Abordagem
O principal objetivo do manejo é o tratamento da infecção do trato urinário (ITU) sintomática. O tratamento empírico com antibióticos deve ser guiado pelas diretrizes e pelas suscetibilidades bacterianas locais.[16][54][55]
ITU não complicada
Pacientes com uma ITU não complicada geralmente são mulheres saudáveis, sem anormalidades funcionais ou estruturais. Em mulheres adultas, não gestantes e saudáveis com cistite bacteriana aguda não complicada, um ciclo curto de terapêutica antimicrobiana geralmente é suficiente.[56]
A nitrofurantoína geralmente é uma terapia de primeira linha eficaz para cistite não complicada na maioria das mulheres, administrada por 5 dias.[1][57][58] As outras opções recomendadas incluem uma dose única de fosfomicina, ou um ciclo de 3 dias de sulfametoxazol/trimetoprima nas regiões onde a resistência da E coli é inferior a 20%.[1][58]
As opções de segunda linha incluem uma cefalosporina oral (por exemplo, cefalexina), um betalactâmico alternativo (por exemplo, amoxicilina/ácido clavulânico), ou um ciclo curto de uma fluoroquinolona (por exemplo, ciprofloxacino, levofloxacino).[1][16][59]
Em um ensaio clínico randomizado e controlado, mulheres com ITUs tratadas com ibuprofeno recuperaram sem qualquer necessidade de antibióticos.[60] O tratamento sintomático inicial pode ser discutido com mulheres dispostas a evitar o uso imediato de antibióticos e que estão preparadas para aceitar uma carga de sintomas potencialmente mais elevada. O tratamento sintomático com prescrição de antibióticos protelada usando-se um medicamento com baixo perfil de resistência (por exemplo, nitrofurantoína) aborda a necessidade de reduzir o consumo de antibióticos minimizando o risco de complicações.[61]
Além disso, deve-se levar em consideração o risco de efeitos colaterais dos antibióticos. Um risco de desenvolvimento de infecções por Clostridium difficile foi associado aos antibióticos de alto risco (clindamicina, carbapenêmicos, cefalosporinas, fluoroquinolonas), comparados a antibióticos de baixo risco (penicilinas, macrolídeos, sulfonamidas e trimetoprima, tetraciclinas).[62]
Os antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos podem causar eventos adversos graves, incapacitantes e potencialmente duradouros ou irreversíveis. Isso inclui, mas não está limitado a: tendinopatia/ruptura de tendão; neuropatia periférica; artropatia/artralgia; aneurisma e dissecção da aorta; regurgitação de valva cardíaca; disglicemia; e efeitos sobre o sistema nervoso central, incluindo convulsões, depressão, psicose e pensamentos e comportamento suicidas.[63]
Restrições de prescrição aplicam-se ao uso das fluoroquinolonas, e essas restrições podem variar entre os países. Em geral, o uso das fluoroquinolonas deve ser restrito apenas nas infecções bacterianas graves e com risco à vida. Algumas agências regulatórias também podem recomendar que eles sejam usados apenas em situações em que outros antibióticos comumente recomendados para a infecção sejam inadequados (por exemplo, resistência, contraindicações, falha do tratamento, indisponibilidade).
Consulte as diretrizes e a fonte de informações de medicamentos locais para obter mais informações sobre adequação, contraindicações e precauções.
ITU complicada
A ITU pode ser complicada por fatores que reduzem a eficácia da terapêutica antimicrobiana, como anormalidades estruturais ou funcionais do trato urinário, uma condição subjacente que interfira na defesa do hospedeiro e/ou patógenos nosocomiais ou resistentes a múltiplos medicamentos. Para ITUs complicadas, a cultura de urina e o teste de sensibilidade antimicrobiana são recomendados. A opção de tratamento deve ser baseada nas sensibilidades confirmadas. Em geral, adotam-se ciclos mais longos de antibióticos orais, em comparação com ITUs não complicadas.[1] Mulheres não gestantes com ITU febril podem ser tratadas de forma bem-sucedida com ciclo de 7 dias com os antibióticos adequados.[64]
As mulheres com ITU complicada, mas com sintomas leves, podem ser consideradas para tratamento ambulatorial. A hospitalização e a administração de antibióticos parenterais devem ser consideradas para as mulheres que, além dos sintomas típicos da ITU, apresentarem febre, contagem leucocitária elevada, êmese ou depleção de volume.[65][66]
A terapêutica antimicrobiana ideal para a ITUC depende da gravidade da doença na apresentação, bem como dos padrões de resistência local e fatores específicos do hospedeiro (por exemplo, alergias, doença renal crônica). A terapia empírica inicial de amplo espectro deve ser seguida pela administração de um agente antimicrobiano direcionado apropriado com base no uropatógeno isolado assim que os resultados da cultura estiverem disponíveis.[67]
As opções ambulatoriais podem incluir uma cefalosporina (por exemplo, cefpodoxima) ou uma fluoroquinolona, dependendo da resistência local. O sulfametoxazol/trimetoprima pode ser considerado como uma opção ambulatorial somente se a resistência local for baixa e em conjunto com uma dose intravenosa inicial de um antimicrobiano parenteral de ação prolongada (por exemplo, ceftriaxona).[55][67]
No entanto, a European Association of Urology (EAU) informa que a amoxicilina, amoxicilina/ácido clavulânico e sulfametoxazol/trimetoprima geralmente não são adequados para o tratamento empírico da ITUC quando se considera a resistência vigente. Da mesma forma, o ciprofloxacino e outras fluoroquinolonas não são escolhas adequadas em pacientes urológicos (devido ao aumento da resistência) e/ou se o paciente tiver usado fluoroquinolonas nos últimos 6 meses. As fluoroquinolonas só devem ser recomendadas como tratamento empírico quando o paciente não estiver gravemente enfermo e for considerado seguro iniciar o tratamento oral inicial, ou se o paciente tiver tido uma reação anafilática aos betalactâmicos. Consulte acima as preocupações com a segurança das fluoroquinolonas.[67]
Exemplos de esquema de antibioticoterapia parenteral adequado incluem um aminoglicosídeo (por exemplo, gentamicina) com ou sem ampicilina, uma cefalosporina de amplo espectro (por exemplo, ceftriaxona) com ou sem gentamicina, uma penicilina de amplo espectro (por exemplo, piperacilina/tazobactam), uma fluoroquinolona ou uma carbapenema (por exemplo, meropeném). A escolha depende dos dados de resistência local e dos resultados de suscetibilidade; consulte o seu protocolo local para obter orientação sobre a seleção do esquema de antibioticoterapia.[1][55][68]
Se a paciente apresentar hidronefrose subjacente, a etiologia da hidronefrose deverá ser avaliada e tratada com drenagem urgente. Do mesmo modo, se a paciente apresentar abscesso renal subjacente, este deverá ser drenado e tratado. Finalmente, se a ITU acometer um paciente com cateter ou stent ureteral, a troca do cateter ou stent deve ser fortemente considerada.[1]
ITU na gravidez
A ITU que ocorre na gravidez também é considerada uma ITU complicada. O tratamento antibiótico direcionado por 5-7 dias deve ser considerado para a cistite aguda na gravidez após uma cultura de urina.[69]
Os médicos devem considerar o risco apresentado por determinados antibióticos durante a gestação. As penicilinas, as cefalosporinas e a nitrofurantoína são consideradas seguras durante a gestação; no entanto, existem alguns dados que sugerem possíveis anomalias congênitas associadas à nitrofurantoína e ao sulfametoxazol/trimetoprima (uma sulfonamida), se usada no primeiro trimestre, mas os dados são contraditórios e o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) sugere que a nitrofurantoína e as sulfonamidas são escolhas razoáveis no primeiro trimestre se não houver alternativas adequadas disponíveis. O ACOG também observa que nitrofurantoína e sulfametoxazol/trimetoprima podem continuar como tratamento de primeira linha para ITU no segundo e terceiro trimestres.[69] A nitrofurantoína não é recomendada a termo devido ao risco de anemia hemolítica no bebê e também deve ser evitada em pacientes com deficiência conhecida de glicose-6-fosfato desidrogenase. Existem riscos de reações medicamentosas adversas pulmonares e hepáticas com a nitrofurantoína, e os médicos devem estar atentos a sinais e sintomas que possam necessitar de investigações adicionais.[70]
Se a terapia empírica for iniciada antes que as sensibilidades estejam disponíveis, o ACOG recomenda que os esquemas de amoxicilina ou ampicilina sejam evitados devido às altas taxas de resistência na Escherichia coli a esses antibióticos na maioria das regiões.[69] O sulfametoxazol/trimetoprima também deve ser evitado antes que os resultados da cultura estejam disponíveis nas regiões onde a resistência for conhecidamente acima de 20%.[69]
Os aminoglicosídeos e as fluoroquinolonas devem ser usados em gestantes somente quando os benefícios do tratamento superarem os riscos associados. Os riscos associados ao uso de aminoglicosídeos são principalmente nefrotoxicidade e ototoxicidade; porém, com dosagem apropriada e monitoramento dos níveis de vale sérico, muitos especialistas usam esses medicamentos na gravidez, uma vez que existem dados que dão suporte a seu uso.[71] Foram relatados casos clínicos de toxicidade fetal quando usada na gestação. Desse modo, é preciso cuidado. Anteriormente, havia preocupações sobre o uso de fluoroquinolonas na gestação devido a relatos de artropatia em estudos com animais; contudo, os relatos são raros em humanos.[72] Um especialista deve ser consultado para orientação durante a seleção de um esquema apropriado de antibioticoterapia em gestantes. Não se deve negar tratamento apropriado para infecções às gestantes porque infecções não tratadas geralmente podem causar sérias complicações maternas e fetais.[73]
Tais como as mulheres não gestantes, as gestantes com sintomas leves podem ser tratadas em ambiente ambulatorial. As opções de antibióticos orais incluem cefalexina, nitrofurantoína, amoxicilina/ácido clavulânico ou sulfametoxazol/trimetoprima (com as ressalvas mencionadas acima). Não há evidências suficientes para orientar o manejo após o tratamento da cistite aguda na gravidez, mas os médicos podem considerar repetir as culturas de urina 1 a 2 semanas após o término do tratamento para garantir que a infecção foi eliminada, ou avaliar apenas se os sintomas ressurgirem.[69]
A hospitalização e a administração de antibióticos parenterais devem ser consideradas para as gestantes que, além dos sintomas típicos de ITU, apresentarem febre, contagem leucocitária elevada, êmese ou depleção de volume. Os exemplos de esquemas antibióticos adequados para as gestantes com ITUC que exija hospitalização, ou com suspeita de pielonefrite, incluem ampicilina associada a gentamicina, ceftriaxona, cefepima ou aztreonam (nas pacientes com alergia a betalactâmicos). Após a melhora clínica, os pacientes devem passar a receber antibióticos orais apropriados com base na sensibilidade da cultura para completar um ciclo de 14 dias de terapia.[69]
Se a paciente apresentar hidronefrose sintomática subjacente, esta deverá ser tratada. Geralmente, o manejo conservador com analgesia, fluidoterapia intravenosa e antibióticos é suficiente na gravidez. A hidronefrose é uma condição fisiológica comum na gravidez e desaparece rapidamente após o parto. O abscesso renal é um achado incomum na gravidez. A etiologia subjacente deve ser avaliada, e o tratamento deve ser determinado com base nos dados encontrados e nos sintomas clínicos. A postergação do tratamento para depois do parto pode ser considerada.
ITU recorrente
A ITU recorrente (IRTU) é definida como dois episódios separados de comprovação por cultura de ITUs agudas e sintomas associados no período de 6 meses, ou três ou mais episódios em um período de 12 meses.[2]
A causa mais comum de IRTU em mulheres é a reinfecção, a qual pode ocorrer com intervalos de tempo e organismos causadores variados. A reinfecção geralmente não está relacionada a uma anormalidade urinária remediável e não requer avaliação urológica extensiva. Em contraste, as mulheres com persistência bacteriana (os mesmos organismos, mas com intervalos de tempo menores) devem ser cuidadosamente avaliadas. Elas podem ser curadas pela identificação e correção de uma anormalidade estrutural, como divertículo uretral, ou pela remoção de um nidus bacteriano, como um cálculo renal.
A prevenção da IRTU inclui aconselhamento sobre como evitar os fatores de risco, empregar medidas não antimicrobianas e, por fim, usar profilaxia antimicrobiana se estas não funcionarem.[67]
As opções de antibióticos para IRTU incluem antibióticos profiláticos pós-coito, antibióticos profiláticos diários em baixas doses, ou antibioticoterapia terapêutica autoadministrada.[67][74]
Se a relação sexual apresentar uma relação temporal com a ITU, a terapia pós-coito pode ser apropriada. A antibioticoterapia em dose única após a relação sexual demonstrou reduzir a incidência de infecção.[75]
O risco de IRTU pode ser reduzido com profilaxia antimicrobiana em doses baixas. Uma revisão sistemática e metanálise mostrou que o uso de antibióticos em longo prazo reduziu o risco de recorrência de ITU em 24% em mulheres menopausadas, sem aumento estatisticamente significativo no risco de eventos adversos.[76] A decisão de iniciar a profilaxia geralmente é baseada em julgamento clínico e na preferência do paciente.
O autodiagnóstico e a autoadministração de terapia são adequados nas pacientes com boa adesão terapêutica com história de IRTU e baixo risco de infecção sexualmente transmissível.[77] A terapia de autoadministração envolve a identificação dos sintomas de infecção pela paciente e o início do tratamento.[78] Uroculturas podem ser enviadas quando surgirem os sintomas de ITU para orientar o tratamento.
O tratamento da IRTU em mulheres menopausadas inclui o estrogênio intravaginal, o qual restaura a flora vaginal normal e reduz o risco de colonização vaginal por Escherichia coli.[79] A terapia estrogênica aplicada por via vaginal resulta em uma redução na incidência e um maior tempo até a recorrência de ITU nas mulheres hipoestrogênicas.[2] Nas mulheres com recorrências frequentes, convém adotar uma profilaxia adicional com antibiótico noturno em doses baixas. Em uma revisão sistemática, os antibióticos foram a terapia mais eficaz, mas foram associados a uma maior incidência de efeitos colaterais sistêmicos.[80] Existem dados que apoiam o uso de estrogênio vaginal na prevenção das ITUs; porém, ele é inferior à supressão contínua com antibióticos.[80] A European Medicines Agency (EMA) recomenda limitar o uso dos cremes vaginais com alta concentração de estradiol (contendo estradiol a 100 microgramas/g, ou 0.01%) a um único período de tratamento de até 4 semanas. Isso ocorreu porque os níveis de estradiol no sangue estavam acima dos níveis normais em mulheres menopausadas e podiam resultar em efeitos adversos similares aos observados na terapia de reposição hormonal (oral ou transdérmica) sistêmica (por exemplo, tromboembolismo venoso, AVC, câncer de endométrio, câncer de mama). Essa formulação não deve ser usada nas pacientes já submetidas à terapia de reposição hormonal.[81] Outras formulações de estrogênio vaginais estão disponíveis e podem ser preferíveis. As diretrizes da EAU apoiam o estrogênio tópico como tratamento preventivo para a IRTU em mulheres menopausadas. O estrogênio sistêmico oral não é considerado efetivo na prevenção da IRTU, e estudos mostram que ele não só é inefetivo como pode estar associado a efeitos adversos negativos.[67][82]
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