Etiologia

A bradicardia ocorre devido à disfunção do nó sinusal ou doença do sistema de condução, cujas causas podem ser intrínsecas ou extrínsecas.

  • As causas intrínsecas são o resultado de alterações fibrosas do tecido nodal. As causas intrínsecas são vastas e incluem processos degenerativos idiopáticos (por exemplo, envelhecimento), anormalidades congênitas ou genéticas, valvopatia, dano direto ao tecido (por exemplo, hipóxia, trauma cirúrgico [substituição/reparo cirúrgico da valva aórtica e da valva tricúspide, substituição transcateter da valva aórtica]), inflamação ou infiltração de tecido (por exemplo, sarcoidose, amiloidose, hemocromatose), infecções (por exemplo, febre tifoide, difteria, tuberculose, toxoplasmose, febre reumática, miocardite viral, doença de Lyme), doenças vasculares autoimunes ou do colágeno (por exemplo, lúpus eritematoso, doença do tecido conjuntivo) ou efeitos autonômicos anormais.[18]

  • As causas extrínsecas incluem exposição a toxinas (por exemplo, chumbo, veneno de aranha viúva negra, intoxicação por xilazina ou superdosagem de antidepressivo tricíclico), medicamentos (por exemplo, digoxina, betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, ivabradina ou antiarrítmicos classe I ou III), anormalidades eletrolíticas (por exemplo, hipercalemia, acidemia) ou irritantes ambientais (por exemplo, hipotermia).[3][19][20][21]

    Além disso, situações que causam alto (intenso) tônus vagal (ativação) (aumento da entrada parassimpática no nó sinusal) podem resultar em bradicardia. Estes incluem vômitos, tosse, estimulação da glote, micção e defecação. As causas iatrogênicas incluem estimuladores do nervo vago. Hipersensibilidade do seio carotídeo e síncope neurocardiogênica também podem levar à bradicardia. Algumas causas, como hipotireoidismo, distúrbios eletrolíticos e induzidos por medicamento, são reversíveis. O infarto do miocárdio da parede inferior e o aumento da pressão intracraniana também podem causar vários tipos de bradicardia (isto é, reflexo de Cushing).

Os distúrbios respiratórios do sono (DRS), incluindo apneia obstrutiva do sono (AOS), apneia central do sono e respiração de Cheyne-Stokes, podem estar associados a várias bradicardias.[22][23][24][25] Bradicardia sinusal, bloqueio atrioventricular (AV) de segundo grau, bloqueio AV vagotônico ou bloqueio atrioventricular total foram observados em alguns pacientes apenas durante o sono. Nos DRS, a prevalência de bradicardia sinusal profunda é de 7% a 40%, de bloqueio AV de segundo ou terceiro grau é de 1% a 13% e de pausas sinusais é de 3% a 33%.[25] O tônus vagal elevado em um adulto jovem de maneira geral saudável é uma causa comum de bradicardia sinusal e bloqueio AV Mobitz I (raramente Mobitz II). Isso pode se manifestar inclusive durante o sono e ser exacerbado pelos DRS. Propõe-se que a hipóxia na ausência de insuflação pulmonar cause o aumento da estimulação vagal do corpo carotídeo, resultando em bradicardia.[25] Com o tempo, acredita-se que os estresses fisiológicos sustentados associados aos DRS interajam com os mecanismos circadianos para remodelar a estrutura e a função eletrofisiológica do coração, aumentando o risco de distúrbios do ritmo.[25] Em um pequeno estudo de coorte de pacientes com AOS grave e prevalência de 50% de episódios de bradicardia noturna grave, o tratamento da AOS com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) diminuiu o número mediano de eventos bradicárdicos registrados por um loop event recorder inserível durante um período de acompanhamento de 16 meses.[25]

A doença generalizada do sistema de condução relacionada à calcificação e fibrose é chamada de doença de Lev (ou síndrome de Lev-Lenegre) e é uma causa de bloqueio atrioventricular total adquirido. A doença de Lev é observada principalmente em idosos, e costuma ser descrita como degeneração senil do sistema de condução.

Bradiarritmias podem ser observadas em adultos com cardiopatia congênita. De fato, as arritmias são a complicação mais comum observada em adultos que vivem com cardiopatia congênita. Isso ocorre devido a anormalidades da condução cardíaca ou também pode ser sequela de intervenção procedural. As causas congênitas mais comuns de disfunção do nó sinusal são heterotaxia/poliesplenia, justaposição esquerda de apêndices atriais ou reparos cirúrgicos. As causas congênitas mais comuns da disfunção do nó atrioventricular são heterotaxia/poliesplenia, transposição congênita de grandes artérias, defeito do septo ventricular e atresia tricúspide corrigida de forma congênita. O gene SCN5A demonstrou causar doença de condução hereditária. Esse gene codifica a subunidade alfa do canal de sódio cardíaco. Embora este seja o gene mais comum associado à doença de condução, ele representa apenas 5% dos casos. Portanto, o teste genético não é realizado ou recomendado rotineiramente.[26][27]

Cabe observar que a bradicardia patológica durante a gestação é rara e, geralmente, decorre de bloqueio atrioventricular congênito. Normalmente, as adaptações fisiológicas durante a gestação causam um aumento no débito cardíaco e na frequência cardíaca em repouso. A frequência cardíaca pode aumentar até 10-20 bpm, alcançando o ponto máximo no terceiro trimestre.[28][29] A bradicardia sintomática foi associada à síndrome hipotensa supina da gestação. Isso é observado quando as alterações na posição materna causam compressão da veia cava inferior pelo útero gravídico.[29]

Raramente, a bradicardia pode estar associada a doenças aparentemente não relacionadas. Por exemplo, a bradicardia pode estar raramente associada à epilepsia e deve ser considerada em pacientes com apresentações incomuns de síncope ou em pacientes com história que sugere epilepsia e síncope. A bradicardia ictal e a assistolia ictal ocorrem predominantemente em associação com a convulsão focal, com a perda de consciência em indivíduos com convulsão no lobo temporal principalmente do lado esquerdo, e está associada aos sinais de isquemia cerebral do eletroencefalograma durante esses episódios.[30]

Fisiopatologia

Os mecanismos celulares são complexos e inter-relacionados. A falha de qualquer um desses mecanismos pode afetar a frequência cardíaca. A ativação elétrica cardíaca normal requer automaticidade normal do nó sinusal e condução efetiva do nó atrioventricular (AV) e do sistema His-Purkinje. Tudo que causa automaticidade do nó sinusal ou condução por meio do nó AV e/ou do sistema His-Purkinje pode causar bradicardia.

Classificação

Classificação clínica

A bradicardia é classificada como assintomática ou sintomática. Os pacientes assintomáticos geralmente não precisam de tratamento. A bradicardia, incluindo bradicardia sinusal e o bloqueio atrioventricular (AV) Mobitz do tipo I (Wenckebach), pode ser completamente benigna em indivíduos jovens, saudáveis e atléticos.

Classificação de bradicardia

A bradicardia pode ser classificada de acordo com o local do distúrbio de condução.[3]

Disfunção do nó sinusal

  • Bradicardia sinusal: frequência cardíaca inferior a 50 bpm. Pode ser um achado normal, especialmente em repouso ou durante o sono, ou pode ser anormal e sintomático.[4] É comum em atletas, já que eles geralmente apresentam alto tônus vagal de repouso.

  • Pausas/parada do nó sinusal: parada abrupta e episódica do ritmo sinusal que geralmente dura mais de 3 segundos. Os episódios podem durar mais de 30 segundos. Pode haver colapso hemodinâmico, queda aguda da pressão arterial e/ou perda da consciência. O termo parada sinusal geralmente é usado para longas pausas do nó sinusal (isto é, >5 segundos). A bradicardia ou a parada sinusal paroxística podem ocorrer devido à descarga intensa do nervo vago.[5]

  • Bloqueio de saída do nó sinusal: o nó sinusal continua ativo, mas a ativação elétrica é protelada e bloqueada, de forma completa ou incompleta, entre o nó sinusal e os átrios. Pode haver vários níveis de bloqueio (por exemplo, bloqueio completo ou intermitente).[6]

  • Síndrome taquicardia-bradicardia: ocorre quando há períodos episódicos de taquicardia (geralmente flutter atrial, fibrilação atrial ou taquicardia atrial), seguidos pelo término da taquicardia que causa parada sinusal ou longas pausas sinusais, seguido de bradicardia sinusal.[7]

  • Incompetência cronotrópica: uma forma de bradicardia na qual a frequência sinusal não é acelerada de forma adequada com exercícios. Embora não haja critérios padronizados para o diagnóstico de incompetência cronotrópica, geralmente é definido como falha em atingir 85% da frequência cardíaca máxima predita pela idade (definida como 220 menos a idade do paciente em anos) ou a incapacidade de atingir 80% da reserva de frequência cardíaca (calculada como a alteração na frequência cardíaca de repouso para o pico do exercício dividido pela diferença da FC em repouso e da FC máxima predita pela idade), em um teste ergométrico dinâmico.[8]

  • Disfunção do nó sinusal (SND): historicamente conhecida como doença do nó sinusal; um termo geral que descreve bradicardia que se presume ser causada pela doença do nó sinusal que se manifesta como uma das anormalidades acima. Há evidências de diminuição da função do nó sinusal. Embora isso geralmente não ocorra devido a anormalidades autonômicas, elas podem contribuir para isso. A causa exata é desconhecida, mas acredita-se que fibrose degenerativa das fibras de condução cardíaca e miocárdio atrial circundante a partir de fatores como hipertensão de longa duração, valvopatia, doença arterial coronariana, arritmias atriais, insuficiência cardíaca congestiva ou aumento da idade contribuam. A incidência de SND aumenta com a idade. A SND é responsável por quase metade dos implantes de marca-passo nos Estados Unidos. Alguns pacientes apresentam bradicardia acentuada devido à SND somente após o uso de medicamentos que desaceleram o nó sinusal. Ela tem sido associada a anormalidades de condução do nó atrioventricular (AV) e a um alto risco de embolia sistêmica.[9][10][11]​​[12]

Doença da condução AV

O bloqueio AV ocorre quando a despolarização atrial não atinge os ventrículos ou quando a despolarização atrial é realizada com atraso.

  • Bloqueio atrioventricular (AV) de primeiro grau: o atraso na condução AV, com o intervalo PR superior a 0.2 segundo. Durante o bloqueio AV de primeiro grau, há condução dos estímulos com relação um-para-um, mas ocorre um atraso na condução do nó AV.[13] Ele não é necessariamente associado à bradicardia, mas pode ser associado a graus mais elevados de bloqueio AV e bradicardia ou disfunção do nó sinusal subsequente.

  • Bloqueio AV de segundo grau: falha periódica da condução dos átrios para os ventrículos. Isso pressupõe que a frequência atrial seja regular. Um batimento atrial prematuro bloqueado não é um bloqueio AV de segundo grau. Existem tipos diferentes:

    • Mobitz I: batimentos agrupados com um intervalo PP constante, aumentando o intervalo PR e alterando (geralmente diminuindo) os intervalos RR com o ciclo terminando com uma onda P não seguida por um complexo QRS. Conforme o intervalo PR se prolonga gradualmente, o intervalo RR tende a permanecer igual ou diminuir.[14] Também chamada de bloqueio AV de Wenckebach.

    • Mobitz II: associado a ondas P únicas não conduzidas com um intervalo PP constante e intervalos PR constantes (sem alteração em PR acima de 0.025 segundo).[15]

    • Bloqueio 2:1: somente um intervalo PR a ser examinado antes da onda P bloqueada e 2 ondas P para cada complexo QRS. Na maioria dos casos, isso mudará para Mobitz I ou II. Se houver um bloqueio de ramo associado junto com o intervalo PR normal, isso sugere um bloqueio no sistema His-Purkinje.

    • Bloqueio AV de alto grau: mais de uma onda P bloqueada em sequência.[16]

  • Bloqueio AV de terceiro grau: ocorre quando não há impulsos conduzidos dos átrios para os ventrículos. Também chamado de bloqueio AV completo. Isso pode ocorrer com atividade atrial regular sem condução ou com uma taquiarritmia atrial.

  • Bloqueio AV paroxístico: condução do nó AV normal seguida por bloqueio súbito da condução AV associado a uma longa pausa e várias ondas P bloqueadas, com a retomada subsequente da condução AV. Isso pode estar relacionado a anomalias subjacentes do nó AV ou de condução His-Purkinje ou à ativação parassimpática abrupta provocando o bloqueio na condução do nó AV. Neste último caso, geralmente ocorre lentificação na ativação sinusal.

  • Bloqueio AV vagotônico: lentificação do nó sinusal com prolongamento do intervalo PR seguida pelo bloqueio AV devido a aumento abrupto temporário no tônus parassimpático.

  • Bloqueio atrioventricular total congênito: geralmente associado a um ritmo de escape com complexo QRS estreito que surge no nó AV.

Ritmos de escape

Quando a frequência sinusal diminui ou há um bloqueio AV, outras estruturas cardíacas podem realizar a ativação devido a sua automaticidade intrínseca. A frequência do nó AV costuma ser entre 40 e 60 bpm, e a frequência ventricular entre 20 e 40 bpm.

  • Ritmo atrial ectópico: origina-se de estruturas atriais diferentes do nó sinusal durante bradicardia sinusal ou parada sinusal.

  • Ritmo juncional: ritmo de escape quando há bradicardia ou parada do nó sinusal ou ativação atrial. A ativação juncional pode ocorrer com ou sem bloqueio AV.[17]

  • Ritmo ventricular: um ritmo de escape dos ventrículos quando há bloqueio AV ou bradicardia sinusal.

Dissociação atrioventricular

  • A ativação atrial e ventricular ocorre em marca-passos diferentes. A ativação ventricular pode ocorrer a partir de automaticidade juncional ou infranodal. A dissociação AV pode ocorrer na presença de condução AV intacta, especialmente quando as frequências do marca-passo (juncional ou ventricular) ultrapassam a frequência atrial.

  • Os átrios e os ventrículos não são ativados de forma sincronizada, mas batem independentemente um do outro. Geralmente, a frequência ventricular é igual ou mais rápida que a frequência atrial. Quando a frequência atrial é mais rápida e os átrios e ventrículos batem de forma independente, o bloqueio atrioventricular total está presente.

  • A dissociação AV pode ser completa ou incompleta. Quando é incompleta, algumas ondas P são conduzidas e captam os ventrículos, mas, caso contrário, a dissociação é completa. A dissociação AV total mimetiza o bloqueio AV e tem relação com o tempo da onda P em relação à ativação ventricular independente.

  • Há dois tipos:

    • Isorrítmica: quando a frequência atrial é igual (ou praticamente igual) à frequência ventricular, mas a onda P não é conduzida

    • Interferência: quando as frequências de ondas P e complexos QRS são semelhantes, mas, ocasionalmente, os átrios conduzem para os ventrículos.

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