Abordagem

O tratamento da polipose adenomatosa familiar (PAF) é orientado pela vigilância colonoscópica e pela presença de adenomas.

A proctocolectomia profilática é a principal maneira de prevenir o câncer colorretal na PAF.

Colonoscopia de vigilância

Pacientes com história familiar de PAF/PAF atenuada (PAFA) positivos para polipose adenomatosa do cólon (APC) devem ser submetidos à colonoscopia de vigilância para identificar e/ou monitorar adenomas colônicos.[9][24][30][37][38]

Para pacientes com PAF, a National Comprehensive Cancer Network (NCCN) orienta que a colonoscopia deve ser oferecida a partir dos 10 a 15 anos de idade. Outras orientações, inclusive da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, recomendam que essa vigilância pode começar um pouco depois, a partir dos 12 anos de idade.[24][30][37] Para pacientes com PAFA, a vigilância colonoscópica deve começar no fim da adolescência, geralmente até os 20 anos de idade.[9][37]

A frequência da vigilância colônica é individualizada, dependendo do fenótipo colônico, e, normalmente, é realizada entre cada 1 e 3 anos.[9][24][37] A presença de sintomas de alerta, como anemia, sangramento retal, aumento dos movimentos intestinais e secreção de muco, deve justificar a colonoscopia de urgência para qualquer paciente, independente da idade ou do fenótipo colônico.[24][37]

Não há um consenso unificado em relação às indicações absolutas ou relativas para cirurgia. Em pacientes com PAF, a cirurgia geralmente é recomendada após a detecção de adenomas colônicos, mas o momento deve ser individualizado e depende da distribuição, do tamanho e da histologia dos pólipos colorretais.[24][28]​ Em caso de PAFA, a cirurgia é amplamente guiada pela carga do adenoma, e não pela presença de adenoma.[9]

O American College of Gastroenterologists orienta que as indicações absolutas para cirurgia colorretal imediata em pacientes com PAF, ou PAF atenuada, incluem:[29]

  • Câncer colorretal documental ou suspeito

  • Sintomas significativos relacionados à neoplasia colônica (por exemplo, hemorragia digestiva)

Essas indicações também têm o suporte da British Association of Gastroenterology e da Association of Coloproctology of Great Britain and Ireland.[30]

As indicações relativas de cirurgia incluem:[29]

  • Presença de múltiplos adenomas >6 mm

  • Aumento significativo no número de adenomas

  • Presença de adenoma com displasia de alto grau

  • Incapacidade de examinar adequadamente o cólon devido a múltiplos pólipos diminutos

O European Hereditary Tumor Group (EHTG) e a European Society of Coloproctology (ESCP) recomendam que, para pacientes com PAF, as indicações de cirurgia colorretal imediata incluem:[37]

  • Determinados tipos de câncer ou suspeita de câncer

  • Sintomas graves de polipose

  • Doença grave (>1000 pólipos identificados na colonoscopia)

  • Características histológicas desfavoráveis (por exemplo, adenoma viloso)

As indicações para a cirurgia planejada incluem:[37]

  • Pólipo >10 mm de diâmetro

  • Características histológicas favoráveis

  • Aumento considerável do número de pólipos entre os exames

  • Doença esparsa (100-1000 pólipos)

Cirurgia para PAF

A proctocolectomia total com anastomose íleo-anal com bolsa (AIAB) é a cirurgia preferencial para a maioria dos pacientes com PAF, pois previne o câncer retal.[9]​ Entretanto, alguns pacientes podem precisar (ou escolher) a colectomia abdominal total com anastomose ileorretal ou a proctocolectomia total com ileostomia terminal permanente.

Proctocolectomia total com anastomose íleo-anal com bolsa (AIAB)

Esse procedimento é oferecido aos pacientes com PAF clássica, pacientes com PAF atenuada com muitos pólipos, que resultam em um tapete no reto, aqueles com câncer retal curável que complica a polipose, e aqueles que foram submetidos a anastomose ileorretal e agora têm reto instável em termos de número, tamanho ou histologia dos pólipos. Geralmente, o procedimento não é oferecido aos pacientes com câncer incurável, aqueles com desmoide intra-abdominal que pode interferir na conclusão da cirurgia, aqueles com contraindicações anatômicas, fisiológicas ou patológicas a uma AIAB, ou quando há preocupação relativa à capacidade dos pacientes de participarem da vigilância endoscópica rigorosa após a cirurgia.[9]

As vantagens da proctocolectomia total com anastomose íleo-anal com bolsa (AIAB) são: o risco de desenvolver câncer retal é insignificante e não é necessário estoma permanente. As desvantagens são: é uma operação complexa, geralmente é necessário estoma permanente e há um pequeno risco de disfunção vesical ou sexual e de lesão no esfíncter anal. A função intestinal, embora geralmente razoável, também é um pouco imprevisível. A bolsa ileal requer vigilância, e a área da AIAB ainda deve ser examinada devido ao fato de que ainda pode haver mucosa da zona transicional anal residual.[9] A mucosectomia para maximizar a remoção da mucosa retal pode ser considerada na AIAB.[39]

Podem ser usadas técnicas de AIAB suturada à mão ou grampeada. A AIAB suturada à mão envolve a remoção de toda a mucosa colorretal e, portanto, está associada com a redução do risco de pólipos pós-operatórios na zona transicional anal, em comparação com a anastomose grampeada. Ela pode ser a técnica de primeira escolha para AIAB para pacientes selecionados com PAF.[40] Isto incluiria pacientes com pólipos na zona transicional que podem ser difíceis de remover sem mucosectomia. Dados retrospectivos de um registro grande, prospectivo, genético institucional de pacientes com PAF demonstraram que, apesar da AIAB grampeada ter uma incidência maior de pólipos na zona transicional anal que necessitam de tratamento, comparada à AIAB suturada à mão, a incidência de adenocarcinoma na zona transicional anal foi similar entre os dois grupos.[41] A anastomose grampeada está associada com melhor função intestinal em longo prazo que a anastomose suturada à mão. Portanto, ela é a técnica de preferência para o manejo cirúrgico de pacientes com PAF em alguns centros.[41]

Há evidência de que a AIAB laparoscópica é um procedimento seguro e praticável, embora sejam necessários estudos amplos e de boa qualidade que examinam as diferenças entre abordagens laparoscópicas e abertas em termos de complicações pós-operatórias, aspeto, qualidade de vida e custos.[42][43][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ileostomia de Brooke na polipose adenomatosa familiar: risco de adenomaDo acervo pessoal de Lisa A. Boardman, MD; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5e22c13e

Pacientes do sexo feminino devem ser informadas que a AIAB está associada a um aumento da infertilidade.[44] Para pacientes submetidos a IPPA, uma endoscopia da bolsa ileal anual é necessária para a vigilância de pólipos na bolsa.[45]

Colectomia abdominal total com anastomose ileorretal (AIR)

É uma opção para pacientes com PAF com poucos ou nenhum adenoma retal.[12][28]​​​ Como quase um quarto dos pacientes com PAF tratados com AIR desenvolve câncer retal na mucosa retal retida sem acompanhamento, os pacientes que passam por esse procedimento precisam de retoscopia anual.[9]​ Em um estudo, 13% dos pacientes com PAF tratados com AIR desenvolveram câncer retal, em média 10 anos após a cirurgia.[46] O risco de desenvolver câncer no coto retal aumenta consideravelmente após os 50 anos de idade. Se o reto se tornar instável, a proctectomia com AIAB ou ileostomia terminal é recomendada.[9]​ Os benefícios da AIAB versus AIR devem ser discutidos de maneira detalhada com o paciente.[44][47][48]

Pacientes com anastomose ileorretal (AIR) apresentam melhor continência e função intestinal após a cirurgia, em comparação com pacientes com AIAB.[49]

Mulheres em idade fértil podem escolher a anastomose ileorretal (AIR) até depois da maternidade, quando elas podem passar para a AIAB.

Conversão da AIR em AIAB

Em alguns casos, a AIR pode ser convertida em AIAB. Esse foi o caso em 8% dos pacientes em uma revisão retrospectiva de pacientes com PAF. Além do aumento do risco de infecção da ferida em 9% dos que foram convertidos para AIAB em comparação a <1% com AIAB como primeira operação, nenhuma outra complicação significativa foi associada à AIAB após uma anastomose ileorretal (IRA).[50]

Proctocolectomia com ileostomia terminal

Ela é raramente indicada como procedimento profilático porque há abordagens alternativas disponíveis que não envolvem um estoma permanente. A proctocolectomia com ileostomia terminal remove todo o risco de câncer retal, mas está associada a risco de disfunção vesical ou sexual. Ela pode ser oferecida a pacientes com câncer retal baixo, localmente avançado, pacientes que não puderem ter bolsa ileal devido a um tumor desmoide, pacientes com bolsa ileal com mau funcionamento, pacientes com contraindicação à AIAB (por exemplo, doença de Crohn concomitante, função esfincteriana comprometida), e pacientes nos quais houver relativa preocupação quanto à participação em uma vigilância endoscópica rigorosa após a cirurgia. A proctocolectomia com ileostomia continente é oferecida aos pacientes motivados a evitarem uma ileostomia terminal por não poderem realizar proctocolectomia com AIAB (por exemplo, pacientes que já tiverem passado por cirurgia pélvica prévia ou tido encurtamento mesentérico) ou que apresentarem mau funcionamento da AIAB. Trata-se de uma operação complexa com risco significativo de reoperação.[9]

Manejo de tumores desmoides

Os tumores desmoides intra-abdominais são uma das principais causas de morte em pacientes com PAF.[51]

Os tumores desmoides têm comportamento imprevisível com biologia mal compreendida, resultando na falta de terapias médicas e cirúrgicas padronizadas. O manejo de desmoides é difícil e geralmente há recorrência, apesar do tratamento. Pacientes com PAF e tumores desmoides devem ser encaminhados a centros especializados no manejo de tumores desmoides.

A terapia farmacológica geralmente é a abordagem inicial de primeira escolha.[28] A cirurgia pode estimular o crescimento do tumor desmoide intra-abdominal em pacientes com PAF e, normalmente, só é oferecida para pacientes sintomáticos que não apresentam resposta à terapia medicamentosa inicial.[28]

Sistemas de estadiamento de desmoide intra-abdominal foram desenvolvidos para ajudar a predizer a mortalidade associada. A sobrevida de cinco anos de pacientes com tumor desmoide intra-abdominal em estádio I, II, III e IV foi de 95%, 100%, 89% e 76%, respectivamente (P <0.001). Dor intensa, dependência de opioides, tamanho de tumor maior que 10 cm e a necessidade de nutrição parenteral total são fatores que ajudaram a definir mais detalhadamente a sobrevida em cada estádio. A taxa de sobrevida de 5 anos de um paciente em estádio IV com todos os fatores de risco mencionados acima foi de apenas 53%.[52]

Os tratamentos disponíveis incluem inibidores de ciclo-oxigenase (COX)-2 (por exemplo, celecoxibe) ou inibidores de COX-1 e COX-2 combinados (por exemplo, sulindaco), antiestrogênios (por exemplo, tamoxifeno), quimioterapia e radioterapia, e cirurgia. Imatinibe foi associado com a resposta parcial e a estabilização do crescimento, mesmo em tumores desmoides que não apresentam mutações aparentes no oncogene KIT-tirosina quinase.[53]​ Não há ensaios controlados comparando essas várias modalidades de tratamento. Complicando nosso entendimento do impacto desses tratamentos está o fenômeno de regressão espontânea de desmoides, que pode ocorrer em até 10% dos casos.[54][55]

Manejo de pólipos duodenais

Em mais de 90% dos pacientes com PAF, há desenvolvimento de polipose adenomatosa duodenal. A vigilância do trato gastrointestinal superior com endoscopia é um aspecto importante do manejo, pois o câncer duodenal pode se desenvolver em até 10% dos pacientes.[9]

Os critérios de Spigelman são usados para avaliar a gravidade dos pólipos:[36]

  • Número de pólipo duodenal/periampular (1-4 = 1 ponto; 5-20 = 2 pontos; >20 = 3 pontos)

  • Tamanho (1-4 mm = 1 ponto; 5-10 mm = 2 pontos; >10 mm = 3 pontos)

  • Histologia (tubular = 1 ponto; tubulovilosa = 2 pontos; vilosa = 3 pontos)

  • Grau de displasia (baixo grau = 1 ponto; alto grau = 3 pontos).

Um escore de 0 ponto é classificado como doença em estágio 0; 1 a 4 pontos é classificado como doença em estágio 1; 5 a 6 pontos é classificado como doença em estágio 2; 7 a 8 pontos é classificado como doença em estágio 3, e 9 a 12 pontos é classificado como doença em estágio 4.

Pacientes em risco com adenomas colorretais, bem como portadores do gene da APC, devem realizar endoscopias digestivas altas com visão lateral e frontal pelo menos a cada 5 anos.

A American Society of Colon and Rectal Surgeons e a National Comprehensive Cancer Network recomendam que o rastreamento para adenomas duodenais comece aos 20-25 anos de idade, embora possa ser oferecido a pacientes mais novos se houver história familiar de câncer duodenal ou carga significativa de pólipos duodenais.[9][28][30]​​​​​​​​ O American College of Gastroenterologists e a European Society of Medical Oncology recomendam começar mais tarde, entre 25-30 anos de idade.[29][30][56]​​​​​ A endoscopia deve ser repetida a cada 4-5 anos, até que sejam encontrados pólipos.[29][56]

Assim que os pólipos se desenvolverem, os critérios de Spigelman devem ser usados para determinar os intervalos de vigilância adequados:[36]

  • Estádio 0: 3-5 anos

  • Estádio 1: 2-3 anos

  • Estádio 2: 1-2 anos

  • Estádio 3: 6-12 meses

  • Estádio 4: a vigilância deve ocorrer a cada 3-6 meses, juntamente com apoio cirúrgico para a consideração de duodenectomia.[9]

Pacientes com polipose avançada devem ser encaminhados a centros especializados para serem atendidos por endoscopistas com experiência em PAF.[9] O tratamento endoscópico é usado para a redução do estágio, com o objetivo de protelar a evolução para o estágio 4 da doença. As terapias endoscópicas para adenomas duodenais incluem polipectomia, ressecção endoscópica de mucosa e ablação.[12]

Não há evidências suficientes para o benefício da quimioprevenção no tratamento de pólipos duodenais. Os pacientes devem ser encaminhados para centros especializados para que sua inscrição em um ensaio clínico seja considerada, caso tenham interesse na quimioprevenção. Atualmente, não há medicamentos aprovados para a prevenção ou a regressão de adenomas duodenais.[9]

Manejo da PAF atenuada

A eliminação frequente do adenoma colonoscópico pode ser adequada para pacientes com baixa carga de pólipos.[40][48][57][58][59]​ Isso geralmente é definido como a presença de >20 adenomas (todos com <1 cm de diâmetro) sem histologia avançada.[9]

Quando a carga de adenomas não puder ser tratada endoscopicamente, deve-se oferecer a cirurgia. Isso normalmente ocorre quando a carga do pólipo é >20 (em qualquer exame físico individual), os pólipos foram previamente ablados, alguns pólipos têm >1 cm de tamanho, ou é observada histologia avançada em qualquer pólipo.[9]

A escolha da cirurgia na PAF atenuada é individualizada com base na idade do paciente, história de cirúrgica prévia, localização dos pólipos e preferências do paciente.[48] Na maioria dos casos, os adenomas retais são poucos, por isso a colectomia com uma anastomose ileorretal (AIR) e vigilância vitalícia e contínua do reto é o manejo de escolha.

Quimioprevenção

A quimioprevenção pode ser considerada como adjuvante no manejo do reto retido ou bolsa ileal em pacientes selecionados com PAF/PAFA após a cirurgia profilática.[9][28]​ Os dados disponíveis sugerem que sulindaco é o medicamento mais potente para a regressão de pólipos; no entanto, ainda não se sabe se a diminuição da carga de pólipos reduz o risco de câncer colorretal.[9][60]

Os pacientes devem ser encaminhados para centros especializados para que sua inscrição em um ensaio clínico seja considerada, caso tenham interesse na quimioprevenção. Atualmente, não há medicamentos aprovados para essa indicação.

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