Abordagem

Os principais objetivos do tratamento da síndrome antifosfolipídica (SAF) são tratar a trombose aguda, com prevenção da recorrência de trombose e redução da morbidade gestacional.[8]

Os pacientes devem ser instruídos em relação aos sinais e sintomas de trombose, para que possam identificar possíveis eventos no início e buscar avaliação de emergência.

Os pacientes também devem ser avaliados e tratados para outros fatores de risco de tromboembolismo (história pregressa de tromboembolismo, obesidade, tabagismo, diabetes, imobilização, hipertensão, hiperlipidemia e uso de estrogênio). Isso inclui abandono do hábito de fumar e manejo da hiperlipidemia, conforme apropriado.

As mulheres devem ser orientadas em relação aos riscos associados à gravidez (ou seja, risco pessoal de tromboembolismo durante a gestação e no período imediatamente pós-parto, assim como o risco de perda gestacional e morbidade gestacional).

Tratamento da trombose

Depois que o diagnóstico estiver confirmado, os pacientes são inicialmente anticoagulados com heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular (HBPM), seguida por anticoagulação oral com um antagonista da vitamina K (por exemplo, varfarina), desde que não haja contraindicações à terapia com esses agentes.[8]​​[43]

  • Pacientes com síndrome antifosfolipídica (SAF) e tromboembolismo venoso não provocado apresentam alto risco de trombose recorrente após suspensão da anticoagulação; portanto, a recomendação geral é continuar a anticoagulação em longo prazo.[8][43]​​[44]​​[45]​​

  • As diretrizes para pacientes com SAF com trombose com fatores precipitantes são menos claras, pois faltam evidências no que diz respeito à duração da anticoagulação em pacientes com SAF nesse contexto. O fator precipitante associado com o evento trombótico e os riscos de sangramento associados com a anticoagulação em longo prazo devem ser levados em consideração. Pacientes com história de evento tromboembólico venoso sem fatores precipitantes devem ser anticoagulados com um antagonista da vitamina K (por exemplo, varfarina) em uma razão normalizada internacional (INR)-alvo de 2.5 (variação 2-3). Evidências sugerem que varfarina em alta intensidade não é melhor que varfarina em intensidade regular.[46][47]​​ No entanto, pacientes com eventos tromboembólicos venosos recorrentes foram excluídos desses estudos.

  • O tratamento de outros fatores de risco para tromboembolismo é essencial. O abandono do hábito de fumar e o manejo de hiperlipidemia, hipertensão, diabetes e obesidade, bem como a abordagem de fatores de imobilidade e estrogênio, devem ser rigorosamente manejados.

  • O tratamento ideal para pacientes com eventos arteriais prévios continua controverso devido à falta de estudos prospectivos adequados nesse grupo. A terapia com alta intensidade de varfarina (variação de INR 3-4) ou a adição de aspirina em baixas doses para a anticoagulação foi recomendada para o tratamento desses pacientes. No entanto, os dados existentes não conseguiram comprovar que essas abordagens são superiores que a variação de INR-alvo padrão de 2-3.

  • O manejo de eventos recorrentes em pacientes que já foram anticoagulados em uma INR terapêutica mais alta é particularmente difícil. Os pacientes com trombose recorrente devem passar por uma avaliação detalhada para entender os fatores envolvidos. Os pacientes com trombose recorrente apesar da anticoagulação terapêutica podem precisar de uma INR-alvo de 3-4 e podem se beneficiar da terapia antiagregante plaquetária.[48] O teste cromogênico de fator X ou II com teste de INR simultâneo pode ser considerado nessas circunstâncias, para orientar a variação de INR-alvo, ou esses testes podem ser usados em vez da INR em circunstâncias em que o anticoagulante lúpico também afeta o tempo de protrombina.[49]

Os anticoagulantes orais diretos não são recomendados para SAF.[50]​ A European Medicines Agency, a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency do Reino Unido e a International Society of Haemostasis and Thrombosis não recomendam esses medicamentos em pacientes com SAF, principalmente pacientes de alto risco (ou seja, aqueles com resultado positivo nos 3 testes de antifosfolipídeos, com trombose arterial prévia, trombose de pequenos vasos ou comprometimento de órgãos, ou valvopatia cardíaca de acordo com os critérios de Sydney). Isso ocorre em decorrência das taxas elevadas associadas de eventos trombóticos recorrentes, em comparação com varfarina.[51] Um ensaio clínico randomizado que comparou rivaroxabana e varfarina (ensaio TRAPS) entre pacientes com SAF, com risco de evento tromboembólico ou com história de trombose, foi encerrado antes do previsto devido ao grande número de eventos tromboembólicos no grupo de rivaroxabana (nenhum evento foi relatado no grupo de varfarina).[52] Em um ensaio clínico randomizado e controlado que comparou apixabana com varfarina (ASTRO-APS) em pacientes com SAF trombótica, observou-se uma taxa maior de trombose (particularmente AVC) no grupo que recebeu apixabana.[53]​​

Manejo da gravidez

O manejo da gravidez em mulheres com SAF engloba a prevenção de complicações trombóticas maternas e a prevenção da morbidade gestacional. A gestação em mulheres com SAF deve ser manejada preferencialmente por equipes multidisciplinares experientes, incluindo um hematologista, reumatologista e obstetra.

  • As mulheres que fazem uso de varfarina devem trocar para a anticoagulação com aspirina em baixas doses e heparina assim que a gravidez for confirmada, de preferência antes da semana 6 de gestação, devido aos efeitos teratogênicos da varfarina.[43]

  • Gestantes com trombose aguda devem receber anticoagulação terapêutica com HBPM ou heparina não fracionada durante toda a gestação. Elas podem passar para varfarina após o parto.

  • Mulheres com SAF obstétrica e sem história trombótica devem receber aspirina profilática em baixas doses, combinada com HBPM profilática, durante a gestação e no período pós-parto (6-8 semanas).​[43]​​[54][55] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​​

  • Mulheres com SAF e história pregressa de trombose devem receber anticoagulação durante a gestação e no período pós-parto (6-8 semanas).[43]​​[56]

  • Recomenda-se realizar exames pré-natais e ultrassonografia seriada com frequência, devido ao risco de desfechos adversos da gestação (pré-eclâmpsia, restrição do crescimento intrauterino e descolamento de placenta).

    [56][57]

A monitorização fetal deve incluir uma ultrassonografia com Doppler das artérias uterinas em 20 a 24 semanas para observar a evidência de resistência vascular aumentada, que comprovadamente prediz a disfunção placentária em mulheres com SAF.[58] Em caso de anormalidade, ultrassonografias em série devem ser realizadas para monitorar a restrição do crescimento intrauterino.

No período pós-parto, mulheres que receberam varfarina prévia podem reiniciar a varfarina e descontinuar a heparina. É seguro para o neonato ser amamentado enquanto a mãe está tomando heparina ou varfarina.

Manejo dos anticorpos antifosfolipídeos (aFL incidental)

Considera-se que pacientes que apresentem anticorpos antifosfolipídeos (anticoagulante lúpico, anticorpo anticardiolipina e anti-beta 2-glicoproteína I), mas não tenham complicações trombóticas ou obstétricas relacionadas (ou seja, que não atendem aos critérios de SAF), apresentam anticorpos aFL incidentais. Esses pacientes podem apresentar risco elevado de trombose, mas não é possível identificar que pacientes específicos estão sob risco.[59] Assim, deve-se prestar atenção ao manejo dos fatores de risco para doença cardiovascular e doença tromboembólica venosa nesses pacientes.

As evidências são conflitantes em relação ao uso de aspirina em pacientes com aFL incidental. Alguns estudos retrospectivos sugerem um efeito protetor contra a trombose, embora um ensaio clínico controlado por placebo não tenha mostrado esse benefício.[60][61][62] Uma metanálise com base em dados limitados concluiu que pacientes com aFL que foram tratadas com aspirina apresentaram um risco menor de trombose.[63] As diretrizes da European League Against Rheumatism recomendam o uso de aspirina em pacientes com aFL incidental, aFL tripla positiva ou em pacientes com aFL associada ao lúpus eritematoso sistêmico.[43]​ Há preocupações adicionais relativas ao uso de aspirina; ensaios clínicos realizados com indivíduos saudáveis sugeriram que o benefício de reduzir a trombose é menor que o risco de sangramento, e, entre indivíduos com diabetes, as evidências sugerem que o uso de aspirina é ineficaz para reduzir o risco de infarto do miocárdio não fatal ou morte cardiovascular, e ainda pode aumentar o risco de sangramento importante.[64]

Durante a gestação, mulheres com aFL incidental geralmente recebem somente aspirina seguida por tromboprofilaxia durante 6 semanas pós-parto.[57][65]

Manejo da SAF catastrófica

A SAF catastrófica é uma manifestação rara da SAF. Os pacientes apresentam insuficiência de múltiplos órgãos decorrente de trombose disseminada envolvendo três ou mais órgãos/tecidos.[19][66]​​​ A trombose se manifesta comumente como trombose microvascular, em vez de trombose de grandes vasos. Está associada à alta mortalidade (até 50%).[67]​ Os pacientes necessitam de tratamento agressivo com anticoagulação e consideração de terapia imunossupressora adjuvante.[43][68]​​​​​​ Isso pode incluir corticosteroides, imunoglobulinas e/ou plasmaférese.[19][43]​​​​​ Em casos refratários, alguns relatos de casos sugerem que rituximabe, eculizumabe ou daratumumabe podem ser benéficos.[43][69][70]​​​​[71] ​Um pequeno estudo aberto com rituximabe, um anticorpo monoclonal direcionado ao antígeno CD20, demonstrou melhora em algumas manifestações, como trombocitopenia.[72]​ O daratumumabe, um anticorpo monoclonal direcionado ao antígeno CD38, está atualmente sendo estudado no estudo DARE-APS.[73]

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