Etiologia

O vírus da Zika é um vírus com ácido ribonucleico (RNA) de fita simples da família Flaviviridae (gênero Flavivirus) e é relacionado aos vírus da dengue, da febre amarela, da febre do Nilo Ocidental e da encefalite japonesa.[47] Um mapa tridimensional da estrutura viral mostrou que o vírus da Zika é de estrutura semelhante ao vírus do Nilo Ocidental, ao vírus da encefalite japonesa e ao vírus da dengue.[48] A estrutura da proteína não estrutural 5 (NS5) foi também mencionada, proporcionando um importante alvo de futuras terapias medicamentosas.[49] Os genomas completos dos vírus de linhagem asiática e africana foram sequenciados.[50][51] Existem duas linhagens principais: a linhagem africana (relatada apenas na África) e a linhagem asiática (relatada na Ásia, na região do Pacífico Ocidental, Américas e Cabo Verde). A análise filogenética revelou que as cepas epidêmicas atuais acumularam várias substituições em relação ao ancestral asiático, o que pode fazer com que elas sejam mais virulentas para os humanos.[52]

A transmissão para humanos ocorre principalmente pela picada de um mosquito infectado da espécie Aedes. O modo de transmissão mais comum é através da espécie A aegypti, que vive em regiões tropicais, mas ela também pode ocorrer através do A albopictus, que vive em regiões de clima temperado.[47][53]​ A mesma espécie de mosquito transmite os vírus da chikungunya, da dengue e da febre do Nilo Ocidental, embora o mosquito da espécie Culex seja o vetor principal do vírus do Nilo Ocidental. Há novas evidências de que o vírus da Zika também pode ser transmitido pelo C quinquefasciatus, embora isso tenha sido contestado.[54][55][56][57]​ Primatas humanos e não humanos provavelmente são os principais reservatórios do vírus, e a transmissão antroponótica (humano/vetor/humano) ocorre durante os surtos.

Eventos de transmissão não vetorial (por exemplo transmissão perinatal, intrauterina,​ sexual​ e transfusional​) também foram relatados.[58][59][60][61][62][63][64][65] A transmissão através de transfusão de plaquetas foi observada no Brasil.[66] A infecção foi relatada em uma pequena série de receptores de transplantes hepáticos e renais, e a infecção por Zika foi fortemente suspeitada em um paciente pediátrico que desenvolveu síndrome de Guillain-Barré após um transplante de células-tronco hematopoéticas em um relato de caso.[67][68] São necessários mais estudos para investigar esses modos de transmissão.[69]

Quase todos os casos de transmissão sexual relatados envolveram sexo vaginal ou anal com homens durante, pouco antes do início, ou pouco depois da remissão de uma doença sintomática consistente com infecção aguda pelo vírus da Zika. No entanto, houve casos de transmissão de homem para mulher a partir de homens assintomáticos. Foi relatada transmissão sexual de mulheres para seus parceiros sexuais, assim como transmissão sexual de homem para homem.[70][71] Existe a possibilidade de transmissão oral do vírus por meio do sêmen.[72] As evidências sugerem que o vírus permaneça no sêmen e na urina por períodos mais longos do que no sangue ou na saliva.[73][74]​ O maior período após o início de sintomas no qual vírus da Zika infeccioso foi detectado por cultura no sêmen foi de 69 dias.[75]​ Um estudo de coorte, realizado com 184 homens com infecção sintomática confirmada, constatou que o RNA do vírus da Zika foi detectado em 61% das amostras de sêmen colhidas no prazo de 30 dias desde o início dos sintomas, em 43% das amostras colhidas dentro de 31 a 60 dias do início dos sintomas, e em 21% das amostras colhidas dentro de 61 a 90 dias do início dos sintomas. Menos de 7% das amostras apresentaram níveis detectáveis do RNA do vírus da Zika mais de 90 dias depois do início dos sintomas.[76] No entanto, isso pode não indicar a presença de vírus infeccioso ou pode não estar associado a potencial transmissão sexual. Houve relatos de casos de detecção prolongada do vírus da Zika no sêmen: o RNA do vírus da Zika foi detectado 370 dias após o início dos sintomas em um homem imunocompetente, e >900 dias após o início dos sintomas em um homem imunossuprimido com uma doença reumatológica rara.[77]

O RNA do vírus da Zika foi detectado em outros fluidos corporais além do sangue e do sêmen, como líquido amniótico, líquido cefalorraquidiano, urina, saliva, secreções vaginais e fluidos oculares; porém, a transmissão através destes fluidos corporais ainda não foi totalmente esclarecida.[60][78][79][80][81][82][83]​ O vírus pode persistir por até 83 dias no sangue, e permanece no sangue por mais tempo que no plasma.[84][85] O vírus foi detectado no trato genital de mulheres infectadas, às vezes por longos períodos após a eliminação do sangue e da urina, o que pode ter implicações na transmissão vertical.[86][87]​ A disseminação prolongada foi relatada em secreções vaginais por até 6 meses.[88] Foi também detectado no tecido fetal. Viremia foi relatada num recém-nascido pelo menos 67 dias após o nascimento.[89] Ainda que o vírus tenha sido detectado no leite materno, não foram relatados casos de transmissão através de amamentação.[90] Uma revisão sistemática não encontrou evidências de transmissão perinatal via amamentação ou ingestão de leite materno com base em evidências de baixa certeza.[91]

Exposição ocupacional de profissionais de saúde é possível através de lesões percutâneas (p.ex. por picadas de agulha) ou contato direto da membrana mucosa (ou pele não intacta) com sangue, tecido ou outros fluidos corporais infecciosos.[92]

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças investigaram como um contato familiar de um paciente que morreu de infeção por vírus da Zika em Utah foi infectado. O paciente falecido tinha níveis muito altos de vírus circulante e o membro da família tivera um contato próximo com o paciente (isto é, beijar e abraçar). O mecanismo de transmissão permanece desconhecido, mas é provável que tenha sido por contato pessoa-a-pessoa com o caso índice.[93]

Viajantes virêmicos (que muitas vezes são assintomáticos) introduziram o vírus nos países onde mosquitos suscetíveis da espécie Aedes foram infectados e iniciaram e perpetuaram ciclos de transmissão local.[94]

Investigações sobre se outros fatores além da infecção pelo vírus da Zika (por exemplo, falta de higiene, coinfecção com outros vírus, uso do inseticida piriproxifeno no abastecimento de água) estão envolvidos no desenvolvimento da microcefalia estão em andamento, pois há uma distribuição inesperada e desigual dos casos de microcefalia em todo o Brasil.[95][96]

Fisiopatologia

O período de incubação ap´ós a transmissão é de 3 a 14 dias.[97][98]​ A patogênese da infecção não está clara; contudo, acredita-se que os flavivírus em geral se repliquem inicialmente nas células dendríticas próximas ao sítio de inoculação, disseminando-se para o sangue e para os linfonodos.[99] A viremia geralmente dura até uma semana em pacientes com afecção clínica.

O vírus da Zika é um vírus neurotrópico que demonstra ter como alvo células neurais progenitoras, bem como células neuronais em diferentes estados de maturidade, mas em menor grau.[7] Em um estudo in vitro, uma cepa do vírus da Zika teve passagem serial em células de macacos e mosquitos e infectou com eficiência células neurais progenitoras humanas derivadas de células-tronco pluripotentes induzidas. A infecção pelo vírus da Zika aumentou a morte celular e desregulou a progressão do ciclo celular, resultando em crescimento celular atenuado.[100] Outro estudo revelou que o vírus infecta células corticais progenitoras humanas causando a morte da célula por apoptose e autofagia.[101]

Apesar dos sintomas clínicos leves, a infecção pelo vírus da Zika durante a gestação está associada a morte fetal, insuficiência placentária, restrição do crescimento fetal e lesões no sistema nervoso central (SNC).[102] Com base em uma gestação completa média, o período de 24 semanas desde a intensidade máxima do surto de vírus Zika até o auge de ocorrências de microcefalias reportadas sugere que o risco maior de microcefalia está associado à infecção pelo vírus Zika durante o primeiro trimestre e no início do segundo trimestre da gravidez.[103][104]​ No entanto, anormalidades do sistema nervoso central (SNC) foram reportadas em casos com exposições até às 39 semanas de gestação.[105] Um relato de caso revelou que a microcefalia fetal pode ser causada por perda de neurônios pós-migratórios intermediariamente diferenciados por meio de um mecanismo apoptótico no cérebro fetal no meio da gestação.[106] Sugeriu-se que a matriz germinativa seja o principal alvo do vírus.[107] Estudos em camundongos fornecem evidências para uma ligação causal direta entre a infecção pelo vírus da Zika e a microcefalia causando parada no ciclo celular, apoptose e inibição das células precursoras neurais.[108][109][110][111]​ Parece que o vírus desencadeia comportamentos celulares que alteram a proliferação normal das células e a sobrevivência das células progenitoras neurais durante períodos críticos do desenvolvimento cerebral.[112] O papel da placenta na microcefalia fetal não está claro, mas existe a hipótese de que a placenta pode facilitar a transmissão viral ao feto ou contribuir de outra forma para uma resposta imune prejudicial.[113] Uma hipótese é a de que o vírus obtém acesso ao compartimento fetal infectando diretamente as células placentárias, rompendo, assim, a barreira placentária.[114] Existem dados que sugerem que, para o vírus entrar no compartimento fetal, ele deve evitar a interferona-lambda-1 derivada do trofoblasto.[115] Outro estudo revelou que a infecção da placenta induz proliferação e hiperplasia proeminente das células de Hofbauer nas vilosidades coriônicas.[116] O vírus pode replicar-se continuamente no cérebro dos bebés após o nascimento e persistir na placenta durante meses.[117] O aumento do risco de microcefalia foi associado a vários fatores, entre eles idade gestacional, fatores genéticos, condição socioeconômica e exposição prévia a outros flavivírus. Um estudo realizado durante o surto de 2015-2016 encontrou uma correlação entre o aumento do risco de microcefalia e características específicas dos anticorpos maternos que aumentam a entrada do vírus da Zika nas células; isso poderia explicar por que a infecção por Zika resulta em malformação congênita em alguns bebês, mas não em outros.[118] Estudos futuros são necessários para a compreensão de todo o espectro de anormalidades congênitas associadas ao vírus Zika e a sua patogênese, incluindo uma avaliação sistemática de tecidos de autópsias fetais e neonatais bem como tecido placentário de bebés vivos com microcefalias.[119]

Um relato de caso de síndrome de Guillain-Barre, que se desenvolveu quando o vírus Zika ainda estava presente no soro, sugere que o vírus pode exercer os seus efeitos neurotrópicos quer por lesão neural direta, quer através de uma rápida resposta ao vírus mediada por células que resulta em reatividade cruzada contra os nervos periféricos. Os processos de invasão neural não são totalmente compreendidos, sendo necessários estudos futuros.[120] Estudos em camundongos sugerem que as células-tronco neurais adultas são também vulneráveis à neuropatologia por Zika.[121]

Estudos em modelos animais indicam que a presença de anticorpos contra outros flavivírus pode intensificar a infecção por Zika, resultando em uma infecção mais grave.[122] Estudos limitados em humanos e primatas não humanos indicam um aumento pequeno e não importante estatisticamente na viremia do vírus da Zika em pacientes que já contraíram o vírus da dengue, comparados a pacientes que nunca o contraíram; no entanto, não há evidências de que esse aumento na viremia tenha relação com uma alteração no fenótipo do vírus da Zika.[123] Existem dados epidemiológicos que sugerem uma proteção cruzada contra a síndrome congênita do vírus da Zika por imunidade ao vírus da dengue multitípico.[124]

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