Abordagem

Há evidências mínimas sobre a eficácia comparativa das opções de tratamento para o fenômeno de Raynaud (FR), e o manejo varia dependendo da gravidade e dos sintomas da doença.[4]

O tratamento para FR primário ou secundário leve geralmente consiste em mudanças de estilo de vida e terapias farmacológicas. O tratamento para FR secundário moderado a grave pode necessitar de terapias farmacológicas adicionais ou cirurgia se os pacientes tiverem evoluído para ulceração digital ou gangrena.

Em todos os pacientes, se o tratamento for ineficaz, se houver suspeita de doença do tecido conjuntivo ou outra condição subjacente (FR secundário) ou se for necessário tratamento para FR secundário grave (por exemplo, ulceração digital ou isquemia crítica), é recomendado o encaminhamento a um reumatologista.[4]

Modificação do estilo de vida

Muitos casos de FR não requerem tratamento farmacológico, a menos que os sintomas se tornem graves. As intervenções não farmacológicas devem ser consideradas primeiro no FR primário ou secundário leve e incluem principalmente medidas preventivas e evitação de fatores desencadeantes, por exemplo:[4][31]

  • Manter-se aquecido e evitar a umidade (por exemplo, usar luvas, aquecedores de mãos)

  • Hidratar a pele seca

  • Abandonar o hábito de fumar

  • Evitar lesões nos dedos e exposição à vibração

  • Evitar estresse

  • Retirar medicamentos vasoconstritores quando possível

  • Evitar medicamentos que agravam o FR (por exemplo, betabloqueadores, ergotamina, clonidina, ciclosporina, cafeína, cocaína, anfetaminas).

Se forem relatadas limitações de destreza, os pacientes devem ser submetidos a uma avaliação de terapia ocupacional para obtenção de auxílios (por exemplo, porta-chaves).

O tratamento farmacológico pode ser considerado em pessoas com doença leve que não respondem à modificação do estilo de vida. A modificação do estilo de vida também deve ser considerada juntamente com o tratamento farmacológico em pessoas com FR secundário que evoluíram para ulceração digital. Recomendações adicionais incluem hidratar a pele ao redor das úlceras, evitar contato com produtos de limpeza, evitar lesões nos dedos, evitar manipulação de úlceras, usar luvas de proteção e promover a circulação por meio de exercícios.[32]

Tratamentos farmacológicos

Bloqueadores dos canais de cálcio

Os objetivos do tratamento farmacológico são a redução da frequência, da gravidade e da duração das crises. O tratamento farmacológico de primeira linha recomendado são os bloqueadores dos canais de cálcio, que demonstraram diminuir a frequência/gravidade das crises, geralmente em 30%.[4][33]​​​​​​​[34][35] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​​​​​ [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​​​ As metanálises demonstraram que os bloqueadores dos canais de cálcio di-hidropiridínicos são eficazes no FR primário e secundário. Os agentes recomendados incluem nifedipino, nicardipino e agentes menos estudados para esse fim, incluindo anlodipino ou felodipino.[4][35]​​[36][37]​​​​​​[38]​​​​

Bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos (por exemplo, diltiazem) podem ser oferecidos se os bloqueadores dos canais de cálcio di-hidropiridínicos não puderem ser usados ou forem ineficazes.[4][36]​​[39]​​

Os bloqueadores dos canais de cálcio podem não ser eficazes em todos os pacientes e podem ter efeitos adversos, como hipotensão, tontura, rubor e edema nos tornozelos. Os bloqueadores dos canais de cálcio de ação rápida podem causar hipotensão ortostática e muitas pessoas com o FR são jovens que têm pressão arterial normal a baixa. Caso o bloqueador dos canais de cálcio de ação rápida seja tolerado, mas não seja eficaz, a dose pode ser aumentada.[4]

Vasodilatadores alternativos

Não há evidências para o uso de vasodilatadores além dos bloqueadores dos canais de cálcio no FR.[40]​ Entretanto, quando os bloqueadores dos canais de cálcio falham ou não são tolerados, outros vasodilatadores podem ser testados.[4][35][41]

Dois estudos mostraram uma redução nas crises de FR em pacientes tratados com o antagonista do receptor de angiotensina II losartana, com um estudo mostrando melhora nos sintomas de FR em comparação com nifedipino.[42][43][44]

A associação entre inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e FR é controversa. O tratamento com fluoxetina mostrou uma diminuição na frequência e gravidade das crises em um estudo randomizado.[45]​ Entretanto, outros estudos relatam que os ISRS podem exacerbar os sintomas do FR.[7][46]

Foi demonstrado que os nitratos tópicos são eficazes na redução da frequência e da gravidade das crises, na redução do tamanho das úlceras, na redução do Índice de Condição de Raynaud (RCS) e na melhora do fluxo sanguíneo em vários ensaios clínicos randomizados e controlados; no entanto, efeitos adversos, como cefaleias, podem limitar seu uso.[47][48][49][50]

O tratamento com o alfabloqueador prazosina demonstrou melhora modesta no FR em três ensaios clínicos randomizados e controlados; no entanto, os efeitos adversos podem ser comuns e nenhum outro ensaio clínico foi conduzido desde 1986.[51][52][53]

Os inibidores da ECA também têm sido usados como alternativas aos bloqueadores dos canais de cálcio, mas apresentaram resultados conflitantes.[44]​ Uma revisão sistemática de 2021 revelou que captopril e enalapril podem aumentar a frequência das crises no FR primário.[40]​ Um ensaio clínico randomizado e controlado revelou que o tratamento com quinapril não apresentou melhora nas crises secundárias de FR.[54]

Doença grave

Os inibidores da fosfodiesterase-5 (PDE-5) (por exemplo, sildenafila, tadalafila, vardenafila e udenafila) podem ser usados em pacientes com FR secundário moderado a grave quando os bloqueadores dos canais de cálcio falharam ou não são tolerados.​[4][41][55]​​[56]​​ Dois estudos demonstraram resultados positivos com o uso de sildenafila no FR. Um deles foi um estudo multicêntrico, que estudou pacientes não fumantes com esclerose sistêmica cutânea limitada e FR significativo; o outro foi um estudo cruzado de centro único em pacientes com FR.[57][58]​​ A tadalafila também apresentou resultados positivos em um estudo do FR em pacientes com esclerodermia e doença do tecido conjuntivo mista que tinham pelo menos 4 crises por semana. O medicamento mostrou-se eficaz e também pareceu ajudar nas úlceras digitais, o que constituía um endpoint secundário.[59] De forma semelhante, ao examinar os resultados da vardenafila em comparação com placebo, em um estudo randomizado cruzado, houve uma redução no número de crises por semana, na duração cumulativa dessas crises e no RCS em 53 pacientes com FR primário ou secundário.[60]​​ Um estudo com um inibidor da PDE-5 apresentou resultados negativos para o FR.[61] Inibidores da PDE-5 de ação prolongada (por exemplo, tadalafila) podem ser melhor tolerados que os inibidores de PDE-5 de curta duração, causando menos hipotensão e, talvez, melhor adesão. Uma revisão sistemática Cochrane de 2023 relatou que os inibidores da PDE-5 podem reduzir a frequência e a duração das crises de FR; no entanto, a evidência foi de baixa certeza e pouca ou nenhuma diferença na dor foi relatada.[62]

As prostaciclinas (especialmente iloprosta), às vezes em combinação com sildenafila, são usadas no tratamento das complicações do FR secundário grave, como o risco de perda de dedos devido a isquemia e úlceras digitais.[4][33]​​​​ A eficácia desses medicamentos pode se manter por vários meses após o tratamento. Ficou demonstrado que o tratamento apenas com prostaciclinas reduz a frequência e a gravidade das crises, além de cicatrizar/evitar as úlceras digitais.[41][63]​​ Em geral, a iloprosta intravenosa é considerada a prostaciclina de primeira linha; entretanto, a formulação intravenosa pode não estar disponível em alguns países, e não se costuma recomendar a formulação por via inalatória para esta indicação. Portanto, o epoprostenol intravenoso pode ser usado como uma alternativa à iloprosta intravenosa. As prostaciclinas por via inalatória não são comumente usadas para o FR; porém, elas têm uma função no tratamento da hipertensão arterial pulmonar nas doenças do tecido conjuntivo e podem melhorar os sintomas do FR. Geralmente, as prostaciclinas orais não são estáveis e/ou bem absorvidas, e tendem a ser menos eficazes que a iloprosta IV.[64][65]

A atorvastatina também demonstrou diminuir a formação de novas úlceras em pacientes com FR secundário e pode ser usada em pacientes com úlceras passadas ou presentes, mas não é indicada para a prevenção de úlceras digitais.[35][66]

A bosentana, um antagonista do receptor endotelial, também tem sido usada para a prevenção de úlceras digitais relacionadas à esclerose sistêmica.[67][68][69]​​​​ Observou-se que ela reduz a incidência de novas úlceras em 30% a 50%.[68]​ No entanto, não é superior aos cuidados habituais na cicatrização das úlceras existentes. Ela não demonstrou efeito sobre o FR não complicado em estudos de úlcera digital na esclerose sistêmica.[67][70]​​[71]​​​

A aspirina pode ajudar a evitar a formação de microtrombos, mas não há estudos com esse medicamento no FR.[72]

O tratamento de úlceras digitais também deve ser considerado.[35]​ Se não houver evidência de infecção significativa, podem ser usados antibacterianos tópicos, mas eles poderão atuar mais como barreira e lubrificante que como antibacteriano.

Os antibióticos devem ser administrados quando as úlceras estiverem infectadas. As infecções geralmente são causadas por Staphylococcus aureus ou Pseudomonas aeruginosa, mas também podem ser causadas por Escherichia coli, Enterococcus faecalis, Streptococcus epidermidis ou Bacillus morganii.[73] Se houver purulência evidente, é aconselhável coletar um swab para cultura e teste de sensibilidade antes de iniciar o tratamento com antibióticos e personalizar o tratamento com base na sensibilidade do swab e na gravidade da infecção. Exemplos de opções de antibióticos podem incluir cloxacilina, cefalexina ou eritromicina. No entanto, você deve consultar os protocolos locais para obter orientação. Se a infecção não se resolver após 7 dias de tratamento (por exemplo, purulência contínua com descoloração), trate por mais 3 a 7 dias. Em caso de suspeita de osteomielite, procure a orientação de um infectologista. Consulte Osteomielite.

O alívio da dor é um componente importante do controle dos sintomas. Os vasodilatadores tratam a dor do FR se forem eficazes na redução da frequência, intensidade ou duração das crises. No entanto, analgésicos podem ser necessários para tratar a dor de isquemia grave ou prolongada ou complicações como gangrena ou úlceras digitais. Os algoritmos locais de controle da dor devem ser seguidos e o tratamento deve ser adequado à história médica e a todas as contraindicações relativas/absolutas. Analgésicos simples, como paracetamol e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), podem ser suficientes. Podem ser necessários opioides. As úlceras digitais podem ser muito dolorosas, e opioides como a codeína ou oxicodona podem ser indicados. Raramente, a fentanila transdérmica é usada se outros opioides não forem eficazes ou não forem bem tolerados, geralmente nos pacientes com gangrena ou osteomielite.

Cirurgia

Há evidências limitadas que dão suporte ao tratamento cirúrgico do FR. No entanto, a cirurgia pode ser indicada para pacientes com FR secundário que evoluíram para ulceração digital ou gangrena.[4]​ Para algumas úlceras digitais, pode ser necessário realizar o desbridamento cirúrgico a fim de remover o tecido necrosado e/ou a infecção e promover a cicatrização. Se, mesmo com o tratamento, ocorrer progressão para gangrena, pode ser necessário amputar o dedo.

A simpatectomia cirúrgica pode ser eficaz no tratamento do FR grave que não respondeu ao tratamento farmacológico.[6][35]​ As técnicas disponíveis incluem bloqueio do gânglio estrelado ou do simpático lombar, simpatectomias proximais cervicais via cirurgia endoscópica, e simpatectomias palmar e/ou digital seletivas.[74] Essas técnicas podem não estar disponíveis em todos os centros. Um estudo de 2022 relatou alívio da dor com prevenção de amputação importante em 68 crianças com distúrbios reumatológicos que apresentavam FR após bloqueios simpáticos (incluindo bloqueios do gânglio estrelado).[75]​ Em um estudo retrospectivo de 17 pacientes com esclerose sistêmica, a simpatectomia palmar ou digital localizada melhorou a dor e a cicatrização de úlcera.[76]

Tratamentos complementares e alternativos

Várias terapias alternativas ou suplementos têm sido apontados como capazes de ajudar a melhorar o FR; no entanto, eles não têm evidências suficientes e dependem de depoimentos de pacientes. Terapias complementares e alternativas que foram investigadas em ensaios clínicos randomizados e controlados incluem óleo de prímula,​ ácidos graxos ômega-3,​ Ginkgo biloba,​​ biofeedback, acupuntura​ e laserterapia de baixa intensidade.[77][78]​​​​[79][80][81]​​​​​[82]​ Uma revisão e metanálise dos medicamentos complementares e alternativos no tratamento do FR verificou que a maioria dos estudos era negativa, de baixa qualidade e anterior a 1990.[83] Entretanto, dados os riscos limitados associados a esses tratamentos, usá-los como terapia adjuvante pode ser considerado para pacientes em qualquer estágio de gravidade do FR, mas os pacientes devem ser informados sobre a falta de eficácia demonstrada.

Um estudo envolvendo pacientes com FR que apresentavam deficiência de vitamina D demonstrou melhora na escala visual analógica com o uso de suplementação de vitamina D3 por via oral, comparado à suplementação com placebo.[84]

Os efeitos de luvas com forro de cerâmica ou prata no FR também foram investigados. Um estudo relatou melhora na dor e na destreza em pacientes que usaram luvas com forro de cerâmica por 3 meses em comparação com luvas de algodão, enquanto um estudo de 2022 que investigou luvas com forro de prata não encontrou nenhuma melhora em comparação com luvas normais.[85][86]

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