Etiologia

Acredita-se que a causa da doença de Legg-Calvé-Perthes (Perthes) envolva um ou vários eventos vasculares, seguidos por revascularização. Embora várias teorias tenham sido propostas ao longo dos anos, parece que a doença de Perthes é provavelmente multifatorial. Um estudo sugere que a idade de início corresponde a um padrão típico de doença infecciosa.[7] Nenhum padrão de hereditariedade foi identificado em pacientes afetados, e a frequência entre parentes é baixa.[8][9]

A cabeça femoral depende dos vasos epifisários laterais para seu suprimento de sangue entre os 4 e 7 anos de idade. A causa do infarto da cabeça femoral é controversa e pode ter origem arterial ou ocorrer devido à trombose venosa.[10][11][12] O suprimento de sangue arterial no lado afetado pode ser atenuado, com uma obstrução associada nas artérias capsulares superiores ou na artéria circunflexa medial.[13][14] Por outro lado, as veias da cabeça femoral têm calibre mediano, semelhantes às veias cutâneas ou cerebrais. Hipertensão venosa tem sido documentada nos pacientes afetados. No entanto, ainda não se sabe ao certo se a trombose é o evento primário ou se contribui para a doença junto com outras etiologias.[15][16][17][18][19][20] A anatomia vascular única de meninos entre 4 e 8 anos os deixa particularmente vulneráveis na presença de estados hipercoaguláveis e outros fatores.[21][22][23] Um evento pró-trombótico no contexto de um estado hipercoagulável pode ocasionar trombose e infarto da cabeça femoral.

A trombose vascular é incomum na pouca idade, mas pode ocorrer devido a um defeito genético, como resistência à proteína C ativada.[16]A proteína C é uma proteína pró-trombótica dependente de vitamina K que leva à redução de enzimas pró-coagulantes, fatores Xa e trombina, via fatores V e VIII.[24] O fator V de Leiden está envolvido no processo pró-trombótico em virtude de uma substituição que bloqueia a ligação da proteína C ativada ao fator V.[25][26] Não se sabe ao certo se a deficiência ocorre por causa da conversão ou resistência à forma ativada. No entanto, a deficiência de proteína C causa trombose em veias de calibre mediano que resulta em isquemia óssea e de cartilagem.[15][16][17][18][19][27][28]

Crianças com doença de Perthes apresentam calibre arterial pequeno e função reduzida, o que é independente da composição óssea.[29] Os vasos epifisários laterais passam nos retináculos e são suscetíveis a estiramento e pressão em caso de derrame.[21][22][23] A ligação causal entre a sinovite transitória e a doença de Perthes não foi estabelecida de maneira conclusiva. Basicamente, a sinovite transitória é uma doença benigna e, ocasionalmente, crianças com sintomas persistentes resistentes correm o risco de evoluir para a doença de Perthes.[30][31] A doença de Perthes demonstrou criar uma sinovite de quadril crônica com uma elevação significativa da interleucina (IL)-6 no líquido sinovial.[32] Pode haver um aumento associado na pressão intra-articular, com um evento vascular concomitante.[18]

Um fenótipo específico que é predisposto inclui estatura baixa, idade óssea atrasada e parada esquelética pré-puberal. Isso tem levado à hipótese de que uma endocrinopatia subjacente possa estar presente. No entanto, essas crianças têm uma estatura normal entre 12 e 15 anos de idade.[8][33][34] Níveis elevados de somatomedina A ou fator de crescimento semelhante à insulina (IGF) 2 sugerem que a doença de Perthes possa ser uma doença de transição do crescimento.[35][36][37] Contudo, os níveis de somatomedina C (IGF-1) são normais nesses pacientes.[38] Um grande estudo transversal e longitudinal de crianças clinicamente eutireoidianas com doença de Perthes revelou níveis significativamente elevados de tiroxina livre (T4) e tri-iodotironina (T3) em comparação com controles normais, especialmente em pacientes com maior comprometimento da cabeça do fêmur.[10][39] Uma renovação óssea reduzida também é observada, embora não se saiba ao certo se isso é causa ou efeito.[40]

A doença de Perthes é mais comum em pacientes com displasias esqueléticas. Também existe uma associação entre a doença de Perthes e o transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH).[34][41] Tabagismo passivo em um ambiente domiciliar e/ou tabagismo materno durante a gestação podem ser fatores contribuintes.[42][15][19][43][44] A doença de Perthes é uma condição não traumática, embora uma história de pequeno trauma possa ser observada.

Fisiopatologia

Entender a fisiopatologia da doença de Perthes tem sido um grande desafio desde sua primeira descrição. A doença passa por 4 estágios em 2 a 4 anos depois da primeira manifestação:

  • Estágio 1, isquemia: um setor variável da cabeça do fêmur é envolvido dependendo da gravidade. A epífise femoral para de crescer durante esse período que dura de 6 a 12 meses. As radiografias podem parecer normais, mas a cartilagem articular continua crescendo e aumenta de espessura, causando alterações sutis. Isso é evidente como "sinal de Waldenstrom" (aumento do espaço da articulação e pseudossubluxação leve aparente) na radiografia.[28]

  • Estágio 2, reabsorção, fragmentação, revascularização e reparo: uma fratura subcondral pode ser observada nos estágios iniciais na área afetada (sinal crescente, de Salter ou Caffrey). Fragmentos trabeculares mortos são reabsorvidos e substituídos por um tecido fibroso que pode se calcificar. A perda do apoio estrutural ocorre em decorrência da reabsorção do osso canceloso subjacente na epífise femoral proximal. Isso leva à deformação dessa epífise quando submetida a forças normais de sustentação de peso por meio da articulação do quadril.[45] O osso é revascularizado com novas lamelas depositadas nas trabéculas mortas resultando no núcleo ósseo necrótico que parece fragmentado.[45] A reabsorção geralmente é concluída depois de 12 a 18 meses. Cistos aparecem na metáfise femoral proximal; o aumento da gravidade pode levar à osteólise da parte superolateral da cabeça femoral (sinal de Gage na radiografia).

  • Estágio 3, reossificação e resolução: a reossificação tipicamente começa na margem epifisária (ossificação paraepifisária). Ocasionalmente, a reossificação por meio da matéria resulta em uma ponte óssea que leva à parada do crescimento no colo do fêmur. A resolução geralmente é concluída em 6 a 24 meses e resulta em cicatrização ou uma deformidade residual nos casos mais graves.[46]

  • Estágio 4, remodelagem: o colapso da cabeça do fêmur durante a remodelagem pode ocasionar achatamento e distorção da cabeça. Cinco classes de alterações estruturais da articulação do quadril, baseadas na esfericidade da cabeça do fêmur e na congruência acetabular associada, têm sido descritas.[47] Essas classes estão intimamente ligadas ao prognóstico final das alterações degenerativas na articulação do quadril e demonstram que a esfericidade não é uma variável prognóstica tão importante quanto a congruência da articulação do quadril. Uma cabeça femoral asférica com uma boa congruência da articulação causará uma osteoartrite de quadril moderada, no pior caso. No entanto, uma articulação incongruente asférica geralmente provocará osteoartrite grave em uma idade mais jovem.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Classificação de Stulberg e prognóstico de futura artrite do quadrilDo acervo pessoal de Jwalant S. Mehta, MS (Orth), MCh (Orth), FRCS, FRCS (Orth) [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@123fea02

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