Abordagem

Tipicamente, os lactentes tornam-se sintomáticos durante os primeiros dias de vida.[27]​ Ocasionalmente, uma criança pode apresentar manifestações clínicas mínimas ou ausentes durante o período neonatal e exibir episódios moderados e intermitentes de sintomas posteriormente na vida. Crianças com mais de 12 meses geralmente apresentam constipação refratária ao tratamento clínico.

O tratamento varia dependendo do tipo da doença:

  • O tratamento inicial da doença de segmento curto e longo é semelhante, pois a extensão da doença não é conhecida até a confirmação da patologia. Bebês com doença de segmento curto (retossigmoide) podem ser submetidos a um procedimento cirúrgico definitivo no momento do diagnóstico ou ser tratados com irrigações, com cirurgia definitiva ocorrendo dentro de 2 a 3 meses.[27]

  • Bebês com doença colônica total ou de segmento longo (aganglionose de todo o cólon) geralmente não respondem bem às irrigações e precisarão passar por biópsias de mapeamento colônico e ileostomia ou colostomia.[1][27][59] A cirurgia definitiva (colectomia total ou subtotal com anastomose ileoanal ou coloanal) é realizada quando a saída do estoma é de consistência mais espessa, o que normalmente ocorre por volta de um ano de idade, quando a criança já fez a transição completa para alimentos sólidos.[1]

  • Em crianças com enterocolite associada à doença de Hirschsprung (EADH), as irrigações são feitas agressivamente, juntamente com fluidoterapia intravenosa e antibióticos (por exemplo, metronidazol) para melhorar a condição clínica. Em casos raros, as irrigações não melhoram a distensão abdominal e é necessário uma ostomia.[27]

  • O tratamento da doença do segmento ultracurto é fonte de controvérsia, pois há discussões sobre a existência desse subtipo. Consulte Critérios de diagnóstico.

O tratamento cirúrgico definitivo mudou de uma abordagem em 3 etapas ao longo de 6 a 8 meses para uma cirurgia de etapa única efetuada no período neonatal. Uma cirurgia de etapa única deve ser realizada por um cirurgião com experiência nessa modalidade de tratamento. Essa mudança resultou do desenvolvimento da abordagem transanal e laparoscópica, bem como dos avanços nos cuidados neonatais. A cirurgia deve ser realizada em um ambiente ideal que inclua um anestesiologista e uma unidade de terapia intensiva neonatais.

Doença de segmento curto (retossigmoide) ou de segmento longo

Na doença de segmento curto, o segmento aganglionar inclui o reto e grande parte do cólon sigmoide e compreende 80% a 85% dos casos.[5] Na doença de segmento longo, o segmento aganglionar se estende além do cólon descendente sigmoide (embora essa definição varie entre os estudos) e compreende até 20% dos casos.[4][6]​ O tratamento inicial da doença de segmento curto e longo é semelhante, pois a extensão da doença não é conhecida até a confirmação da patologia.

Irrigação intestinal

  • Todos os pacientes recebem irrigações no período neonatal para tratar a distensão abdominal antes de realizar a cirurgia.[11] As orientações sugerem de 1 a 3 irrigações por dia.[27] A irrigação pode não ser eficaz em pacientes com doença colônica total ou de segmento longo.[27]

  • É extremamente importante esclarecer a diferença entre uma irrigação e um enema. A confusão entre estes dois termos pode ser perigosa para bebês com doença de Hirschsprung. Um enema é um procedimento no qual uma determinada quantidade de fluido contendo ingredientes irritantes é gotejada no reto e no cólon de modo a provocar um movimento intestinal. Espera-se que este volume seja expelido espontaneamente. A irrigação retal, por outro lado, é um procedimento no qual um dreno de grosso calibre (20-24 F) é introduzido no reto, e pequenas quantidades de soro fisiológico (10-20 mL) são gotejadas no lúmen do dreno com o intuito de limpá-lo. Espera-se que o conteúdo líquido retal e colônico escoe pelo lúmen do dreno. O dreno é então girado em diferentes direções e movido para frente e para trás. O operador continua a gotejar pequenas quantidades de soro fisiológico, possibilitando a evacuação de gazes e fezes líquidas através do dreno.

  • As crianças com doença de Hirschsprung apresentam alteração muito grave da motilidade intestinal. Isto significa que um enema pode agravar o quadro clínico ao invés de ajudar, uma vez que não há capacidade para expelir o volume de fluido infundido. Com a irrigação, o paciente se beneficia da evacuação do conteúdo do retossigmoide pelo lúmen do dreno, uma vez que a obstrução distal é vencida pelo dreno.

  • Pode ocorrer EADH com distensão abdominal e estase fecal prolongadas. A estase produz supercrescimento bacteriano, o que leva a translocação bacteriana e diarreia secretora. A EADH pode resultar em hipovolemia, choque relacionado à endotoxina e sepse, tornando o tratamento imediato crucial, pois é a principal causa de morte na doença de Hirschsprung.[11][12][13]​ A suspeita de EADH deve ser clínica. Consulte Critérios de diagnóstico. A irrigação intestinal com soro fisiológico é um procedimento extremamente valioso no manejo emergencial da EADH.[11]​ Ao descomprimir o intestino, o procedimento pode melhorar de maneira dramática a saúde de um lactente muito enfermo. Esses pacientes também devem receber fluidoterapia intravenosa e antibióticos (por exemplo, metronidazol). Inicialmente, as crianças são mantidas em jejum até que comecem a melhorar. Em crianças com mais idade, antibióticos orais podem ser administrados quando elas começarem a melhorar e não estiverem mais em jejum.

Derivação intestinal

  • Colostomia ou ileostomia é necessária quando a criança apresentar EADH intratável, perfuração do intestino ou distensão abdominal sem resposta clínica a irrigações.[27]

  • Uma ileostomia ou colostomia transversa direita é um método seguro e eficaz para descompressão do cólon. Esta é uma opção particularmente útil em situações de emergência, por exemplo, se não houver patologistas pediátricos disponíveis para definir o nível exato da zona de transição (onde as células ganglionares circunferenciais são identificadas). Usando esta localização para o estoma, o risco de errar a abertura da colostomia em uma área aganglionar é bastante reduzido. Uma vantagem particular é que o lado esquerdo do cólon permanece intocado, permitindo uma futura ressecção do segmento aganglionar e a remoção do cólon ganglionar normal. A desvantagem é que o procedimento envolve o cirurgião em um procedimento de 3 etapas.

  • De forma alternativa, uma colostomia de nivelamento pode ser realizada. Trata-se de uma colostomia colocada no início da porção ganglionar do cólon, onde também não há nervos hipertróficos. Isso obriga o cirurgião a abaixar a colostomia no momento do reparo definitivo, privando o paciente da proteção de uma derivação proximal. A vantagem dessa abordagem é que a criança precisará de apenas um procedimento de 2 etapas.

  • Uma ostomia também deve ser considerada em neonatos muito enfermos, de baixo peso ao nascer ou naqueles que sofrem de defeitos associados ou afecções clínicas graves concomitantes. Esses indivíduos podem se beneficiar de uma derivação fecal inicial.

Cirurgia definitiva

  • Geralmente, recomenda-se que os pacientes sejam submetidos a um procedimento cirúrgico primário definitivo transanal isolado ou a um procedimento laparoscópico sem uma colostomia prévia.[60][61][62][63]​​ A vantagem desses procedimentos é limitar o número de cirurgias (isto é, a criação e o fechamento da colostomia) e evitar possível morbidade relacionada. Diversos relatórios publicados demonstraram que não há diferença na taxa de complicações associadas à cirurgia neonatal quando uma colostomia protetora não é empregada.[64][65][66]​​ O procedimento também pode ser adiado por até 2 a 3 meses, enquanto o paciente é tratado principalmente com irrigações.[1][67][68]​​

  • Há diversos tipos de cirurgias que são empregadas e todas seguem o princípio cirúrgico básico de remover o segmento aganglionar e abaixar o intestino ganglionar normal.[2] Existem três opções técnicas principais para o procedimento de abaixamento do cólon:[69][70]

    • A cirurgia de Swenson é uma excisão de espessura total do reto e do intestino aganglionar remanescente.[63][71][72][73]​ A sua descrição original, envolvia acessar o abdome por meio de uma incisão de Pfannenstiel, seguida por uma dissecção da espessura total do sigmoide e do reto aganglionares.[74] Agora, todo esse procedimento pode ser realizado com a abordagem transanal.[63][73][75][76] A incisão abdominal pode ser evitada em muitos casos, ou substituída por laparoscopia. A ocorrência de incontinência fecal e urinária, bem como de disfunção erétil, que pareciam ser resultantes de uma lesão no nervo provocada durante a dissecção retal agressiva, levou ao desenvolvimento dos procedimentos de Yancey-Soave e Duhamel em uma tentativa de evitar essas complicações.​​

    • O procedimento de Yancey-Soave consiste na ressecção da camada mucosa do intestino distal (ressecção endorretal), deixando intacta uma bainha seromuscular e abaixando o cólon ganglionar normal para o interior da bainha.[77][78]​​ Teoricamente, ele minimiza o risco de potencial lesão a importantes estruturas pélvicas vizinhas durante a dissecção retal.[69][79]

    • O procedimento de Duhamel consiste em abaixar o intestino normal (isto é, ganglionar) (geralmente acima da porção mais dilatada) através de um espaço pré-sacral que foi criado por dissecção romba, e em conectar esse lúmen ao reto original, mantido em sua posição anterior.[80] Ele evita a extensa dissecção pélvica necessária na operação de Swenson, preservando o reto aganglionar distal, dividindo o intestino na reflexão peritoneal o mais distalmente possível. O coto retal é, então, fechado e o cólon ganglionar normal é abaixado através de um caminho pré-sacral e anastomosado até a parede posterior do reto, acima da linha pectínea.[70] Uma ampla janela é criada com um grampeador entre a parede retal posterior e a parede anterior do intestino ganglionar normal. O fato do canal anal não ser afetado provavelmente contribui para a incidência extremamente baixa de incontinência fecal; entretanto, a "bolsa" (reto aganglionar) de Duhamel geralmente se torna dilatada, resultando em constipação grave.​​

  • Para determinar a porção do cólon a ser abaixada, biópsias de espessura total são efetuadas e enviadas para exame patológico, em busca de células ganglionares e da ausência de nervos hipertróficos (espessura mínima de 40 micrômetros). A biópsia deve obter um espécime de espessura total, incluindo a submucosa (é possível que haja células ganglionares na lâmina muscular da mucosa e nervos hipertróficos na submucosa).[35] Se não houver células ganglionares além da flexura esplênica, biópsias de todo o cólon devem ser enviadas e uma ileostomia deve ser realizada, pois esses pacientes são considerados portadores de doença de segmento longo. Se for realizado um abaixamento do cólon, a anastomose deve estar 5 cm proximal à biópsia com células ganglionares.[81] O intestino ganglionar normal é anastomosado por via transanal ao canal anal 1 cm a 2 cm acima da linha pectínea. Na maioria dos pacientes, a zona de transição está localizada no cólon sigmoide, o que possibilita o reparo do defeito inteiro usando-se apenas a abordagem transanal, sem necessidade de laparotomia ou laparoscopia. Entretanto, quando a zona de transição estiver localizada mais acima, ou se o cirurgião não se sentir seguro para conduzir essa dissecção mais acima a partir de baixo, um procedimento por via aberta ou assistido por laparoscopia será necessário para mobilizar o cólon.

  • Se a derivação intestinal tiver sido necessária, depois que a criança estiver bem, a reconstrução poderá ser planejada. Se a colostomia foi de nivelamento, significando que ela foi colocada em posição proximal à zona de transição, ela poderá ser abaixada e o intestino aganglionar distal, removido. Se a colostomia foi colocada em direção mais proximal, ou se uma ileostomia foi criada, é possível realizar um abaixamento usando o cólon ganglionar normal em posição proximal à zona de transição e, subsequentemente, o estoma poderá ser fechado em um terceiro estágio.

  • As diretrizes não recomendam nenhuma técnica de abaixamento do cólon em detrimento de outras para doenças de segmento curto ou longo; todas as três principais abordagens cirúrgicas têm vantagens e complicações potenciais.[1]​​[4][27]

  • As diretrizes recomendam uma dose de antibióticos de amplo espectro intravenosos no pré-operatório; consulte os protocolos locais.[27]

Aganglionose colônica total (ACT)

A ACT continua sendo um sério desafio cirúrgico. As irrigações geralmente não funcionam para pacientes com ACT porque é difícil alcançar o intestino delgado dilatado. O paciente precisará de biópsias de mapeamento do cólon e uma ileostomia.[1][4]​​[11][59]​​​ A cirurgia definitiva (colectomia total ou subtotal com anastomose ileoanal ou coloanal) é realizada quando a saída do estoma da ostomia é de consistência mais espessa, o que normalmente ocorre por volta de um ano de idade, quando a criança já fez a transição completa para alimentos sólidos.[1][59]

Um consenso de especialistas de 2024 sobre o tratamento cirúrgico de ACT não favoreceu nenhuma técnica de abaixamento do cólon em detrimento de outras e, em vez disso, recomenda que a técnica seja escolhida com base na experiência do cirurgião.[59]​ Todas as três principais abordagens cirúrgicas têm vantagens e complicações potenciais.[1]​ Os procedimentos cirúrgicos mais comumente realizados para tratar ACT incluem bolsa em J com anastomose ileoanal (AIAJ), anastomose ileoanal reta (AIAR) e a técnica de Duhamel.[82]

As diretrizes recomendam uma dose de antibióticos de amplo espectro intravenosos no pré-operatório; consulte os protocolos locais.[27]

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