Abordagem

A acloridria geralmente é um achado incidental silencioso que, por si só, não requer investigação diagnóstica ou intervenção terapêutica. Deve-se suspeitar em pacientes com o seguinte:

  • Sinais e sintomas de anemia devido à deficiência de cobalamina (vitamina B12) ou ferro

  • Sinais e sintomas de deficiência de cálcio

  • Infecção entérica

  • Eficácia diminuída e/ou níveis de medicamentos de certos medicamentos, como tiroxina, cetoconazol, itraconazol, atazanavir, cefpodoxima, enoxacina e dipiridamol

  • Hipergastrinemia

  • Achados endoscópicos de adelgaçamento da mucosa oxíntica no fundo e no corpo do estômago com diminuição da rugosidade (pregas gástricas) e maior visualização dos vasos submucosos[67]

  • Tumor neuroendócrino gástrico; tumores carcinoides.

Recomenda-se que todos os pacientes com sinais ou sintomas sugestivos de um distúrbio hipersecretor gástrico ou tumor endócrino do pâncreas realizem um teste de gastrina sérica para diagnosticar síndrome de Zollinger-Ellison. Em pacientes com hemoglobina baixa, deve-se suspeitar de acloridria, pois o ácido facilita a absorção de ferro não heme e o fator intrínseco (secretado pelas células parietais) é necessário para a absorção da cobalamina.[68][69][70][71]

Uma biópsia do corpo e/ou fundo do estômago é o teste padrão ouro para o diagnóstico e pode ser realizada quando um diagnóstico diferencial de acloridria é considerado com base na história, no exame físico e/ou nos achados laboratoriais.[5][6][7][9]

Os pacientes com hipergastrinemia requerem avaliação do pH luminal gástrico por meio de esofagogastroduodenoscopia (OGD ou endoscopia alta) para descartar acloridria como etiologia antes de iniciar uma pesquisa diagnóstica para a síndrome de Zollinger-Ellison.

Como o Helicobacter pylori, uma infecção considerada carcinogênica pela Organização Mundial da Saúde, desempenha uma função na patogênese da maioria dos casos de gastrite atrófica, é razoável fazer-se um teste para esse microrganismo e, se presente, erradicá-lo.[23][72][73]

Achados laboratoriais

Uma série de investigações laboratoriais são recomendadas ou merecem consideração.

Gastrina sérica

A hipergastrinemia é uma resposta fisiológica à acloridria ou hipocloridria.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Modelo ilustrativo da regulação fisiológica da secreção de ácido gástrico pela gastrina, histamina, somatostatina e ácido luminal. A gastrina, liberada pelas células G antrais, é o principal estimulante hormonal da secreção de ácido durante a ingestão de refeições. A gastrina age diretamente nas células parietais secretoras de ácido e, sobretudo, indiretamente estimulando a secreção de histamina pelas células ECL. A histamina se difunde para as células parietais adjacentes, onde se liga a receptores H2 de histamina reforçando a estimulação da secreção de ácido. Na fase interdigestiva, a somatostatina, liberada pelas células D antrais em resposta ao ácido luminal, promove a inibição tônica da secreção de gastrina pelas células G, mantendo, assim, a secreção de ácido em um nível economicamente baixo.Do acervo do Professor Mitchell L. Schubert, com o agradecimento de Mary Beatty-Brooks (ilustradora médica) [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3fe6b9a4[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Modelo ilustrativo da fisiopatologia da acloridria e do desenvolvimento de tumores carcinoides gástricos. Com a acloridria, o efeito do ácido luminal de estimulação da somatostatina é perdido. Consequentemente, a secreção da somatostatina é diminuída e sua restrição inibitória na secreção de gastrina é atenuada (desinibição), resultando em hipergastrinemia. A gastrina não é apenas um secretagogo, mas é também um hormônio trófico que induz o crescimento da mucosa oxíntica. Se a hipergastrinemia for sustentada por dias, as células ECL apresentarão hipertrofia; se for sustentada por semanas a meses, as células ECL ficam hiperplásicas, displásicas e, em alguns pacientes, formarão tumores carcinoides.Do acervo do Professor Mitchell L. Schubert, com o agradecimento de Mary Beatty-Brooks (ilustradora médica) [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@491a7f47

As concentrações de gastrina sérica em jejum em indivíduos saudáveis geralmente são <150 picogramas/mL. Em pacientes com acloridria, as concentrações de gastrina geralmente são >400 picogramas/mL e, muitas vezes, >1000 picogramas/mL.[74][75]

A dosagem de gastrina sérica deve ser realizada em jejum e, se estiver acentuadamente elevada, deve-se obter o pH gástrico para descartar a síndrome de Zollinger-Ellison (gastrinoma) como etiologia da hipergastrinemia.[76] Outras causas da hipergastrinemia incluem medicamentos antissecretores (5% dos pacientes que usam inibidores da bomba de prótons em longo prazo têm níveis de gastrina sérica excedendo 400 picogramas/mL), antro gástrico retido na alça duodenal após antrectomia, insuficiência renal, ressecção maciça do intestino delgado e obstrução da saída gástrica com distensão acentuada.[77]

pH intragástrico

Este teste pode ser realizado usando um eletrodo de pH ou um papel de pH. Ele é mais útil na exclusão da acloridria que no estabelecimento do diagnóstico, pois o refluxo do conteúdo duodenal alcalino, na ausência de acloridria, pode aumentar o pH do suco gástrico para >6.

O teste de pH intragástrico é frequentemente usado em pacientes hipergastrinêmicos.[76]

Hemoglobina

A hemoglobina está diminuída devido à deficiência de cobalamina (vitamina B12) e/ou ferro. Como o fator intrínseco (FI), que é secretado pelas células parietais, é essencial para absorção da cobalamina, a gastrite atrófica é a causa mais comum de deficiência de cobalamina.[15][78][79]

Cerca de 25% dos pacientes aclorídricos desenvolvem anemia ferropriva.[68][69][70][71][80] O ferro hemínico (Fe2+), encontrado principalmente na hemoglobina e mioglobina de produtos de carne, representa somente 10% a 15% da ingestão de ferro alimentar total. No entanto, ele é particularmente bem absorvido e contribui com 40% do total de ferro absorvido. O ferro não hemínico (Fe3+), encontrado em legumes, é solúvel somente em um pH ácido e se precipita em pH >4. Como o ácido gástrico libera Fe3+ dos alimentos e o reduz para ferro ferroso (Fe2+), a acloridria reduz a absorção de ferro.

A anemia perniciosa descreve a deficiência de cobalamina que resulta da secreção prejudicada do fator intrínseco devido à atrofia da mucosa oxíntica.[81] A anemia perniciosa é considerada um distúrbio autoimune devido à frequente presença de autoanticorpos gástricos direcionados contra o FI e as células parietais.

Anticorpos antifator intrínseco (FI)

O FI, uma glicoproteína secretada pelas células parietais e, em menor grau, pelas células principais, é necessário para a absorção de cobalamina (vitamina B12).[15] Como as reservas de cobalamina no corpo são 1000 vezes a necessidade diária, leva muitos anos para que um paciente com atrofia gástrica desenvolva uma deficiência de cobalamina.[78][79] Mais de 70% dos pacientes com atrofia gástrica e/ou gastrite autoimune têm anticorpos direcionados contra a adenosina trifosfatase estimulada por hidrogênio-potássio (H+/K+ ATPase) das células parietais e/ou FI.[31][36][37][38] Os anticorpos contra o FI apresentam especificidade >95% e sensibilidade de 50% a 85% para anemia perniciosa.[78][82][83][84]

Anticorpos anticélulas parietais

Os anticorpos anticélulas parietais, direcionados contra as subunidades alfa e beta da célula parietal H+/K+ ATPase, estão presentes em até 90% dos pacientes com anemia perniciosa.

Os anticorpos das células parietais podem ser adquiridos devido ao mimetismo molecular entre o lipopolissacarídeo do Helicobacter pylori e a H+/K+ATPase, ambos contendo epítopos de Lewis.[59] Com a progressão da gastrite, a incidência de anticorpos pode diminuir para cerca de 55% a 80%, presumivelmente devido à perda do estímulo antigênico.[30][31][36][37][38] Em um estudo, a combinação do teste de anticorpos antifator intrínseco e anticorpos anticélulas parietais identificou uma sensibilidade de 60% para atrofia gástrica e uma sensibilidade de 73% para anemia perniciosa.[52]

Teste de secreção de ácido gástrico (análise gástrica)

O teste de secreção de ácido gástrico é o teste definitivo para o diagnóstico de acloridria, mas não está amplamente disponível ou não é realizado.[85][86] Pode ser considerada (em centros especializados) quando o diagnóstico permanece em dúvida após testes menos invasivos.

O teste é realizado pela colocação de uma sonda nasogástrica na parte mais dependente do estômago durante jejum e pela aspiração de suco gástrico por sucção. O posicionamento adequado pode ser verificado por fluoroscopia ou pela recuperação de >90 mL após a injeção de 100 mL de água.

A concentração de H+ em uma amostra de suco gástrico é determinada pela titulação reversa para pH 7.0 usando uma base (por exemplo, hidróxido de sódio) ou pela medição do pH da amostra com um eletrodo e convertendo-o em uma concentração usando uma tabela de coeficientes de atividade para H+ no suco gástrico. Quando a concentração de H+ da amostra em mmol por litro é determinada, ela é multiplicada pelo volume da amostra em litros para determinar o débito de ácido durante o período da coleta.

A secreção ácida basal estima a secreção de ácido em repouso e é expressado como a soma do débito de ácido medido, expressado como mmol H+ por hora, para 4 períodos consecutivos de 15 minutos. O débito máximo de ácido e o pico de débito de ácido estimam a resposta secretora de ácido para um secretagogo exógeno. O débito máximo de ácido é a soma do débito de ácido de 4 períodos consecutivos de 15 minutos, e o pico de débito de ácido é calculado multiplicando-se por 2 a soma dos 2 débitos mais elevados registrados nos quatro períodos do teste de 15 minutos.

Biópsia do corpo e/ou fundo do estômago

Existe uma correlação fraca entre a determinação visual endoscópica da atrofia gástrica e o diagnóstico histológico de acloridria.[67] O diagnóstico da atrofia gástrica com acloridria é feito mais comumente pelo achado de gastrite atrófica na biópsia da mucosa oxíntica no momento da EDA ou endoscopia alta juntamente com o achado de um pH >6 no líquido gástrico aspirado durante a EDA e/ou hipergastrinemia.

Atrofia gástrica é caracterizada pela perda de glândulas e células parietais com uma diminuição na proporção entre a área ocupada pelas glândulas e a área mucosa total.[87]

A atrofia gástrica geralmente esteja associada à metaplasia intestinal (MI) gástrica, esta última pode ser irregular e, portanto, não ser percebida com biópsias endoscópicas limitadas. Como a atrofia gástrica e a MI gástrica geralmente ocorrem em uma história de gastrite crônica, alguns usam o termo "gastrite atrófica".[5][6][7][9]

Gastrite atrófica autoimune é caracterizada por infiltração linfocítica no epitélio (98%), espessamento muscular da mucosa (93%), encurtamento e ramificação de glândulas (87%), agregados linfoides basais (83%), infiltração de eosinófilos (46%) e infiltração de neutrófilos (44%).[88]

Diagnóstico pós-histológico de MI gástrica

Devem ser obtidas biópsias múltiplas (duas do antro [na curvatura menor e maior], duas do corpo [na curvatura menor e maior] e uma da incisura).[89] A marcação das áreas submetidas à biópsia é essencial, pois ajuda a diferenciar a mucosa antral normal da metaplasia pseudopilórica do corpo. As amostras do antro e do corpo, bem como o tecido da mucosa anormal e da mucosa de aparência normal, devem ser colocados em recipientes separados para preparação e análise histopatológica.[89]

infecção por Helicobacter pylori

A infecção por H pylori é provavelmente o fator contribuinte mais importante para o desenvolvimento de gastrite atrófica crônica com acloridria, embora a maioria dos pacientes que hospeda o microrganismo não seja aclorídrica. Embora haja poucos dados para dar suporte à premissa de que a erradicação do microrganismo depois que a atrofia e a MI se desenvolvem interrompa ou reverta o processo ou previna o desenvolvimento de adenocarcinoma, a maioria dos gastroenterologistas especializados nesta área recomendaria a erradicação do microrganismo se ele ainda estiver presente.[72][90][91][92][93][94]

A American Gastroenterological Association relata que a erradicação do H pylori entre indivíduos com ou sem MI gástrica está associada a uma redução de 32% do risco de câncer gástrico.[76] No entanto, havia uma falta de dados sobre o impacto da erradicação do H pylori em pacientes com MI gástrica confirmada, e a maioria dos pacientes incluídos era de uma população indígena chinesa com um aumento do risco para câncer gástrico.

Testes diagnósticos para infecção por H pylori

Os testes diagnósticos para infecção por H pylori, cada um com sensibilidade >90% e especificidade >90%, incluem histologia com coloração imuno-histoquímica, teste respiratório de ureia, teste rápido de urease em amostras de biópsia, reação em cadeia da polimerase, hibridização fluorescente in situ e teste do antígeno fecal.[90][95][96][97][98][99]

A sorologia, embora apresente sensibilidade >90%, é <80% específica para infecção ativa, uma vez que os anticorpos podem permanecer detectáveis anos após a erradicação do microrganismo.[9][97][98] Consequentemente, a sorologia não deve ser usada para documentar a erradicação da infecção.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal