Abordagem
O manejo ideal da doença de Huntington requer uma abordagem multidisciplinar. Os pacientes geralmente se beneficiam de uma combinação de tratamentos farmacológicos e não farmacológicos.
Depression
O problema tratável mais grave tanto em indivíduos com risco de apresentar a doença quanto naqueles que já foram diagnosticados é a depressão. O tratamento da depressão é fundamental e reduz o risco de suicídio.
As diretrizes baseadas em evidências de tratamentos farmacológicos especificamente relacionados à doença de Huntington são muito limitadas. As recomendações são baseadas, portanto, principalmente no consenso clínico e na opinião de especialistas.[55][56][57][58][59][60][61] Se houver efeitos adversos ou falha terapêutica a qualquer medicamento, recomenda-se tentar outro medicamento ou considerar o encaminhamento a um psiquiatra.
Os tratamentos de primeira linha são medicamentos antidepressivos e aconselhamento. Os sintomas depressivos respondem bem aos medicamentos antidepressivos.[62][63][64] O tratamento é semelhante ao da depressão na população em geral. Entretanto, devido ao aumento do risco de suicídio, devem ser consideradas precauções adicionais sobre o potencial de superdosagem intencional de medicamentos ao fazer a prescrição.
Estudos comparativos de antidepressivos para a doença de Huntington não estão disponíveis, portanto, a escolha dos agentes é baseada no julgamento clínico em relação aos prováveis benefícios e danos de uma superdosagem e aos sintomas comportamentais associados. Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (por exemplo, fluoxetina, sertralina, escitalopram) são usados com maior frequência. Se um medicamento falhar, outros deverão ser testados. Em casos urgentes ou graves, devem ser considerados medicamentos com início de ação mais rápido, como a mirtazapina.[62] Em pacientes com depressão refratária, a eletroconvulsoterapia (ECT) pode oferecer benefícios significativos e não agrava outros aspectos da doença de Huntington.[65][66][67][68]
O aconselhamento de pacientes com a doença de Huntington envolve o reconhecimento da impulsividade e orientações de segurança com relação ao ato de dirigir, ao uso de armas de fogo e ao descarte de medicamentos prescritos acumulados. Quase todos os pacientes se beneficiam do aconselhamento sobre aspectos comportamentais e genéticos da doença e sobre as demandas do cuidador. É útil discutir as variações da doença. Caso tenha ocorrido uma experiência particularmente problemática na família, tais informações podem ser reconfortantes.
Ansiedade
A ansiedade é um sintoma comum e pode responder a uma variedade de tratamentos, incluindo inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), buspirona e benzodiazepínicos.[69][70]
Comportamentos obsessivo-compulsivos e perseveração
Os pacientes podem se tornar obsessivos a ponto de causar rupturas na vida familiar. Suas obsessões podem estar relacionadas a outras pessoas (ressentimentos recorrentes, suspeita de infidelidade), podem ser auto-orientadas (obsessões com hábitos intestinais ou vesicais ou ingestão de fluidos) ou ainda podem ser ritualísticas (insistência em rotinas, objetos ou ato de lavar as mãos). Os membros da família geralmente consideram esse comportamento perturbador e frequentemente não têm escolha a não ser aceitá-lo o máximo possível.
ISRSs, como o citalopram ou a fluoxetina, podem ter um papel no tratamento de sintomas obsessivo-compulsivos.[71][72] Pode ser necessária uma terapia de duração prolongada e de dose mais alta. Devido à natureza problemática de tais sintomas em alguns pacientes, recomenda-se persistência. A clomipramina tem maior incidência de eventos adversos, mas poderá ser considerada se os ISRSs falharem.
Os sintomas obsessivo-compulsivos podem apresentar resposta clínica a medicamentos antipsicóticos, como a olanzapina.[73][74] A escolha entre medicamentos antidepressivos e antipsicóticos deve ser baseada na experiência clínica e nas comorbidades. Agentes antipsicóticos têm maior probabilidade de ser úteis em pacientes com coreia e agitação problemáticas, enquanto os antidepressivos são mais apropriados para pacientes com apatia.
A terapia cognitivo-comportamental também é efetiva na população geral para obsessões e compulsões, seja ela isolada ou em combinação com medicamentos. Ela também pode ser benéfica em pessoas com a doença de Huntington, particularmente em pacientes sem comprometimento cognitivo significativo.
À medida que a demência evolui, as obsessões geralmente remitem, talvez pelo fato de o paciente se tornar menos capaz de reter a obsessão na memória ativa. O encaminhamento psiquiátrico pode ser útil.
Problemas comportamentais e de humor (por exemplo, irritabilidade, alterações de humor, agressividade, acessos de fúria frequentes)
Um dos comportamentos problemáticos é o mau humor.[75][76] Os pacientes ficam cada vez mais irritáveis à medida que a doença evolui e podem se tornar verbalmente ou até mesmo fisicamente abusivos. A alienação da família pode contribuir para o isolamento, divórcio ou abandono, e isso aumenta a probabilidade de suicídio, negligência ou lesão acidental. Embora as evidências sejam limitadas, a experiência clínica sugere que a irritabilidade geralmente responde ao tratamento com ISRSs, especialmente nos estágios mais iniciais; doses no limite superior do intervalo recomendado pelo fabricante geralmente são necessárias para essa indicação. Outras abordagens padrão para o tratamento das alterações do humor e da irritabilidade incluem o uso de agentes anticonvulsivantes com propriedades estabilizadoras do humor (ácido valproico, carbamazepina), propranolol ou antipsicóticos típicos ou atípicos. Os benzodiazepínicos também podem ser úteis, embora possam ter efeito desinibidor em alguns pacientes. A escolha entre esses agentes é difícil na ausência de estudos definitivos. Entretanto, os antipsicóticos podem ser mais apropriados em circunstâncias nas quais a perda de peso e a coreia são proeminentes e nas quais os sintomas precisam de manejo do quadro agudo; os benzodiazepínicos podem ser mais apropriados em situações em que a ansiedade ou a insônia são mais proeminentes; e o ácido valproico é mais apropriado quando os sintomas estão apenas evoluindo ou quando há preocupação com efeitos colaterais sedativos. Em 2018, a European Medicines Agency recomendou que o valproato e seus análogos sejam contraindicados durante a gravidez, em razão do risco de malformações congênitas e de problemas de desenvolvimento no lactente/criança.[77] Nos EUA, a prática padrão é a de que o valproato e seus análogos sejam prescritos durante a gravidez somente se outros medicamentos alternativos não forem aceitáveis ou não forem eficazes. Tanto na Europa quanto nos EUA, medicamentos com valproato não devem ser usados em pacientes do sexo feminino em idade fértil, a menos que exista um programa de prevenção da gravidez e certas condições sejam atendidas.[77]
Medicamentos antipsicóticos têm sido utilizados com sucesso no tratamento da irritabilidade e da agressividade; entretanto, poucos estudos publicados estão disponíveis para diretrizes específicas.[78] A seleção do agente antipsicótico é baseada no perfil de efeitos colaterais. Para pacientes com problemas comportamentais coexistentes com coreia significativa, antipsicóticos típicos (de primeira geração) podem ser úteis (por exemplo, sulpirida, haloperidol). Antipsicóticos atípicos (por exemplo, quetiapina, olanzapina) são mais apropriados para pessoas com bradicinesia e rigidez coexistentes. Devido aos efeitos adversos dos medicamentos antipsicóticos, reduções ocasionais na dosagem ou interrupções temporárias são apropriadas.
Doses iniciais mais altas, ou doses parenterais de medicamentos antipsicóticos podem ser consideradas para problemas comportamentais graves e agudos. A olanzapina também pode ser administrada por via parenteral, se necessário. Episódios graves de agressividade ou comportamento violento podem requerer intervenção de autoridades civis, visitas ao pronto-socorro ou comprometimento formal.
Coreia
Quando grave, a coreia interfere na função; quando leve, contribui para o isolamento social.[79][80] O tratamento da coreia na doença de Huntington é de certa forma problemático, e a base de evidências para os tratamentos é limitada.[81] Os medicamentos que reduzem a coreia normalmente têm efeitos adversos sobre o humor, a concentração e a coordenação, os quais são fatores comumente responsáveis pela incapacidade funcional na doença de Huntington.
Os antipsicóticos estão entre os medicamentos disponíveis mais efetivos, especialmente agentes como o haloperidol ou a trifluoperazina. Entretanto, podem ser usados antipsicóticos atípicos, como a risperidona ou a olanzapina. Efeitos colaterais podem agravar as características subjacentes da doença de Huntington, embora às vezes também possam ser benéficos, como a sedação noturna e o ganho de peso. Esses medicamentos devem ser reservados a situações nas quais a coreia é problemática.
A tetrabenazina é um inibidor seletivo reversível do transportador de monoamina vesicular (VMAT) que bloqueia o transporte de dopamina para as vesículas sinápticas no sistema nervoso central.[82][83] Ela causa efeitos adversos centrais de sedação, bradicinesia, inquietação e depressão. Sua ação é semelhante à da reserpina (não disponível em alguns países), exceto pelo fato de a reserpina ser não seletiva e irreversível e, portanto, ter efeitos adversos centrais de duração mais longa e efeitos adversos periféricos não observados com a tetrabenazina, como hipotensão e úlceras gástricas. Ensaios clínicos demonstraram que a tetrabenazina reduz significativamente a coreia.[60][83][84][85] A tetrabenazina tem latência mais curta até o efeito e compensação desde a instituição da terapia em comparação aos agentes antipsicóticos e é livre de quaisquer preocupações em relação à discinesia tardia. Entretanto, tem maior probabilidade de causar depressão e sedação.[83] Os pacientes com coreia nos quais é um problema significativo são candidatos apropriados para o tratamento com tetrabenazina, particularmente aqueles que não toleram medicamentos antipsicóticos. É uma boa escolha de medicamento de primeira linha para pacientes nos quais a coreia isolada precisa de tratamento (isto é, pacientes que não precisam dos efeitos colaterais de ganho de peso ou sedação noturna e/ou tratamento da irritação e agitação), embora não seja apropriada para pacientes com história de doença psiquiátrica.
A amantadina pode ajudar na coreia.[86][87][88][89][90] Não há tratamento para a impersistência motora, os movimentos oculares, a marcha e a coordenação anormais.
Bradicinesia e rigidez predominantes
Em geral, esses sintomas são de difícil tratamento.[91][92][93] Levodopa/carbidopa podem ser testadas. Uma resposta clínica deve ser aparente dentro de 1 mês. A amantadina pode ser usada por 3 semanas, período em que deve haver uma resposta terapêutica aparente.[86]
Comprometimento cognitivo
Embora um pequeno ensaio clínico randomizado e controlado tenha sugerido que agentes anticolinesterase podem ter um efeito benéfico sobre a cognição em alguns pacientes com a doença de Huntington, esses achados não foram replicados.[94] Um estudo randomizado e duplo-cego não encontrou qualquer efeito do citalopram sobre a função executiva em pacientes não deprimidos.[95] Estudos adicionais estão em andamento.
Outras abordagens
Há evidências de que intervenções fisioterapêuticas podem melhorar a aptidão física, a função motora e a marcha em pessoas com DH.[96] A fonoterapia e a terapia de deglutição não foram testadas rigorosamente na doença de Huntington, mas podem oferecer benefício transitório.
A European Huntington’s Disease Network publicou diversas diretrizes de boas práticas sobre o uso de intervenções não farmacológicas na doença de Huntington, como terapia ocupacional, fisioterapia, fonoterapia e suporte nutricional.[97][98][99][100]
Uma avaliação quanto à direção feita por um avaliador independente pode ser útil para decidir se dirigir ainda é seguro.
Apoio ao cuidador
Uma área significativa de potencial intervenção por médicos é o apoio ao cuidador. A carga de cuidar de um paciente afetado é considerável e sobrecarrega as famílias em aspectos emocionais, físicos e financeiros. Pode ser benéfico direcionar as famílias a recursos comunitários, a grupos de apoio para a doença de Huntington e a agências governamentais relevantes. Huntington’s Disease Association Opens in new window International Huntington Association Opens in new window O reconhecimento dos desafios enfrentados pelos cuidadores deve fazer parte de todas as consultas clínicas.
Cuidados paliativos e no final da vida
Uma abordagem de cuidados paliativos, integrada pela equipe multidisciplinar, é apropriada durante toda a evolução da doença para pacientes com doença de Huntington.[101][102] Desejos de cuidados no final da vida e diretivas antecipadas devem ser discutidos com o paciente e familiares/cuidadores assim que estiverem prontos para fazê-lo, antes que tais cuidados sejam necessários, e devem ser uma conversa contínua.[101]
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