Abordagem

Dor oral e perda de peso em pessoas com >40 anos de idade, que apresentem uma história significativa de tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas, devem ser motivo de alerta para os médicos quanto à possibilidade de câncer orofaríngeo. Devido às mudanças na epidemiologia do câncer orofaríngeo, o diagnóstico também deve ser considerado em pessoas mais jovens (40-60 anos) e sexualmente ativas que apresentam faringite persistente, disfagia e massa cervical. Uma massa cervical persistente e indolor em adulto requer uma investigação detalhada, incluindo exame de imagem e biópsia antes de fazer um diagnóstico benigno, como cisto da fenda branquial. Deve ser realizado um exame físico detalhado da orofaringe, incluindo toda ulceração ou massa tonsilar. Se os sintomas persistirem, encaminhe os pacientes imediatamente a um cirurgião otorrinolaringologista.

Embora a maior parte dos médicos de unidades básicas de saúde não tenha à disposição os equipamentos necessários para exames detalhados de cabeça e pescoço, sua atuação é fundamental para o reconhecimento e encaminhamento precoces do câncer orofaríngeo, reduzindo a morbidade do tratamento associada com a doença avançada locorregional.[39]

História

O câncer orofaríngeo associado ao papilomavírus humano (HPV) apresenta-se classicamente com massa cervical indolor. Embora a maioria dos pacientes com câncer associado ao HPV apresentem doença nodal, ainda é considerado em estádio inicial. A menos que seja descoberto por acaso no exame físico ou exame de imagem, a maioria dos casos de câncer orofaríngeo independente de HPV apresenta-se em estádio avançado. Faringite, dor oral, disfagia, perda de peso, massa cervical e trismo são sintomas tardios. Disfagia e perda de peso devem alertar os médicos para a possibilidade de aspiração silenciosa.[40] A presença ou ausência de comorbidades deve ser observada, pois isso pode afetar o manejo do paciente.[41]​ Obtenha uma história de uso de tabaco ou álcool e quantifique o uso de tabaco em maços-ano.[2]

Exame físico

A aparência geral do paciente é importante para o posterior manejo. Devem ser observadas evidências de caquexia, desnutrição, trismo e dentição comprometida, pois esses pacientes provavelmente se beneficiarão com a colocação profilática de um tubo de gastrostomia antes do tratamento.[42] O trismo, a incapacidade de protrusão da língua e a presença de um linfonodo cervical grande (>3 cm) e fixo indicam doença localmente avançada.

É importante usar uma luz frontal (como frontolux) para examinar a orofaringe porque isso deixa as mãos livres para o exame. Placas brancas (leucoplasia) e vermelhas (eritroplasia) devem ser observadas, pois podem indicar cancerização de campo, distinta da lesão primária. Para fins de estadiamento, devem ser registrados o tamanho da ulceração ou massa do palato mole, das amígdalas, da parede faríngea e da base da língua e sua extensão para locais anatômicos adjacentes. Recomenda-se usar um anestésico local (xilocaína oral ou aplicação de benzocaína) antes da palpação do tumor, pois geralmente ele é doloroso. O endurecimento do tumor indica disseminação submucosa, que pode não ser visível. Um exame endoscópico com fibras ópticas flexíveis é expressamente recomendado para determinar a extensão tumoral, bem como para descartar um segundo tumor primário na laringe e na hipofaringe. No entanto, em mãos experientes, um exame desses locais com o uso de espelho pode fornecer informações suficientes para o manejo do paciente.

Investigações

Exames por imagem

O objetivo do diagnóstico por imagem é estabelecer a localização, tamanho e extensão do tumor. O exame clínico tende a subestimar a extensão do tumor devido à sua disseminação submucosa.

O American Joint Committee on Cancer e a National Comprehensive Cancer Network (NCCN) recomendam TC ou ressonância nuclear magnética (RNM) da cabeça e pescoço com contraste para valiar o local primário e qualquer doença nodal.[2][43][44][45]​​

A TC geralmente é o primeiro exame realizado por causa de sua rapidez e disponibilidade geral. A TC revela as características do tumor, como o crescimento com efeito de massa com obliteração dos planos gordurosos, a infiltração dos músculos, a destruição óssea e o realce periférico com contraste intravenoso.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Grande tumor na base da língua observado no TC axialDo acervo da Dr Linda X. Yin; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@64be8530

O aumento do linfonodo (>1 cm) e a necrose central são sinais indiretos de malignidade.[44] Entretanto, tumores pequenos e superficiais podem não ser observados, e a presença de artefatos dentários pode obscurecer o tumor na TC.

Os tumores têm características identificáveis na RNM. Geralmente, eles parecem hipointensos ao músculo na sequência ponderada em T1, hiperintensos ao músculo na sequência ponderada em T2 e realçados com contraste à base de gadolínio. A RNM é superior à TC na avaliação de envolvimento da medula óssea, de disseminação perineural e pré-vertebral e de envolvimento da fossa pterigopalatina. Entretanto, a RNM é mais susceptível a artefato por movimento.[45]

A PET-CT é indicada se a TC ou a RNM não revelarem um tumor primário evidente.[2] Como a maioria dos cânceres orofaríngeos é localmente avançada, a tomografia por emissão de pósitrons (PET) é particularmente útil para detectar metástases à distância e um segundo tumor primário no diagnóstico de câncer.[46]​ A precisão na detecção de metástases à distância é de 94% com o aparelho PET-CT, de 90% apenas com PET e de 74% apenas com TC.[47]​ A PET-CT tem alta especificidade e valor preditivo negativo para a detecção de linfonodos metastáticos cervicais.[48]​ A PET-CT também melhora a precisão do planejamento do tratamento radioterápico em cânceres orofaríngeos tratados com radioterapia.[49]​ A PET-CT pode ser seguida por exame sob anestesia geral para concluir o processo de estadiamento se o câncer estiver avançado.

Biópsia

Os pacientes devem consultar um cirurgião otorrinolaringologista para o diagnóstico histológico de câncer do tumor primário ou do linfonodo cervical. A NCCN recomenda considerar o exame sob anestesia com confirmação de biópsia para pacientes que apresentam linfonodo cervical positivo para p16 antes da tomada de decisão sobre o tratamento.[2]​ Pacientes com alto risco para a anestesia geral e aqueles que são submetidos a um exame minucioso, incluindo palpação da base da língua, ou aqueles que necessitam de terapia/radioterapia sistêmica e não terão seu plano de tratamento afetado, independentemente da avaliação cirúrgica, não precisam ser submetidos a exame sob anestesia.[2]​ Os tumores na base da língua geralmente requerem biópsia com anestesia geral, enquanto os tumores na amígdala podem ser acessados com biópsia incisional na clínica. Se tiver sido encontrado um linfonodo cervical suspeito, mas nenhum tumor primário for detectado no exame físico ou no exame de imagem, então o próximo passo é a citologia por aspiração com agulha fina do linfonodo.[50] Isso pode ser guiado por ultrassonografia para aumentar a precisão do diagnóstico.[51][52]​​​​​ A orientação por ultrassonografia aumenta a precisão da biópsia por aspiração com agulha fina no câncer orofaríngeo, em comparação com a orientação por palpação. A citologia por aspiração com agulha fina deve ser repetida se a inicial for negativa.

Teste de HPB e p16

Para identificar o estado do HPV, a OMS recomenda testes diretos de HPV (através de hibridização in situ e/ou ensaios baseados em reação em cadeia da polimerase) ou testes indiretos (através de coloração imuno-histoquímica para p16).[1][3][4]​​ A NCCN recomenda que todos os pacientes com câncer orofaríngeo sejam submetidos a testes tumorais de HPV por imuno-histoquímica para p16.[2]​ Ao usar p16, o ponto de corte de 70% com expressão nuclear e citoplasmática com intensidade pelo menos moderada a forte é recomendado pela NCCN.[2] O College of American Pathologists recomenda testar todos os pacientes recém-diagnosticados com carcinoma de células escamosas orofaríngeo para HPV de alto risco.[53]​​​​​ A determinação do p16 do tumor e do estado do HPV informa o prognóstico. Cabe observar que, na Europa, pode haver uma alta taxa de discordância entre os resultados da coloração para p16 e hibridização in situ para HPV, o que sugere que pode ser vantajoso usar ambos os testes na amostra patológica.

Endoscopia tripla

Uma endoscopia tripla (nasolaringofaringoscopia, esofagoscopia e broncoscopia), também conhecida como panendoscopia, também pode ser realizada para descartar um segundo tumor primário, que está presente em aproximadamente 4% dos pacientes.[54][55]​ Discute-se o benefício de realizar a endoscopia tripla na era da tomografia por emissão de pósitrons (PET).[56] No entanto, os equipamentos de PET atuais não conseguem detectar lesões menores que 7 mm de diâmetro.[57]​ Dado o benefício potencial da endoscopia tripla na detecção precoce de pequenas lesões secundárias primárias em pessoas com maior risco, a endoscopia tripla pode ser considerada complementar à PET em pacientes selecionados, particularmente se o paciente apresentar fatores de risco como tabagismo e uso intenso de bebidas alcoólicas.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Homem de 74 anos de idade com carcinoma de células escamosas da base esquerda da língua estendendo-se até a hipofaringe. Imagens de tomografia por emissão de pósitrons/tomografia computadorizada (PET/TC) com fluordesoxiglucose demonstram atividade metabólica focal elevada na hipofaringe/base esquerda da língua (setas).Do acervo do Dr Fabio Almeida; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@20d1d9fe[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Homem de 60 anos de idade com carcinoma de células escamosas da base direita da língua. As imagens de tomografia por emissão de pósitrons/tomografia computadorizada (PET/TC) com fluordesoxiglucose demonstram atividade metabólica focal elevada na base direita da língua, que se estende inferiormente para a hipofaringe (setas) e até a linha média. Nas imagens da TC (seta superior), a irregularidade do tecido mole pode ser observada, mas as margens do tumores são difíceis de definirDo acervo do Dr Fabio Almeida; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5c9c381b[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Homem de 74 anos de idade com carcinoma de células escamosas da base esquerda da língua estendendo-se até a hipofaringe. Imagens após quimiorradioterapia mostrando resolução completa dos focos metabólicos. Metabolismo difuso elevado ligeiramente na região orofaríngea consistente com inflamação leve pós-terapiaDo acervo do Dr Fabio Almeida; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7fa8281d[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Homem de 60 anos de idade com carcinoma de células escamosas da base direita da língua. As imagens de tomografia por emissão de pósitrons/tomografia computadorizada (PET/TC) mostram metabolismo levemente elevado em um linfonodo médio cervical à direita, de preocupação quanto a envolvimento metastático (setas)Do acervo do Dr Fabio Almeida; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5f68c946[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Homem de 60 anos de idade com carcinoma de células escamosas da base direita da língua. Imagens axiais mais caudalmente mostram o envolvimento tumoral na hipofaringe, inclusive a invasão através do osso hioideDo acervo do Dr Fabio Almeida; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@335a08d1

Estudos auxiliares

Se o paciente apresentar câncer em estádio localmente avançado ou perda de peso, um videodeglutograma modificado deve ser realizado para descartar aspiração silenciosa.[40] Um tubo de gastrostomia percutâneo deve ser inserido no caso de aspiração para evitar o desenvolvimento de pneumonia por aspiração. Pacientes com carências nutricionais devem ser considerados para alimentação enteral por tubo. Deverão ser solicitados um hemograma completo, o perfil químico e o nível de albumina e pré-albumina para avaliar o estado nutricional do paciente antes do tratamento em razão da esperada mucosite causada por radioterapia ou disfagia após a cirurgia

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