Abordagem

Lesões de risco de vida, como hipotermia ou trauma maior, têm prioridade.[5]​ As fraturas são tratadas de forma conservadora até que o edema pós-aquecimento se resolva. Se houver risco de amputação, o tempo é crítico e a transferência para um grande centro de trauma ou unidade vascular com acesso a tratamentos modernos é urgente. The Canadian Frostbite Care Network Opens in new window A intervenção cirúrgica precoce é indicada somente para auxiliar no desbridamento de feridas ou para tratar complicações como a síndrome compartimental e a isquemia de uma infecção de escara ou subescara por constrição.[1]​ Oxigênio não deve ser administrado rotineiramente, mas pode ser administrado se o paciente estiver hipóxico.[4] Consulte Hipotermia acidental, Síndrome compartimental dos membros.

A base do tratamento do congelamento das extremidades é o rápido reaquecimento, mas a proteção contra o recongelamento deve ser assegurada antes do início do reaquecimento. Os cuidados incluem hidratação; medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs); analgesia adequada; profilaxia de tétano; cuidados com feridas; e iloprosta (ou terapia trombolítica) se houver risco de amputação. Iloprosta e o ativador de plasminogênio tecidual recombinante (r-tPA) revolucionaram o tratamento de congelamento das extremidades grave, e o tratamento com eles deve ser iniciado idealmente até 24 horas após a lesão.

Rápido reaquecimento

O reaquecimento deve ser iniciado o mais rápido possível. No entanto, como o recongelamento agrava a lesão, o reaquecimento ativo não deve ser iniciado até que o paciente possa se assegurar de que não haverá reexposição ao frio.[5]

Em vez de permanecer no frio, é melhor andar com os pés congelados para encontrar abrigo, mesmo que isso possa causar fissuras ou fraturas ósseas. As precauções que podem ser tomadas para proteger o tecido lesado no campo incluem substituir a roupa molhada por roupas secas, usar roupas macias e envolver os membros em um cobertor para protegê-los durante o transporte.

As áreas afetadas devem ser rapidamente reaquecidas em água morna suavemente circulada até que o reaquecimento esteja completo (geralmente de 15 a 30 minutos).[4] A Wilderness Medical Society recomenda que a água seja aquecida a 37 °C a 39 °C (98.6 °F a 102.2 °F), enquanto as Diretrizes para Primeiros Socorros da American Heart Association e da Cruz Vermelha Americana recomendam um limite superior de 40 °C (104 °F).[4][32]​​​​ Se não houver um termômetro disponível, pode-se usar água não escaldante ou a uma temperatura na qual um membro não congelado possa ser confortavelmente submerso por 45 minutos. Sabonete antibacteriano ou solução antisséptica podem ser adicionados para proteger contra celulite, principalmente se houver edema grave.[4] Pode-se utilizar compressas mornas úmidas se não houver um recipiente de imersão disponível. Temperaturas acima de 40 °C (104 °F) ou calor seco podem causar lesões térmicas e devem ser evitados. Sempre deve-se evitar esfregar o tecido afetado para reaquecê-lo.[33] Joias devem ser removidas o mais rápido possível dos dedos afetados, pois pode ocorrer edema significativo após o descongelamento, além de comprometimento vascular (efeito de torniquete) com anéis apertados. O membro afetado deve ser elevado acima do nível do coração para evitar o desenvolvimento de edema dependente.[4][14]

O descongelamento é concluído quando a extremidade distal do membro afetado apresenta rubor vermelho ou roxo e o tecido fica mole e maleável ao toque, sinalizando o fim da vasoconstrição.[1][4][5]​​​[14][16][26][34]​​​​​[35][36][37][38][39][40]​ O movimento ativo do membro afetado ajuda a promover a perfusão e deve ser incentivado precocemente, mas os pacientes devem evitar andar sobre membros congelados para evitar lesões inadvertidas.

Hidratação

Uma hidratação agressiva é importante na apresentação inicial. Fluidos aquecidos (pelo menos até 37 °C [98.6 °F], mas preferencialmente de 40 °C [104 °F] a 42 °C [107.6 °F]) pode ser administrada por via intravenosa ou oral, dependendo da condição do paciente.[14] Se fluidos forem administrados por via intravenosa no campo, eles devem ser infundidos em pequenos bolus rápidos (por exemplo, 250 mL) para evitar o resfriamento do ambiente.[4]

anti-inflamatório não esteroidal (AINE)

Um AINE, como ibuprofeno, é recomendado para todos os pacientes para analgesia e redução da inflamação. Há um benefício teórico em bloquear a via do ácido araquidônico que produz prostaglandinas e tromboxanos, que levam à vasoconstrição e mais danos aos tecidos. Embora nenhum estudo de desfechos tenha sido relatado, a menos que haja contraindicações, o ibuprofeno pode ser iniciado no campo e continuado até que o congelamento das extremidades tenha cicatrizado ou quando a cirurgia for necessária.[4]

Alternativamente, aspirina pode ser usada se o ibuprofeno não estiver disponível. A aspirina bloqueia a produção de certas prostaglandinas que são benéficas para a cicatrização de feridas e pode ser contraproducente.[4] Entretanto, uma dose analgésica terapêutica de aspirina ainda pode ser usada se não houver ibuprofeno disponível, pois se acredita que sua ação antiplaquetária seja benéfica.[1]

analgesia adicional

Opioides podem ser usados se analgesia adicional for necessária.[4]

Profilaxia antitetânica

A profilaxia de tétano deve ser administrada de acordo com as diretrizes padrão.[4]

Tratamento de feridas

Embora haja escassez de evidências que apoiem o tratamento de vesículas, é prática comum desbridar vesículas brancas no hospital, teoricamente para prevenir lesões teciduais mediadas por tromboxano. Os prestadores de primeiros socorros não devem desbridar vesículas no campo.[32] As vesículas hemorrágicas devem ser mantidas intactas para evitar infecção.[4]

As vesículas devem ser tratadas topicamente com creme ou gel de aloe vera antes da aplicação do curativo e deve ser feita a reaplicação a cada troca de curativo.[4] Acredita-se que o aloe vera reduz a formação de prostaglandinas e tromboxano.[4][15]​​​ Deve-se usar acolchoamento com algodão ou gaze macia entre os dedos para reduzir a maceração do tecido, mas curativos circunferenciais devem ser soltos, dada a probabilidade de desenvolvimento de edema.[4]

As partes afetadas devem ser mantidas elevadas e imobilizadas se necessário.[4] As luxações associadas deverão ser reduzidas assim que o descongelamento for concluído. Entretanto, as fraturas devem ser tratadas de forma conservadora até que o edema tenha remitido, evitando o risco da síndrome compartimental.

Intervenção cirúrgica pode ser necessária para desbridar úlceras e tecido necrótico em casos graves.

A hidroterapia diária deve ser realizada a 37 °C a 39 °C (98.6°F a 102.2°F) por 45 minutos em um tanque com solução de cloreto de sódio e hipoclorito de cálcio.[4] Pode-se adicionar sabão cirúrgico em vez de cloreto de sódio e hipoclorito de cálcio.

Fotografias em série podem ser úteis para documentar a evolução da lesão e da cura.[1]

Geralmente, leva de 1 a 3 meses para avaliar se o tecido congelado e o tecido ao redor são viáveis.[4] Para determinar o prognóstico, é útil classificar o tecido lesado com base na topografia da lesão e nos resultados da cintilografia óssea inicial, começando no dia 0 (logo após o reaquecimento).[1] Recuperação rápida da sensibilidade à dor, pele com aparência saudável e presença de bolhas claras, em vez de hemorrágicas, são sinais de bom prognóstico clínico durante o processo de cura.[41]​ Vesículas subpleurais enfisematosas hemorrágicas que não se estendem distalmente, cianose e tecido que aparenta estar congelado são sinais de mau prognóstico clínico.

Reabilitação

A reabilitação precoce é essencial para a recuperação funcional e para prevenir rigidez da articulação.[42]​ Uma dieta rica em proteínas e calorias ajuda a promover a cura.

Antibioticoterapia

O uso de antibióticos profiláticos é controverso e normalmente não é recomendado, a menos que haja sinais de infecção, ou para lesões mais graves (graus 3 e 4) ou se houver edema grave após o descongelamento.[4][14][43]​ Se o tecido danificado parecer infectado, a cobertura deve incluir espécies de Streptococcus, espécies de Staphylococcus, espécies de Pseudomonas e bactérias Gram-negativas.

Quando o congelamento das extremidades é grave, o risco de infecção anaeróbia é significativo. Isso deve ser levado em consideração ao escolher o esquema de antibioticoterapia e tomar decisões relativas à intervenção cirúrgica.[33]

Iloprosta ou terapia trombolítica

Pacientes com congelamento das extremidades de grau 2 a 4 devem ser transportados para serem tratados em unidades familiarizadas com o tratamento de congelamento das extremidades moderada a grave.

Geralmente é possível determinar se é provável que um paciente precise de uma amputação. A decisão sobre quem tratar com iloprosta ou r-tPA (por exemplo, alteplase) é uma questão de julgamento dos médicos. Além do grau de gravidade, os fatores que influenciam a decisão clínica incluem dominância da mão, lesão no polegar e ocupação do paciente (por exemplo, artesão, músico, trabalhador braçal). Na experiência dos autores, as unidades que tratam um grande número de pacientes com congelamento das extremidades moderada a grave terão um melhor conceito do risco versus benefício de tratar ou não tratar um paciente individual e qual agente é mais apropriado. Unidades com menos experiência, ou que não têm acesso ao iloprosta, podem considerar que o risco de r-tPA é compensado apenas pelo benefício de tratar congelamento das extremidades mais graves (grau 3 a 4).

Embora esteja mais amplamente disponível, o r-tPA é mais complexo de administrar e tem mais efeitos adversos do que o iloprosta. Ambos os medicamentos geralmente são administrados em ambientes de tratamento intensivo ou de alta dependência, com monitoramento rigoroso da pressão arterial e dos sintomas. Iloprosta é administrado por via intravenosa e r-tPA pode ser administrado por via intravenosa ou intra-arterial. O r-tPA demonstra melhor eficácia (e maior taxa de complicações) quando administrado por via intra-arterial. Requer monitoramento mais intensivo do que iloprosta e testes de coagulação. Na opinião dos autores, não há boas indicações para o uso de r-tPA se iloprosta estiver disponível.

Iloprosta é um mimético da prostaciclina e um potente vasodilatador que também reduz a inflamação e inibe a agregação plaquetária.[4] É aprovado nos EUA para o tratamento de congelamento das extremidades, para reduzir o risco de amputações de dedos, e tem sido usado na Europa há muitos anos (embora não seja aprovado para essa indicação).[44] A aprovação do FDA foi baseada em um estudo aberto de 47 pacientes que inicialmente receberam aspirina e buflomedil (um medicamento vasoativo que não está mais disponível). Eles foram então randomizados para receber por 8 dias: aspirina e buflomedil; ou aspirina associada a iloprosta; ou aspirina associada a iloprosta (e r-tPA apenas no primeiro dia). A eficácia foi avaliada pela cintilografia óssea com tecnécio, que mostrou excelente correlação com os níveis anatômicos de amputação (valor preditivo dos achados positivos, 0.996). O risco de amputação foi significativamente menor com iloprosta ou iloprosta associado a r-tPA.[44]

Quando há risco de amputação, o iloprosta pode ser administrado por via intravenosa para ulcerações profundas que se estendem até a articulação interfalângica distal ou mais além (graus 2 a 4). Apesar da falta de evidências sólidas, o iloprosta é a escolha de primeira linha para congelamento das extremidades de grau 3 a 4.[4][44][45]​​O iloprosta tem menor taxa de efeitos adversos e complicações quando comparado ao r-tPA, portanto pode ser considerado como tratamento para o congelamento das extremidades de Grau 2 e também para congelamento das extremidades mais graves (Graus 3 e 4). Deve ser administrado o mais rápido possível, mas pode ser administrado até 72 horas após o reaquecimento.[4] É particularmente útil se a angiografia não estiver disponível ou houver contraindicações à trombólise.[14] Esse medicamento é tipicamente administrado por aproximadamente 6 horas por dia por um total de 5 a 8 dias em casos de congelamento das extremidades de grau 3 ou 4.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Lesões típicas por congelamento das extremidades nas mãos e nos pés de um alpinista com bolhas levemente hemorrágicas manifestando-se 3 dias após a exposição. As bolhas foram aspiradas assepticamente, e uma infusão com iloprosta por 5 dias resultou na recuperação completaHallam M-J, BMJ 2010;341:c5864 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2b6e0d9a

O r-tPA está mais amplamente disponível que o iloprosta. Somente lesões profundas com prováveis amputações (por exemplo, estendendo-se até as articulações interfalângicas proximais dos dedos, graus 3 a 4) devem ser consideradas para terapia trombolítica.[4] O r-tPA pode ser considerado até 24 horas após o descongelamento com intervenção angiográfica apropriada para congelamento das extremidades profunda na articulação interfalângica distal ou mais proximal a esta.[4] O tempo até a trombólise parece ser crítico.[4]

As contraindicações ao r-tPA incluem trauma, cirurgia recente e AVC recente.

A heparina é usada em protocolos de r-tPA, mas não há evidências que sustentem o uso de heparina isolado para tratar congelamento das extremidades, seja em campo ou em hospitais.[4]

Dextrano de baixo peso molecular

O papel do dextrano de baixo peso molecular diminuiu significativamente com a disponibilidade cada vez mais ampla do iloprosta.[44] Se o iloprosta estiver disponível, não há função para o dextrano de baixo peso molecular. Está associado a um pequeno risco de sangramento e anafilaxia e uma dose de teste deve ser administrada antes do uso.[4]

Cirurgia

A intervenção cirúrgica precoce só é indicada para auxiliar no desbridamento de úlceras e tecido necrótico, ou se o paciente apresentar sinais de sepse.[41]​ Consulte Sepse em adultos.

A fasciotomia é necessária para tratar a síndrome compartimental que pode ser induzida por edema associado ao descongelamento.[4]

A amputação precoce raramente é necessária. Como a maioria das lesões se cura ou mumifica sem cirurgia, a amputação deve ser protelada pelo maior tempo possível. É recomendável que a cirurgia seja protelada até 6 a 12 semanas após a lesão, pois um trauma cirúrgico pode interferir na cura da ferida no tecido proximal e, consequentemente, aumentar a perda tecidual. Isso permite também um período de tempo suficiente para demarcação de feridas para ajudar a orientar procedimentos cirúrgicos (enxerto de pele, retalho ou amputação).[16][42] Os fatores de risco para amputação incluem apresentação tardia, comprometimento do membro inferior e infecção do tecido lesado.

O enxerto de pele pode ser considerado em pacientes gravemente feridos.[46][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Congelamento das extremidades típico afetando o hálux e o terceiro dedo do pé esquerdo na lesão inicial na apresentação em um acampamento base no Everest (A), em 6 semanas (B) e em 10 semanas (C). Observe a amputação cirúrgica tardia do hálux após a demarcação definitiva e a recuperação do terceiro dedo após o manejo adequadoHallam M-J, BMJ 2010;341:c5864 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2e331795

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