Abordagem
Líquidos para reidratação oral e controle dos sintomas são a base do tratamento em pacientes com diarreia aquosa não complicada. O objetivo é a manutenção da hidratação (ou da reidratação em pacientes desidratados) e a reposição eletrolítica. Ocasionalmente, é indicada a terapêutica antimicrobiana ou outras terapias específicas.
Prevenir transmissões adicionais por meio de relatos adequados, rastreamento, vigilância e educação dos pacientes são medidas essenciais no controle dos surtos.
Os antieméticos não são indicados para a diarreia infecciosa, mas podem ser usados se houver vômitos significativos para facilitar a reidratação oral.[40]
Um centro toxicológico deve ser contatado assim que se suspeitar de uma ingestão tóxica. O tratamento da intoxicação alimentar não infecciosa está além do escopo deste tópico. Consulte um especialista familiarizado com a assistência de pacientes intoxicados para obter orientações.
Consulte também Ingestão de produtos tóxicos em crianças, Toxinas marinhas (saxitoxina, tetrodotoxina, conotoxina), Intoxicação por organofosforados.
Doença leve a moderada
Ciclo autolimitado. Indicada para desidratação leve a moderada e ausência de sinais ou sintomas alarmantes, como sangue nas fezes, dor abdominal intensa, febre e outras manifestações gastrointestinais.
A base do manejo é a solução de reidratação oral. A reidratação oral é alcançada por meio da administração de líquidos claros e soluções contendo sódio e glicose. Uma solução de reidratação oral (SRO) simples pode ser composta de 1 colher de chá de sal e 4 colheres de chá de açúcar adicionadas a 1 L de água. A SRO promove o transporte conjunto de glicose, sódio e água pelo epitélio intestinal, um mecanismo não afetado na cólera. A Organização Mundial da Saúde recomenda uma solução de reidratação oral de osmolaridade reduzida contendo cloreto de sódio, glicose, cloreto de potássio e citrato trissódico.[40][50] Caso o citrato trissódico não esteja disponível, a solução de reidratação oral padrão pode ser usada.
O valor dos antidiarreicos (por exemplo, loperamida, difenoxilato/atropina) nos pacientes com diarreia leve a moderada está sendo discutido. Eles podem ser oferecidos aos pacientes nos quais a diarreia interferir em sua capacidade de trabalhar, ou àqueles com diarreia do viajante.[51][52]
Os adsorventes (por exemplo, o hidróxido de alumínio) ajudam os pacientes a ter mais controle sobre o tempo de defecação, mas não alteram a evolução da doença nem reduzem a perda de líquidos. Agentes antissecretórios (por exemplo, o bismuto) podem ser úteis.[53] Os adsorventes podem diminuir a absorção de medicamentos como digoxina, clindamicina, tetraciclinas e penicilaminas.
Em pacientes com sintomas leves, a loperamida é segura e eficaz.[40] Quando houver suspeita de patógenos invasivos os antidiarreicos direcionados à motilidade devem ser, em geral, evitados. A diminuição da motilidade intestinal nos pacientes que estiverem tomando difenoxilato/atropina pode ser prejudicial àqueles com diarreia resultante dos organismos Shigella ou Salmonella. O difenoxilato/atropina não deve ser usado nos pacientes com suspeita de patógeno invasivo.
Antibióticos não são necessários nestes pacientes.
Doença grave
A doença grave é indicada pela presença de sinais e sintomas de desidratação grave, presença de sangue nas fezes, anormalidades significativas em exames laboratoriais e manifestações extraintestinais. Os pacientes com intoxicação alimentar grave (sobretudo pacientes em alto risco, como gestantes e extremidades etárias) devem ser admitidos a um hospital para hidratação intravenosa e monitoramento estrito dos eletrólitos e de outros exames laboratoriais, conforme for indicado.
A solução de Ringer lactato ou a solução de soro fisiológico (cloreto de sódio a 0.9%) são usadas para a reidratação intravenosa. Ambos os líquidos são essencialmente isotônicos e têm propriedades restauradoras do volume equivalentes. Mesmo existindo algumas diferenças entre as alterações metabólicas observadas na administração de grandes quantidades de ambos os líquidos, para fins práticos e na maioria das situações, as diferenças são clinicamente irrelevantes. Não existem diferenças demonstráveis no efeito hemodinâmico, na morbidade ou na mortalidade entre as ressuscitações com o uso de uma solução de soro fisiológico ou uma solução de Ringer lactato.[54]
As soluções intravenosas são indicadas nos pacientes que estiverem gravemente desidratados ou com vômitos intensos. Geralmente, a reidratação pode ser feita com rapidez e sem complicações. Como o efluente fecal geralmente contém 70 mmol/L de potássio, a depleção do potássio pode ocorrer e pode provavelmente necessitar de substituição.
Difenoxilato/atropina não devem ser usados em pacientes com suspeita de patógeno invasivo.
Antibioticoterapia empírica
Todas as terapêuticas antimicrobianas específicas devem ser discutidas com os especialistas em doenças infecciosas/microbiológicas locais a fim de determinar os padrões de sensibilidade locais. A evolução da doença deve ser monitorada regularmente a fim de garantir que o tratamento empírico está sendo eficaz.
A antibioticoterapia empírica só é administrada se houver evidências de disenteria bacilar por cultura. Ela não é recomendada em países desenvolvidos, a menos que haja evidências confirmadas por cultura de infecção por Shigella ou um evidente surto de shigelose.[40][55] Uma revisão Cochrane revelou que os antibióticos reduzem a duração da diarreia nos pacientes com disenteria por Shigella.[56]
Na ausência de disenteria, antibióticos só devem ser administrados após a confirmação de um diagnóstico microbiológico e a exclusão de Escherichia coli entero-hemorrágica produtora da toxina Shiga (por exemplo, O157:H7). Nos pacientes com disenteria decorrente de E coli entero-hemorrágica (cepa O157), os antibióticos podem causar ou piorar a síndrome hemolítico-urêmica e, portanto, devem ser evitados (a menos que o paciente esteja séptico).[57][58]
Caso seja administrada, a terapêutica antimicrobiana empírica deve ser abrangente e se estender a todos os possíveis patógenos no contexto do cenário clínico.
Pacientes com diarreia (mais de 4 evacuações/dia) por mais de 3 dias e febre, dor abdominal, vômitos, cefaleia ou mialgias devem ser tratados com um agente como a fluoroquinolona, que abrange os organismos Shigella. A maioria dos regimes para Shigella são de dose única ou, no máximo, por 3 dias. Pacientes imunocomprometidos podem requerer agentes antimicrobianos mais agressivos e específicos, e por uma duração mais longa. As fluoroquinolonas, como o ciprofloxacino, têm sido associadas a efeitos adversos graves, incapacitantes e potencialmente irreversíveis, inclusive tendinite, ruptura de tendão, artralgia, neuropatias e outros efeitos sobre os sistemas musculoesquelético ou nervoso.[59] Além disso, a Food and Drug Administration dos EUA emitiu avisos sobre o aumento do risco de dissecção de aorta, hipoglicemia significativa e efeitos adversos para a saúde mental em pacientes que tomam fluoroquinolonas.[60][61]
A prescrição de rotina de antibioticoterapia para a infecção por Shigella não é recomendada; a antibioticoterapia é reservada para quando é clinicamente indicada ou quando funcionários da saúde pública aconselham o tratamento no contexto de um surto.[62]
No caso de Campylobacter, se os antibióticos não forem administrados rapidamente (dentro de 72 horas), eles não farão efeito. Além disso, a resistência de Campylobacter a fluoroquinolonas é comum, então os macrolídeos (por exemplo, azitromicina, eritromicina) geralmente são preferíveis.[40][55]As fluoroquinolonas são recomendadas para a infecção por Campylobacter apenas quando se considera inadequado o uso dos outros antibióticos comumente recomendados.
A infecção enterotoxigênica por E coli (ETEC) (diarreia do viajante) é principalmente autolimitada, mas pode ser indicativa para antibióticos empíricos, como as fluoroquinolonas. Os antibióticos devem ser oferecidos para pacientes com sintomas graves, geralmente enquanto os pacientes ainda estão em viagem, quando é possível encurtar a duração da doença.[52][63]
Esses antibióticos não têm atividade contra anaeróbios. Se a provável causa de um paciente doente com diarreia, na ausência de sangue, for diarreia associada a Clostridioides difficile (antes conhecido como Clostridium difficile) ou sepse intra-abdominal, será necessário administrar uma terapia empírica que abranja anaeróbios (por exemplo, metronidazol, amoxicilina/ácido clavulânico).
Terapêutica antimicrobiana direcionada
A seleção do antimicrobiano deve ser orientada pela sensibilidade da cultura, quando obtida. Quando há forte suspeita de um patógeno específico, ou confirmação por cultura, o tratamento deve ser direcionado conforme apropriado.
Consulte Infecção por Shigella (algoritmo de tratamento).
Consulte Salmonelose (algoritmo de tratamento) (Salmonella não tifoide).
Consulte Infecção tifoide (algoritmo de tratamento).
Consulte Infecção por E coli de origem alimentar (algoritmo de tratamento).
Consulte Infecção por Campylobacter (algoritmo de tratamento).
Consulte Cólera (algoritmo de tratamento).
Consulte Infecções por Vibrio não colérico (algoritmo de tratamento).
Consulte Giardíase (algoritmo de tratamento).
Consulte Criptosporidiose (algoritmo de tratamento).
Consulte Amebíase (algoritmo de tratamento).
Consulte Listeriose (algoritmo de tratamento).
Consulte Brucelose (algoritmo de tratamento).
Geralmente, a infecção por S aureus que causa vômitos induzidos por enterotoxina é autolimitada e requer apenas tratamento de suporte. Se associada com bacteremia, deve-se procurar aconselhamento de um especialista em microbiologia/doenças infecciosas.
Geralmente, a infecção por Cystoisospora belli (antes Isospora belli) é autolimitada nos pacientes imunocompetentes; no entanto, a antibioticoterapia pode ser necessária em alguns pacientes. A consulta com um especialista é recomendada para os pacientes com imunossupressão, pois esses pacientes podem precisar de doses maiores e uma duração mais prolongada do tratamento.[64][65]
Normalmente, os pacientes com microsporídia que estão imunocomprometidos são tratados com albendazol, mas as orientações de um especialista podem ser necessárias, pois albendazol não trata todas as espécies.[66] Os pacientes imunocompetentes geralmente não requerem tratamento com antimicrobianos.
A esquistossomose geralmente é tratada com praziquantel; entretanto, deve-se buscar a orientação de um especialista, pois a dosagem varia a depender da espécie do parasita.[5] O triclabendazol é recomendado para espécies de Fasciola; entretanto, ele não está disponível em alguns países. Consulte também Esquistossomose (Algoritmo de tratamento).
Botulismo
O botulismo de causa alimentar deve ser tratado de forma presumida caso haja suspeita clínica. A doença é notificável e, geralmente, a antitoxina pode estar disponível apenas por meio de uma autoridade local/Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
A administração imediata de antitoxina é essencial. Consulte Botulismo (algoritmo de tratamento).
Os cuidados de suporte são a base da terapia para o botulismo.[49] Os pacientes com suspeita ou confirmação de botulismo devem ser submetidos a avaliações em série da capacidade vital na unidade de terapia intensiva. Além disso, os pacientes devem ser avaliados para a adequação dos reflexos de vômito e tosse, p controle das secreções orofaríngeas, a saturação de oxigênio e a força inspiratória. Deve-se considerar a ventilação mecânica para qualquer paciente com comprometimento das vias aéreas superiores (em decorrência de paralisia dos músculos faríngeos) ou um declínio na capacidade vital.
Pode-se tentar uma lavagem gástrica se a exposição alimentar tiver sido recente, mas somente se intubado, a fim de evitar aspiração. Na ausência de íleo paralítico, os enemas podem ser usados para eliminar toxinas não absorvidas do trato gastrointestinal.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal