um antifúngico tópico. Em casos em que a cultura revelar Candida, um antifúngico oral (por exemplo, fluconazol, itraconazol) poderá ajudar.[13][56]​​​ São necessários mais estudos para avaliar o benefício dos agentes antifúngicos orais na otomicose.[56] A limpeza e desbridamento frequentes por profissionais da saúde também são uma parte essencial do tratamento. A OEA secundária a infecções por Aspergillus pode requerer o uso de itraconazol oral.[16] Se a otite externa fúngica for refratária ao tratamento e houver progressão da doença, considere uma otite externa fúngica necrotizante.[57] O tratamento com antibióticos tópicos, que é indicado na OEA bacteriana, é contraindicado na otite externa fúngica porque é ineficaz e pode levar a crescimento adicional de fungos.[1]

Deve-se ter cuidado em pacientes com suspeita ou certeza de perfuração da membrana timpânica, incluindo tubo de timpanostomia, para evitar gotas otológicas ototóxicas.[1][12]​​ Solventes alcoólicos usados para dissolver agentes antifúngicos insolúveis em água (por exemplo, clotrimazol) também podem causar sensação de queimação ou ardência na orelha e podem ser ototóxicos para a cóclea.​[10] Para superar isso, um "pavio" saturado com antifúngico pode ser inserido no meato acústico externo para evitar a infiltração do irritante na orelha média. Foi demonstrado que a automedicação com solução de clotrimazol com cotonetes melhora a satisfação do paciente e reduz a recorrência.[58]​ Um estudo que avaliou os adesivos de papel na perfuração da membrana timpânica descobriu que o fechamento da perfuração com um adesivo e a aplicação tópica da solução de Castellani era seguro e eficaz, e foi observada uma resolução mais rápida da otomicose, acompanhada de redução da recorrência.[59]

Edema grave do meato acústico externo

Pacientes com edema grave do meato acústico externo podem ter dificuldade no uso de gotas otológicas. Deve-se inserir um "pavio" no meato acústico externo para a aplicação do medicamento. Tais "pavios" são geralmente feitos de Merocel® (acetato hidroxilato de polivinil) seco e comprimido em um formato que facilita a inserção no meato acústico externo edemaciado. A aplicação subsequente de uma solução antibiótica tópica expande o "pavio" para preencher o canal e permitir o contato com o tecido edemaciado, potencializando, portanto, a penetração do medicamento no tecido inflamado. O "pavio" poderá, então, ser removido ou substituído após 48 horas se o edema persistir. Um estudo de três diferentes materiais de embalagem no tratamento de OEA grave constatou que o "pavio" da orelha e a gaze de fita eram superiores à espuma de poliuretano sintética biodegradável para aliviar sinais e sintomas, especialmente no terceiro dia de tratamento.[60] Em alguns pacientes, a limpeza de detritos e/ou a colocação de um "pavio" (curativo do tipo esponja expansiva) pode não ser possível; esses pacientes podem requerer antibióticos sistêmicos.[1]

Analgésicos

Analgésicos aumentam a satisfação do paciente e permitem que este retorne mais rapidamente a suas atividades normais. A dor leve a moderada geralmente é controlada com paracetamol ou um anti-inflamatório não esteroidal administrado isoladamente ou em combinação com um opioide.[1] Deve-se iniciar a analgesia na dose inicial recomendada e ajustá-la conforme necessário. A codeína é contraindicada em crianças com menos de 12 anos de idade e não é recomendada em adolescentes entre 12 e 18 anos de idade que são obesos ou apresentam afecções como apneia obstrutiva do sono ou doença pulmonar grave, pois ela pode aumentar o risco de problemas respiratórios.[61] Ela geralmente é recomendada somente para o tratamento de dor aguda moderada que não obtém resposta com outros analgésicos, em crianças com 12 anos de idade ou mais. Deve ser usada na mínima dose eficaz no menor período de tempo e o tratamento deve ser limitado a 3 dias.[62][63]

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