Abordagem
O diagnóstico de escorbuto é frequentemente evasivo porque os sintomas, em particular no início da doença, são frequentemente inespecíficos; o diagnóstico não é geralmente considerado em virtude da sua raridade; e a história alimentar pode não ser evocada durante a avaliação inicial. O diagnóstico pode escapar da detecção por um período prolongado, até que sintomas adicionais se manifestem ou o paciente se torne gravemente doente.
História individual e ambiental
O escorbuto é sempre decorrente do consumo insuficiente de vitamina C. É importante identificar os fatores históricos que podem contribuir para a baixa ingestão. As influências ambientais incluem:
Fome
Economia deficiente com populações incapazes de comprar alimentos com vitamina C suficiente
Guerra
Política governamental, a qual pode influenciar ainda mais esses fatores
Os fatores individuais incluem:[1][3][7][16][17][18][19][20][39][40][43][44][45][52]
Razões comportamentais ou cognitivas causando ingestão incompleta - dietas da moda ou idiossincráticas; anorexia nervosa; cognição comprometida ou estímulo de fome reduzido em pacientes idosos; ou recente viuvez em pacientes previamente dependentes de seus parceiros para a preparação dos alimentos
Transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas
Morar sozinho
Baixa renda
Aumento do catabolismo (por exemplo, na infecção crônica, doença grave, síndrome do desconforto respiratório agudo, pancreatite, fumantes)
Diálise renal (pois a vitamina C é dialisada)
As crianças podem estar em risco adicional se os cuidadores adultos determinarem suas dietas e elas forem restritas pelas influências socioeconômicas descritas acima ou se foram alimentadas com leite de vaca durante a primeira infância. Crianças com encefalopatia estática, transtorno do espectro autista, depressão ou dietas idiossincráticas podem também estar em risco.
História alimentar
A história alimentar detalhada pode evitar testes diagnósticos invasivos ou desnecessários e encurtar o tempo até o tratamento, e deve incluir o conteúdo da dieta com atenção especial para a ausência de frutas, legumes, leite animal que não seja de vaca ou carnes de órgãos (fígado e rim) e a cronometragem da dieta em relação à apresentação da doença. Dado que o escorbuto é sempre decorrente do consumo insuficiente de vitamina C, seus sintomas devem seguir um período de inadequação alimentar relativa. Observe que existe uma probabilidade muito baixa de que uma dieta contendo frutas e legumes, apenas com preparações congeladas ou enlatadas, cause escorbuto.
Alguns pacientes não podem ou não estão dispostos a fornecer uma história alimentar completa e, portanto, os fatores de risco de escorbuto devem ser identificados. Outras deficiências alimentares concomitantes podem ocorrer em pacientes com escorbuto e devem aumentar a suspeita do diagnóstico.
Sintomas
As manifestações clínicas do escorbuto geralmente ocorrem quando os depósitos corporais de vitamina C caem abaixo de 300 mg, mas podem começar quando os depósitos forem tão altos quanto 490 mg. Os sinais iniciais do escorbuto podem aparecer em apenas 29 dias após a última ingestão de vitamina C, com uma síndrome mais evidente ocorrendo após 2-4 meses; um tempo típico de apresentação quando a dieta é completamente desprovida de vitamina C.[2] O tempo de apresentação pode ser mais longo se a vitamina C for consumida de forma intermitente, embora a ingestão alimentar total seja deficiente.
Os sintomas manifestos iniciais podem ser vagos, inespecíficos ou constitucionais.[1][2][18] Eles podem incluir fadiga, letargia, fraqueza, náuseas, vômitos, perda de peso, pele seca, depressão, dispneia e disfagia. Conforme os níveis de vitamina C diminuem, a doença evolui e os sintomas de disfunção endotelial e hemorragia se desenvolvem, incluindo ferimento ou sangramento fácil, mialgia, artralgias, dor nos membros e edema das articulações.[60] A cicatrização deficiente de feridas pode também ser evidente, mas ignorada pelo paciente.
Os pacientes podem se apresentar em qualquer fase da doença, e a descrição de uma evolução dos sintomas pode ser uma dica importante para o diagnóstico.
Lactentes e crianças podem apresentar outros sintomas, provavelmente relacionados ao crescimento ósseo comprometido (incluindo dores ósseas e articulares), comprometimento da marcha ou recusa em caminhar.[60]
Exame
Embora não haja uma ordem estabelecida consistente dos sinais apresentados, os primeiros sinais do escorbuto são frequentemente anormalidades gengivais, e um exame completo da boca quando houver suspeita de escorbuto pode ter o mais alto rendimento em pacientes que se apresentam relativamente cedo.
Todos os sinais associados ao escorbuto estão relacionados à disfunção endotelial, causando extravasamento de fluidos e hemorragia manifesta, e incluem o seguinte.
Orais: alterações na mucosa (descoloração, petéquias, aumento da gengiva); problemas dentais (dentes soltos com gengivite hemorrágica afetando a papila interdental, embora as gengivas estejam tipicamente normais nos pacientes edêntulos); e xerostomia como parte das síndromes sicca-símile ou de Sjögren.[1][18]
Dermatológicos: hemorragias petequiais e perifoliculares (principalmente das pernas e pés), cicatrização deficiente de feridas, hematomas, hiperceratose folicular, cabelos enrolados, alopecia e equimoses nodulares ou negras em locais não traumáticos.
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pelos em forma de saca-rolhas e petéquias perifoliculares, comumente observados no escorbutoShah V, et al. Case Rep Med 2021 Mar 30; 2021: 5519937; usado com permissão [Citation ends].
Oftalmológicos: hemorragias e petéquias na pele da pálpebra; proptose decorrente de hemorragia retrobulbar, periorbital ou orbital subperiosteal; hemorragia conjuntival e subconjuntival (as pequenas são pontuais, triangulares ou estriadas e lineares); varicosidades lineares e triangulares das vênulas conjuntivais; e ceratoconjuntivite como parte da síndrome semelhante à seca ou de Sjögren.[61]
Musculoesqueléticos: articulações edemaciadas e derrames articulares; as crianças podem assumir uma posição de perna de sapo para acomodar a dor na articulação do quadril, que pode ser decorrente de hemartroses, hemorragia periosteal ou alterações estruturais metafisárias; a osteoporose pode ocasionalmente estar presente.
Cardíacos: a etiologia da disfunção cardíaca temporária no escorbuto é mal compreendida, mas em casos graves pode estar relacionada à hemorragia endocárdica; o edema dos pés pode ser uma manifestação de insuficiência cardíaca ou de disfunção endotelial local.
Pulmonares: derrame pleural hemorrágico (incomum, mas potencialmente com risco de vida); baqueteamento digital ungueal.
Neurológicos: manifestações de acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico, neuropatias de encarceramento (particularmente quando o edema periférico é evidente).
O exame normal também foi relatado, presumivelmente quando os sintomas se desenvolveram no cenário de depósitos corporais muito baixos, mas não críticos.
Laboratório
O escorbuto pode ser diagnosticado apenas com base em níveis sanguíneos baixos de ascorbato (sangue total, leucócitos ou soro). Todavia, os níveis de ascorbato raramente são solicitados como parte da avaliação inicial, a menos que um examinador astuto suspeite do diagnóstico. Exames laboratoriais completos, adaptados às outras considerações diagnósticas, não são desencorajados; os níveis de ascorbato podem demorar vários dias para retornar e a investigação diagnóstica paralela durante esse período pode ser crítica. Outras anormalidades laboratoriais relacionadas ao escorbuto podem incluir apenas anemia.
O hemograma completo é realizado inicialmente para procurar outras alterações hematológicas que mimetizem o escorbuto. Por exemplo, pode-se esperar anemia normocítica com o escorbuto isolado, mas é possível haver anemia microcítica (isto é, com deficiência de ferro concomitante) ou macrocítica (isto é, com deficiência de vitamina B12 concomitante).
O ácido ascórbico sérico, o ácido ascórbico leucocitário e o ácido ascórbico total no sangue devem ser solicitados à avaliação inicial para ajudar a identificar a quantidade e a gravidade da deficiência de vitamina C. A European Society for Clinical Nutrition and Metabolism recomenda a medição das concentrações plasmáticas de vitamina C em todos os pacientes com suspeita clínica de escorbuto ou com baixa ingestão crônica. No entanto, ela não recomenda medir as concentrações plasmáticas de vitamina C durante uma doença crítica ou inflamação grave pelas dificuldades na interpretação dos resultados.[62]
A avaliação de malignidade e de infecção deve ser altamente considerada se um diagnóstico de escorbuto não for firme com base na história alimentar, ou se outros fatores potenciais forem identificados para sugerir um diagnóstico alternativo. A biópsia da medula óssea é realizada somente quando um diagnóstico de escorbuto está em questão ou se a doença do paciente está evoluindo rapidamente durante o tratamento inicial. Infecção e neoplasia hematológica são as duas doenças mais prováveis no diagnóstico diferencial e devem ser procuradas.
Exames por imagem
À avaliação inicial, é recomendada uma radiografia do joelho e do punho. Nos pacientes pediátricos, uma RNM pode ser útil, mas os achados podem se sobrepor a outros diagnósticos. Apesar de vários achados radiológicos terem sido relatados, eles são frequentemente usados como evidência corroborativa quando o diagnóstico é estabelecido, ou como uma pista diagnóstica quando o escorbuto não é considerado no diagnóstico diferencial inicial.
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