Etiologia

Embora a EM tenha sido classicamente considerada uma doença da substância branca do sistema nervoso central, atualmente, há evidências substanciais que respaldam o envolvimento tanto da substância branca quanto da cinzenta.[16] Existem aparentemente componentes inflamatórios e degenerativos que podem ser desencadeados por um fator ou fatores ambientais em pessoas geneticamente suscetíveis.

Parentes em primeiro grau de pacientes com EM têm probabilidade 20-40 vezes maior de desenvolver a doença do que a população geral.[17][18] O risco ao longo da vida de acordo com a idade para crianças que têm um genitor com EM é de aproximadamente 2% a 3%.[19] A prevalência mundial de EM familiar foi estimada em 12.6%.[20] Embora a genética da EM seja multifatorial, é provável que os genes na região do antígeno leucocitário humano (HLA) e da região de interleucina estejam envolvidos.[21][22] Testes genéticos para prever riscos de EM não são recomendados atualmente.

Fatores ambientais que se tem afirmado estarem envolvidos na EM incluem toxinas, exposições virais e exposição à luz do sol (e seu efeito no metabolismo da vitamina D).[23][24] Embora alguns pesquisadores sugiram que a EM é causada por um vírus, nenhum dos quase 20 vírus considerados nos últimos 20 anos foi comprovado como causador. O vírus Epstein-Barr (EBV) é o vírus que demonstra maior relação com o aumento do risco de EM.[25][26] Há também sugestões de que o herpes-vírus humano tipo 6 esteja ligado à EM, mas isso não foi demonstrado de forma conclusiva.[27]

Às vezes, as recidivas são desencadeadas por infecções ou por alterações hormonais pós-parto. Algumas literaturas sugerem que traumas agudos ou eventos estressantes podem ser desencadeadores, embora isso seja controverso.[28][29]

Fisiopatologia

A patogênese exata da esclerose múltipla (EM) é desconhecida. Não há antígenos ou anticorpos específicos ou sensíveis, e há debates sobre se a EM representa uma doença única ou uma síndrome de subgrupos de pacientes patogenicamente heterogêneos. As conceitualizações da imunopatologia da EM envolvem 2 fases distintas, mas sobrepostas e relacionadas: a inflamatória e a degenerativa.

Durante o estágio inicial da fase inflamatória, os linfócitos com potencial encefalitogênico são ativados na periferia por fatores como infecção ou outro estresse metabólico. Essas células T ativadas procuram se infiltrar no sistema nervoso central (SNC) pela ligação a um receptor em células endoteliais. Essa interação, mediada pela produção de metaloproteinases da matriz, permite uma quebra na barreira hematoencefálica, ocasionando suprarregulação das moléculas de adesão endotelial e influxo adicional de células inflamatórias. As células T produzem citocinas inflamatórias que causam toxicidade direta e também atraem macrófagos que contribuem para a desmielinização. A disseminação de epítopos ocorre precocemente e contribui para a complexidade da imunopatologia.

Acredita-se que o componente degenerativo da EM reflita degeneração e perda axonais. A desmielinização prejudica o suporte axonal e provoca uma desestabilização dos potenciais da membrana axonal, que causa degeneração distal e retrógrada com o tempo. Há também uma sugestão de que células inflamatórias, anticorpos e complementos contribuam para a lesão axonal. Lesão axonal foi identificada em regiões de inflamação ativa, indicando que ela começa no início do processo da doença.[30]

Patologicamente, a EM caracteriza-se por áreas multifocais de desmielinização, perda de oligodendrócitos e astrogliose com perda de axônios principalmente na substância branca do SNC, embora as lesões corticais também possam ter um papel importante. A heterogeneidade clínica e os estudos de espécimes de biópsia e autópsia sugerem que os mecanismos que provocam danos ao tecido diferem de um paciente para outro.

A EM remitente recidivante mostra maior atividade inflamatória, seguida pela EM progressiva secundária. Acredita-se que a EM progressiva primária seja, sobretudo, um processo degenerativo, embora alguns pacientes tenham recidivas e/ou lesões realçadas. Todas as terapias modificadoras de doença atualmente aprovadas para a EM são mais ativas contra inflamações.

Acredita-se que recidivas agudas da EM com distúrbio da função do SNC, como visão ou mobilidade, sejam períodos de atividade inflamatória elevada do sistema imunológico e devam ser tratadas como tais.

A progressão clínica, como a perda gradual da capacidade de movimentar-se com o passar dos anos e/ou pior recuperação das recidivas, é considerada uma manifestação da inflamação de baixa potência crônica e contínua combinada com o processo degenerativo.

Manifestações cerebrais e medulares da inflamação na ressonância nuclear magnética (RNM) mostram lesões por contraste com edema limitado, ao passo que as manifestações do processo progressivo na RNM mostram atrofia e hipointensidade em T1 (ou buracos negros).

O tratamento da EM tenta reduzir o potencial de desencadear surtos de atividade inflamatória conhecidos como recorrências, bem como limitar a extensão delas. A prevenção ou redução da inflamação supostamente reduz a perda axonal cumulativa e a incapacidade no longo prazo.

Classificação

Classificação fenotípica[2][3]

Os fenótipos da EM incluem uma consideração da atividade (com base em eventos clínicos e nos achados de imagem) e da progressão da doença.

1. Doença recidivante

  • A síndrome clinicamente isolada (SCI) é uma síndrome bem definida, como neurite óptica, disfunção do tronco cerebral/cerebelo ou mielite parcial, que não atende aos critérios de disseminação no espaço e no tempo. É considerada parte do espectro da EM recidivante. A SCI pode ser ativa ou não ativa. Caso haja um evento clínico ou atividade radiológica (realce por gadolínio ou lesões novas/aumentadas em T2) subsequente após o evento inicial na SCI, ela se torna EM remitente recidivante.

  • A EM remitente recidivante (EMRR) requer evidências clínicas e/ou de ressonância nuclear magnética (RNM) da disseminação no espaço e no tempo. A EMRR é também caracterizada como ativa ou não ativa dentro de um período especificado (por exemplo, 6 meses, 1 ano). Como base, as avaliações da atividade da doença devem ser conduzidas pelo menos uma vez ao ano.

2. Doença progressiva

A doença progressiva, seja progressiva primária (acumulação progressiva de incapacidade desde o início) ou progressiva secundária (acumulação progressiva de incapacidade após um ciclo recidivante inicial), tem quatro possíveis subclassificações que levam em conta o nível de incapacidade:

  • Ativa e com progressão (o indivíduo teve um ataque e também está piorando gradualmente)

  • Ativa, mas sem progressão (por exemplo, o indivíduo teve um ataque dentro de um período especificado anteriormente [isto é, 1 ano, 2 anos])

  • Não ativa, mas com progressão (por exemplo, a velocidade de caminhada diminuiu)

  • Não ativa e sem progressão (doença estável).

Variantes e doenças relacionadas à EM

Síndrome clinicamente isolada (SCI) e/ou evento desmielinizante monossintomático:

  • A síndrome desmielinizante monofásica, que pode ou não evoluir para EM, tem a mesma demografia que a EMRR.

  • Os critérios de McDonald de 2017 estabelecem que, em pacientes com uma SCI típica e demonstração de disseminação no espaço por exame clínico ou RNM, a presença de bandas oligoclonais específicas do líquido cefalorraquidiano permite o diagnóstico de EM; lesões sintomáticas podem ser usadas para demonstrar a disseminação no espaço ou no tempo em pacientes com síndrome da medula espinhal, supratentorial ou infratentorial; e lesões corticais podem ser usadas para demonstrar a disseminação no espaço.[4]

  • Bandas oligoclonais específicas no líquido cefalorraquidiano (LCR) e a presença de lesões na RNM ponderada em T2 no momento do primeiro evento clínico foram identificadas como fatores de risco independentes para conversão para EMRR.

  • Vários ensaios terapêuticos indicaram retardo até a ocorrência de um segundo evento clínico quando os casos de SCI são tratados com terapias modificadoras da doença na EMRR. [ Cochrane Clinical Answers logo ] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Síndrome radiologicamente isolada (SRI)

  • O termo SRI é usado para pacientes que apresentam anormalidades cerebrais na RNM sugestivas de EM, mas que não tiveram sintomas que sugiram um evento clínico.

Distúrbios do espectro da neuromielite óptica:

  • Os distúrbios do espectro da neuromielite óptica não são mais considerados uma variante da EM por causa de sua imunopatologia distinta, das características à RNM e das opções de tratamento.

  • Recidivas graves que podem ser devastadoras, envolvendo apenas os nervos ópticos e a medula espinhal.

  • Causa perda de visão em um ou ambos os olhos e/ou lesões necróticas longas na medula cervical e torácica ao longo de diversos segmentos, resultando em paraparesia grave ou quadriparesia que pode ocorrer ao longo de dias ou semanas.[5][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna cervical ilustrando distúrbio do espectro da neuromielite óptica. Níveis múltiplos extensos de envolvimento da medula espinhal cervical com edema e desmembramento da barreira hematoencefálica, conforme ilustrado pela imagem ponderada com contraste em T1 (à esquerda). A imagem ponderada em T2 (à direita) indica a extensão da anormalidade do sinal que pode se manifestar clinicamente como quadriparesia com espasticidade grave e dorDo acervo do Dr. Lael A. Stone [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@42230e6d

  • A demografia dos distúrbios do espectro da neuromielite óptica é diferente da EM típica, já que há uma predominância não branca.

  • O tratamento também difere, pois se trata de uma doença mediada por anticorpos que responde à imunossupressão e, em casos graves, à plasmaférese.[6]

  • É necessário testar a presença de autoanticorpos associados a distúrbios do espectro da neuromielite óptica (anticorpos antiaquaporina 4 ([AQP4]) e antiglicoproteína mielina-oligodendrócito [MOG]). Ensaios baseados em células são mais específicos que o ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) e devem ser usados, se disponíveis.[7][8]

Encefalomielite disseminada aguda (EMDA):[9]

  • Doença monofásica que é uma entidade relacionada, porém distinta, da EM.

  • Apresenta-se com drástica disfunção do sistema nervoso central (SNC) pós-viral ou pós-vacinação, inclusive encefalopatia e múltiplas lesões cerebrais na RNM, que parecem ser simultâneas.

  • Mais comum na faixa etária pediátrica, mas pode ocorrer em adultos.

  • O episódio clínico pode durar de 3 a 6 meses.

  • Sem sinais, sintomas ou evidência radiográfica de dano prévio ou subsequente ao SNC.

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