Abordagem

A pericardite aguda é um diagnóstico clínico. Para se obter um diagnóstico, é necessário combinar os aspectos da história clínica e da apresentação, do exame físico e do eletrocardiograma (ECG). O diagnóstico é confirmado pela presença de pelo menos 2 dos 4 critérios clínicos:[16][20][35][36][37]

  • Dor torácica típica

  • Atrito pericárdico

  • Supradesnivelamento do segmento ST generalizado

  • Derrame pericárdico.

Como as causas mais comuns de pericardite aguda geralmente seguem uma evolução benigna, não é essencial determinar a etiologia em todos os pacientes, particularmente nas regiões onde a tuberculose tem baixa prevalência.[1]​ Além disso, há um benefício relativamente pequeno pelas investigações diagnósticas. No entanto, os pacientes devem ser examinados quanto a características de alto risco, e são recomendadas tentativas para determinar a etiologia, para que possam ser identificadas causas específicas associadas a aumento do risco de complicações.[1]

História

O principal achado na história é a dor torácica central pleurítica constante, que piora na posição de decúbito e irradia para uma ou ambas as bordas dos trapézios (os nervos frênicos inervam tanto o pericárdio quanto as bordas do trapézio).

  • A dor é aguda, com pontadas, pleurítica ou profunda, e pode mimetizar a dor da isquemia ou infarto do miocárdio, particularmente quando é incômoda e semelhante a um aperto.

  • A dor na borda do trapézio é mais específica na dor pericárdica. Quase todos os pacientes relatam dor ao se sentarem e ao se inclinarem para frente.[38]

  • Em geral, a dor é constante, não relacionada com o esforço físico e não tem boa resposta clínica a nitratos.[13][15]

A presença de febre alta associada e com picos sugere uma causa infecciosa.

Os principais fatores de risco incluem:[2][3]

  • Sexo masculino

  • Idade 20-50 anos

  • Infarto agudo do miocárdio (IAM) transmural

  • Cirurgia cardíaca

  • Neoplasia

  • Infecções virais e bacterianas (por exemplo, vírus Coxsackie A9 ou B1-4, Echo 8, caxumba, EBV, citomegalovírus, varicela, rubéola, HIV, Parvo-19, SARS-CoV-2, tuberculose)

  • Uremia

  • Tratamento com diálise

  • Doenças autoimunes sistêmicas

Uma história de outras causas subjacentes também pode estar presente, incluindo radioterapia, cirurgia cardíaca, intervenções cardíacas percutâneas e neoplasias.

A pericardite bacteriana é uma entidade relativamente rara na era dos antibióticos. É caracterizada por uma doença aguda com febre alta, taquicardia e tosse. A dor torácica pleurítica ou não pleurítica está presente em um número muito pequeno de pacientes. Os pacientes com pericardite bacteriana pós-operatória apresentam sinais de infecção na ferida operatória esternal ou de mediastinite. O diagnóstico requer um alto índice de suspeita.

Exame físico

A presença de atrito pericárdico ao exame físico é o principal achado que dá suporte ao diagnóstico.[38]​ Ele é mais bem ouvido na borda esternal inferior esquerda e nas bordas cardíacas. A presença de fricção é 100% específica, mas muitas vezes está ausente à apresentação inicial (a fricção pode estar presente em menos de 33% dos casos).[1]​ A fricção pode ir e vir durante horas, portanto a sensibilidade é baseada na frequência das auscultas cardíacas, e é importante examinar repetidamente os pacientes com suspeita de pericardite.[14]

Deve-se suspeitar de pericardite constritiva em um paciente com insuficiência cardíaca direita não explicada e com uma história de doença pericárdica ou lesão pericárdica predisponente, mesmo se a lesão tiver ocorrido vários anos antes do quadro clínico.[39] Os sintomas e sinais da insuficiência cardíaca direita incluem fadiga, edema no tornozelo e, em casos graves, ascite.

Investigação inicial

Embora o diagnóstico seja essencialmente clínico, alguns exames são indicados.[3][13][15]​​[37]

eletrocardiograma (ECG)

Um ECG é muito importante nos exames iniciais para todos os pacientes. Ocorrem alterações no ECG na maioria dos pacientes. Essas alterações clássicas no ECG são supradesnivelamentos globais do segmento ST (ponto J) com concavidade para cima e infradesnivelamentos do segmento PR na maioria das derivações, com infradesnivelamento do ponto J e supradesnivelamento do segmento PR nas derivações aVR e V1. Se o paciente for examinado logo após o início dos sintomas, os infradesnivelamentos do segmento PR podem ser observados antes do supradesnivelamento do segmento ST. O ECG pode evoluir ao longo de 4 fases: o estágio 1 consiste no supradesnivelamento do segmento ST e ondas T apiculadas, podendo ser revertido e tornar-se normal (estágio 2) ao longo de vários dias ou evoluir para inversão posterior da onda T (estágio 3) e então voltar ao normal (estágio 4).

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Eletrocardiograma (ECG) em um paciente com pericardite aguda, mostrando supradesnivelamento difuso do segmento ST nas derivações precordiais. Além disso, é mostrado um infradesnivelamento do segmento PR nas derivações V2-V6 (setas)Rathore S, Dodds PA. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.2006.097071 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7a6dfa3c

Exames laboratoriais

Os exames de sangue realizados na investigação inicial são:

  • Hemograma completo: a contagem sanguínea não esclarece definidamente a causa ou a estratégia de tratamento. Pode-se observar leucocitose com alteração acentuada à esquerda na pericardite purulenta ou em outra etiologia infecciosa[15]​ Indicado antes do início da terapia com colchicina, a qual pode causar neutropenia e supressão da medula óssea.

  • Ureia: níveis elevados de ureia (particularmente >21.4 mmol/L [>60 mg/dL]) sugerem uma causa urêmica.[15]

  • Velocidade de hemossedimentação (VHS): a VHS elevada é consistente com um estado inflamatório[15]

  • Proteína C-reativa: uma proteína C-reativa elevada é comum e consistente com um estado inflamatório; medições seriadas podem ser úteis para monitorar a atividade da doença e a eficácia da terapia.[1][15]

  • Troponinas séricas iniciais e seriadas: níveis elevados podem estar presentes e podem refletir um comprometimento do miocárdio (por exemplo, miopericardite), mas o exame não é específico ou sensível.[12][15]​ As troponinas plasmáticas permanecem elevadas em 35% a 50% dos pacientes com pericardite. A magnitude da elevação está correlacionada com a extensão do supradesnivelamento do segmento ST e, em alguns pacientes, pode estar localizada no intervalo no qual se considera o diagnóstico de IAM. Os níveis voltam ao normal dentro de 1 a 2 semanas após o diagnóstico (geralmente em alguns dias). Níveis elevados não parecem deixar o prognóstico mais crítico.

Outras investigações

Embora seja rara, a pericardite purulenta oferece risco à vida imediato e requer confirmação imediata do diagnóstico por pericardiocentese urgente. O líquido pericárdico deve ser testado quanto a causas bacterianas, fúngicas e tuberculosas, e deve-se colher sangue para cultura.

Solicita-se radiografia torácica a todos os pacientes, mas em geral o resultado será normal, a menos que haja um derrame pericárdico extenso associado, no qual se observa uma silhueta cardíaca aumentada e semelhante a uma garrafa d'água. A radiografia torácica também pode demonstrar patologia pulmonar concomitante, fornecendo evidências de tuberculose, doença fúngica, pneumonia ou neoplasia, que podem estar relacionadas à doença.

Testes de acompanhamento

A utilidade das outras modalidades de exames de imagem é limitada para a pericardite aguda não complicada, mas são importantes para avaliar as complicações.[13][15]​ A ecocardiografia é indicada especialmente quando há suspeita de tamponamento cardíaco. Ela também pode ajudar a diferenciar a pericardite das síndromes coronarianas agudas. Os supradesnivelamentos globais do segmento ST, na ausência de anormalidades de contratilidade da parede ventricular esquerda (VE), e um derrame pericárdico trivial comprovam o diagnóstico de pericardite aguda. A ecocardiografia não é sensível à inflamação pericárdica na pericardite seca, mas é importante na detecção de derrames pericárdicos. A TC e, cada vez mais, a ressonância nuclear magnética do tórax podem ser usadas para ajudar a diagnosticar pericardite constritiva ou um derrame pericárdico.[18][40]

Se houver suspeita de pericardite tuberculosa, a precisão do diagnóstico poderá ser melhorada com a identificação do organismo no líquido pericárdico ou na biópsia pericárdica.[41][42][43]​​ A atividade da adenosina desaminase no derrame pericárdico também pode auxiliar no diagnóstico como marcador adjuvante.[44]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ecocardiografia em um bebê com pericardite purulenta, mostrando uma coleção pericárdica. VE = ventrículo esquerdo, VD = ventrículo direitoKaruppaswamy V, Shauq A, Alphonso N. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.2007.136564 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6c5d1a1a[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada (TC) do tórax mostrando uma camada dupla de calcificação pericárdica em um paciente do sexo masculino de 56 anos de idade com pericardite constritiva idiopática com calcificaçõesPatanwala I, Crilley J, Trewby PN. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.06.2008.0015 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7dbf4eaf[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada (TC) do tórax em um bebê com pericardite purulenta, mostrando uma coleção pericárdica com compressão dos ventrículos esquerdo (VE) e direito (VD)Karuppaswamy V, Shauq A, Alphonso N. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.2007.136564 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3e3e9fbf

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