Abordagem
Nem todos os pacientes com gastroparesia são hospitalizados; no entanto, a maioria dos pacientes é internada pelo menos uma vez ao longo da vida com um episódio agudo de náuseas e vômitos graves. Um dos principais objetivos do tratamento é otimizar o esquema terapêutico ambulatorial para evitar a internação. A abordagem geral do tratamento pode ser considerada como duas fases:[1]
Correção de fluidos, eletrólitos e deficiências nutricionais se necessário
Redução dos sintomas.
Correção de anormalidades bioquímicas
A desidratação e as anormalidades eletrolíticas podem ser corrigidas com a administração intravenosa de fluidos e eletrólitos apropriados: por exemplo, potássio. A hiperglicemia aguda atrasa o esvaziamento gástrico; recomenda-se corrigir a hiperglicemia nos pacientes com diabetes.[1][57] O monitoramento de glicose contínuo e/ou bomba de insulina pode ajudar a dosar e cronometrar a administração de insulina para pacientes com diabetes do tipo 1 ou diabetes do tipo 2 que requeira insulina.[57] Corrigir deficiências nutricionais é um objetivo do tratamento em longo prazo.
Controle dos sintomas
Intervenções alimentares
Todos os pacientes devem receber a oferta de aconselhamento sobre a dieta. Os pacientes podem ser intolerantes a certos tipos de alimentos, como laticínios e carne vermelha, que podem ser evitados. Outras intervenções alimentares que podem ajudar:
Consumo de refeições pequenas e frequentes (4-6/dia)
Consumir uma dieta pobre em fibras insolúveis; uma dieta rica em fibras insolúveis retarda o esvaziamento gástrico e promove a formação de bezoares
Consumo de uma dieta hipogordurosa
Consumir uma dieta com tamanho de partícula pequeno, que poderá melhorar os sintomas de náuseas/vômitos, saciedade pós-prandial, distensão abdominal e regurgitação
Mudança para uma dieta líquida rica em calorias ou refeições liquidificadas/misturadas.[35][60][80][81]
Agentes procinéticos
Um agente procinético deve ser iniciado em pacientes que continuam a apresentar sintomas de gastroparesia, apesar da modificação alimentar. Talvez seja necessário continuar usando esses medicamentos como tratamento profilático contínuo. Alguns pacientes podem necessitar de antieméticos ou analgesia adicionalmente.
Os procinéticos aumentam a contratilidade antral, corrigem disritmias gástricas e melhoram a coordenação antroduodenal. As principais classes de procinéticos usadas são antagonistas do receptor de dopamina (por exemplo, metoclopramida, domperidona) ou antagonistas do receptor de motilina (por exemplo, eritromicina).
A metoclopramida é um antagonista do receptor de dopamina e um agonista/antagonista do receptor de serotonina. É o único medicamento aprovado para o tratamento da gastroparesia diabética nos EUA e é a terapia farmacológica de primeira linha.[1] Pode ser administrada por via oral, parenteral ou intranasal. É conhecida por melhorar os sintomas gastrointestinais e o esvaziamento gástrico. Também tem propriedades antieméticas.[82][83] Existe risco de parkinsonismo e discinesia tardia, especialmente com altas doses e uso prolongado. Assim, a European Medicines Agency recomenda que as formulações oral e parenteral sejam usadas por até 5 dias apenas, para minimizar o risco de efeitos adversos neurológicos e outros, e seu uso no tratamento de longo prazo da gastroparesia não é mais recomendado.[84] A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA colocou um alerta na metoclopramida devido ao risco de efeitos adversos extrapiramidais e discinesia tardia potencialmente irreversível (que foi relatada em uma pequena porcentagem de casos), mas recomenda que pode ser usada por até 12 semanas.[1][60][68] Também é recomendado que sejam instigadas interrupções de 10 dias a cada 12 semanas (interrupção temporária). Durante essas interrupções temporárias, os pacientes devem ser aconselhados a manter uma dieta líquida. Antieméticos de resgate ou tratamento de curto prazo com eritromicina podem ser usados para controle dos sintomas, se necessário.[85] Outros efeitos adversos da metoclopramida podem incluir torpor e fadiga. Até 30% dos pacientes podem não tolerar a metoclopramida devido a seus efeitos adversos, que geralmente são mais comuns em mulheres, idosos e pessoas com diabetes ou insuficiência renal.[86][87] A metoclopramida deve ser descontinuada se o paciente não atingir a resposta terapêutica desejada, ou se desenvolver efeitos adversos intoleráveis ou graves. Uma metanálise sugeriu que a infusão contínua de metoclopramida, em oposição à administração em bolus, reduz o risco de desenvolvimento de efeitos adversos extrapiramidais.[88] No entanto, a dose para infusão contínua não foi estudada em pacientes com gastroparesia.
A domperidona é uma alternativa à metoclopramida em pacientes com gastroparesia. É um antagonista de dopamina com afinidade para o receptor D2 no cérebro e no sistema gastrointestinal periférico. Nos EUA, ela só pode ser prescrita a pacientes por meio de um programa da FDA de acesso expandido a novos medicamentos em fase experimental. O uso de domperidona é, portanto, reservado para pacientes cujos sintomas não respondem ou que apresentam efeitos adversos com a metoclopramida.[1] Ela não atravessa a barreira hematoencefálica, de modo que não causa os efeitos adversos neurológicos associados à metoclopramida e, portanto, pode ser preferida. No entanto, após uma revisão europeia, a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency e a European Medicines Agency publicaram recomendações sobre o uso de domperidona. A revisão demonstrou que o medicamento está associado a um pequeno aumento do risco de efeitos cardíacos com potencial risco de vida. Como consequência, as agências recomendam que a domperidona seja usada apenas no tratamento de sintomas de náuseas e vômitos e não mais para o tratamento de afecções como pirose, distensão abdominal ou desconforto estomacal. Os riscos e benefícios devem ser levados em consideração antes do uso desse medicamento para essa indicação off-label. Ela deve ser usada à mínima dose efetiva pela menor duração possível, e a duração máxima do tratamento geralmente não deve ultrapassar 1 semana. A nova dose máxima recomendada para adultos é 30 mg/dia. A domperidona é contraindicada nos pacientes com comprometimento hepático grave ou com doença cardíaca subjacente. Ela não deve ser administrada com outros medicamentos que prolonguem o intervalo QT ou que inibam o CYP3A4.[89]
Vários antibióticos macrolídeos atuam como agonistas do receptor de motilina para promover o trânsito intestinal superior. A eritromicina intravenosa é um estimulante potente de esvaziamento gástrico por meio de sua ação sobre o receptor de motilina, e costuma ser usada em casos agudos quando o paciente é internado. Embora a eritromicina seja normalmente usada para essa indicação, as evidências que apoiam seu uso limitam-se à gastroparesia diabética.[47] A administração em longo prazo é limitada pela taquifilaxia devido à down-regulation dos receptores de motilina que começa alguns dias após o início do tratamento; o uso é geralmente limitado a 4 semanas e deve ser restrito a pacientes que não toleraram ou não responderam a outros procinéticos.[1][60]
Antieméticos
Os antieméticos são usados para alívio sintomático em pacientes com náuseas e vômitos persistentes, apesar do uso de agentes procinéticos; porém, não melhoram o esvaziamento gástrico.[1] Os antieméticos não foram estudados no tratamento de pacientes com gastroparesia; seu uso na gastroparesia baseia-se em sua eficácia no controle de náuseas e vômitos inespecíficos e em pacientes submetidos à quimioterapia. As classes de antieméticos em uso para gastroparesia são as seguintes:
Antagonistas dos receptores H1 da histamina (por exemplo, difenidramina): podem ter um leve efeito inibitório no esvaziamento gástrico.[90]
Antagonistas 5-HT3 (por exemplo, ondansetrona): podem ser usados em pacientes com sintomas persistentes. Eles são eficazes no tratamento de vômitos induzidos por quimioterapia, vômitos induzidos por radioterapia e vômitos pós-operatórios, mas faltam estudos controlados em gastroparesia.[68] Eles reduzem a náusea decorrente da distensão do estômago sem afetar a complacência, o volume ou a acomodação gástrica. O uso rotineiro desses medicamentos é limitado devido ao risco de prolongamento do intervalo QTc e, raramente, torsades de pointes, uma arritmia com risco de vida. Recomenda-se o monitoramento basal e regular do eletrocardiograma.[85]
Fenotiazinas (por exemplo, proclorperazina): reduzem náuseas e vômitos por meio da inibição dos receptores de dopamina no cérebro.[2] Seu uso é limitado pelo risco de efeitos adversos centrais (distúrbios cognitivos, psicomotores e afetivos) e prolongamento do intervalo QTc.
Neuromoduladores: possuem algumas propriedades antieméticas e podem desempenhar um papel na gastroparesia refratária. Amitriptilina e nortriptilina são os medicamentos mais comumente usados nesta classe, embora as evidências de seu benefício sejam limitadas.[91][92] Em um estudo prospectivo aberto, a mirtazapina demonstrou melhorar náuseas, vômitos e apetite após 2 e 4 semanas de tratamento em pacientes com gastroparesia. No entanto, 46.7% dos pacientes apresentaram eventos adversos, e os efeitos adversos levaram à interrupção do tratamento em um quinto dos pacientes.[93]
Anticolinérgicos (por exemplo, hioscina): usados off-label na gastroparesia, apesar da falta de evidências de ensaios clínicos.[2]
Antagonistas dos receptores da neurocinina (NK-1) (por exemplo, aprepitanto): bloqueiam a substância P em áreas críticas envolvidas em náuseas e vômitos, incluindo o núcleo do trato solitário e a área postrema. Os resultados dos ensaios clínicos randomizados e controlados foram mistos, mas a American Gastroenterological Society sugere que até um terço dos pacientes com náusea refratária podem se beneficiar desses medicamentos.[2]
Os dados atuais não suportam o uso de haloperidol para o tratamento de gastroparesia.[1]
Analgésicos
A dor pode ser um sintoma proeminente em alguns pacientes com gastroparesia, levando a morbidade significativa e utilização de recursos de saúde. Há uma falta de ensaios clínicos abordando o tratamento da dor na gastroparesia, o que significa que as opções de tratamento são limitadas.[1]
Os opioides estão associados ao aumento da gravidade e duração dos sintomas de gastroparesia.[94] A dor associada à gastroparesia não deve, portanto, ser tratada com opioides.[1][2] Isso inclui o tramadol, que retarda o trânsito oro-cecal, e o tapentadol, que retarda o esvaziamento gástrico.[1]
Neuromoduladores, incluindo antidepressivos tricíclicos (ADTs) e inibidores da recaptação de serotonina-noradrenalina (IRSNs), podem reduzir a percepção da dor em diferentes níveis do eixo cérebro-intestino por meio de vários mecanismos.[2] O único estudo focado na gastroparesia, um estudo randomizado controlado por placebo de 130 pacientes, descobriu que a nortriptilina não era melhor que o placebo no alívio dos sintomas globais da gastroparesia idiopática, embora tenha sido observada alguma melhora na dor abdominal.[92] As diretrizes diferem em suas recomendações sobre neuromoduladores. A American Gastroenterological Association lista ADTs, IRSNs (especificamente duloxetina), anticonvulsivantes (gabapentina e pregabalina) e mirtazapina como opções de tratamento para dor visceral na gastroparesia refratária, mas admite que há falta de evidências de alta qualidade para qualquer um desses medicamentos para esta indicação.[2] O American College of Gastroenterology desaconselha o uso rotineiro de neuromoduladores centrais.[1]
Acupuntura para gastroparesia diabética
Evidências de qualidade muito baixa sugerem que a acupuntura isolada, ou em conjunto com um agente procinético, pode proporcionar alívio dos sintomas da gastroparesia diabética em curto prazo. A acupuntura não pode ser recomendada como benéfica para outras etiologias de gastroparesia.[1][95] O benefício relatado pode ser atribuído à baixa qualidade metodológica dos estudos incluídos e, potencialmente, ao viés de relato. É necessária a realização de ensaios adicionais, com metodologia rigorosa.
Pacientes resistentes ao tratamento
Apoio nutricional e continuação da terapia medicamentosa
Os pacientes com gastroparesia que não respondem adequadamente ao tratamento alimentar e clínico tendem a desenvolver desidratação, anormalidades eletrolíticas, deficiências nutricionais e desnutrição. A dieta desses pacientes deve ser avaliada. Em pacientes que não conseguem satisfazer suas necessidades calóricas ou nutricionais, uma sonda alimentar jejunal deve ser colocada para esse fim. As doses de procinéticos e antieméticos podem ser otimizadas e a nutrição enteral fornecida. Raramente há um papel para a nutrição parenteral, pois o uso em longo prazo geralmente está repleto de complicações, como infecções.[81] A terapia deve ser experimentada por pelo menos 2-3 meses antes de tentar outros tratamentos.
Estimulação elétrica gástrica
Está disponível para uso clínico em pacientes com náuseas e vômitos refratários que falharam na terapia padrão, que não estão em uso de opioides e que não apresentam dor como sintoma predominante.[2] O mecanismo de ação preciso é desconhecido, mas a estimulação elétrica gástrica não acelera o esvaziamento gástrico. Postulou-se que seus efeitos benéficos podem ocorrer por meio da modulação do marca-passo gástrico, células intersticiais de Cajal, aferentes sensoriais, outras vias mioneurais ou liberação de peptídeos.[2] O estimulador elétrico gástrico recebeu a isenção de dispositivo humanitário da FDA para gastroparesia diabética e idiopática.[1] Tem mostrado melhorar o estado nutricional e o controle glicêmico em pessoas com diabetes e, ao mesmo tempo, reduz a necessidade de medicamentos procinéticos e os custos de saúde.[96][97][98] Os pacientes que precisam desse dispositivo devem ser encaminhados aos centros com experiência em sua implantação. O National Institute for Health and Care Excellence do Reino Unido apresentou recomendações semelhantes sobre o uso de estimulação elétrica gástrica no tratamento da gastroparesia.[99]
Intervenções cirúrgicas e endoscópicas
O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes que têm sintomas refratários e debilitantes de gastroparesia, apesar do tratamento clínico máximo e de um estimulador elétrico gástrico. As opções cirúrgicas disponíveis são piloroplastia, piloromiotomia e ressecção gástrica parcial ou total.[100] A gastrectomia parcial ou total raramente é necessária, acarreta risco de síndrome de dumping e só deve ser considerada após todas as terapias disponíveis terem sido consideradas.[2] A decisão sobre tratamento cirúrgico deve ser tomada após a consulta com um gastroenterologista com experiência no tratamento de gastroparesia.
A piloromiotomia oral endoscópica gástrica (G-POEM) mostrou controle de sintomas semelhante, com menos complicações pós-procedimento e menor tempo de internação, em comparação com a miotomia cirúrgica.[1] A American Gastroenterological Association recomenda a G-POEM em pacientes adultos com gastroparesia refratária que não apresentam obstrução mecânica da saída gástrica à endoscopia digestiva alta, que tiverem sido submetidos a um exame de esvaziamento gástrico em fase sólida para confirmar retardo no esvaziamento gástrico (retenção de >20% em 4 horas), e que apresentam sintomas moderados a graves (com náuseas e vômitos como sintomas dominantes).[101] A G-POEM também é recomendada em pacientes que não tiverem respondido à terapia com estimulador elétrico gástrico, implante de stent pilórico e injeção de toxina botulínica. No entanto, o fracasso destas terapias não é um pré-requisito para a G-POEM.[101]
A avaliação por sonda de imagem do lúmen funcional endoluminal (Endo-FLIP) pode ter um papel na caracterização da função pilórica e na previsão dos desfechos do tratamento após a piloromiotomia, com pacientes com baixa distensibilidade pilórica e maior probabilidade de melhorar seus sintomas e aumento da distensibilidade pilórica após intervenção cirúrgica.[1][102]
Injeção pilórica endoscópica de toxina botulínica do tipo A
A injeção endoscópica de toxina botulínica tipo A já foi usada como tratamento para gastroparesia com base nos resultados de estudos abertos, particularmente em pacientes com gastroparesia pós-vagotomia.[103] No entanto, não é recomendado nas diretrizes, pois os ensaios clínicos randomizados e controlados falharam em demonstrar sua superioridade em comparação com o placebo.[1][2][104][105]
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