Abordagem
O diagnóstico de febre familiar do Mediterrâneo (FFM) baseia-se em avaliações clínicas, com teste genético adicional. Foram desenvolvidos diferentes conjuntos de critérios, mas eles ainda não foram validados em todas as populações afetadas pela FFM. Os critérios mais amplamente usados são os de Tel Hashomer de 1997; no entanto, eles não incorporam o teste genético.[61] Em crianças, os critérios de Yalcinkaya-Ozen demonstraram ser mais sensíveis para diagnóstico da FFM, em comparação com os critérios de Tel Hashomer.[62][63] Em 2019, o genótipo e as manifestações clínicas foram combinados para formar um critério de classificação para febres hereditárias recorrentes.[5] Embora sejam úteis para a identificação precisa de doenças para estudos, eles não foram criados para fins diagnósticos.
Na forma típica da FFM, o diagnóstico frequentemente é óbvio. No início da doença, quando os sinais clínicos são atípicos ou quando não existe história familiar, o teste genético é de grande valor. Em um contexto clínico de FFM, a presença de 2 mutações em alelos diferentes (homozigosidade ou heterozigosidade composta) confirma o diagnóstico.[54] Quando apenas 1 mutação está presente, o diagnóstico não é confirmado; no entanto, ele não deve ser descartado se o quadro clínico for típico, porque existem algumas mutações raras ou desconhecidas.[36][55] The registry of hereditary auto-inflammatory disorders mutations Opens in new window
Os mesmos heterozigotos "verdadeiros" podem exibir um quadro clínico completo de FFM. Também é provável que alguns pacientes heterozigotos, como em muitas doenças recessivas, apresentem sinais clínicos atenuados. Embora não forneça uma solução final para cada paciente, o diagnóstico genético tornou-se uma ferramenta diagnóstica importante para a confirmação do diagnóstico de FFM e, consequentemente, para o fornecimento do tratamento apropriado, especialmente em crianças.[60]
A principal complicação da FFM é a amiloidose secundária sistêmica. Ela pode ser prontamente evitada pela profilaxia com colchicina, o que explica a necessidade de um diagnóstico rápido e correto.
História e exame físico
Classicamente, os pacientes são crianças ou adolescentes de origem turca, árabe, armênia, judia sefardita ou italiana, com 24 a 72 horas de febre, dor abdominal intensa, artralgias ou monoartrite, pleurisia ou erupção cutânea eritematosa em um tornozelo ou pé. A resolução completa dos ataques em 24 a 72 horas é altamente sugestiva de FFM. Em crianças muito novas, a doença pode começar com febre isolada, mas evolui para sintomas típicos com o decorrer do tempo.[64]
Na forma clássica da doença, a febre está associada a sinais de inflamação serosa aguda, com apenas um local afetado em um ataque. Os ataques mais graves podem envolver mais de um local. Raramente, os pacientes apresentam escrotite, pericardite ou meningite asséptica. Os ataques param espontaneamente e sua recorrência não tem uma periodicidade regular. Sua frequência varia consideravelmente de um paciente para outro, e de um período da vida para outro no mesmo paciente. Alguns fatores podem desencadear os ataques inflamatórios na FFM, especialmente estresse, doença viral na primeira infância ou esforço físico. Os pródromos dos ataques de FFM podem incluir desconforto no local do ataque iminente ou várias queixas constitucionais, emocionais e físicas, incluindo irritabilidade, tontura, aumento de apetite e paladar alterado. Um pródromo é um sinal válido de um ataque iminente em um subgrupo de pacientes com FFM.
Os pacientes também podem apresentar mialgia febril refratária: esta é uma doença incomum, mas grave, caracterizada por mialgia paralisante grave, febre alta, dor abdominal, diarreia, artrite/artralgia e erupções cutâneas vasculíticas transitórias que mimetizam a púrpura de Henoch-Schönlein. À exceção da amiloidose, são raras as manifestações crônicas da doença (por exemplo, peritonite encapsulante e artrite destrutiva crônica, que afeta especialmente os quadris e joelhos). Esplenomegalia, em geral sem nenhuma consequência específica, também pode ser observada em um subgrupo de pacientes com inflamação não completamente controlada.
Nefropatia amiloide era a causa de morte por febre familiar do Mediterrâneo (FFM) antes da era da colchicina. A amiloidose associada à FFM é uma forma comum de amiloidose por amiloide A (AA) ou inflamatória, que complica as doenças inflamatórias de longa duração.[29][65][66] Na ausência de diagnóstico de FFM e do tratamento apropriado, a amiloidose continua sendo a principal complicação da FFM. Amiloidose geralmente ocorre em pacientes com ataques inflamatórios graves e precoces. Isso condiz com os dados atuais da patogênese de amiloidose AA, que mostra que o risco de evoluir para amiloidose AA está intimamente ligado à duração e à intensidade do estado inflamatório refletido pelo nível de amiloide A sérica (AAS). Na verdade, a AAS, assim como a proteína C-reativa, é elevada durante os ataques de FFM. Entretanto, a amiloidose pode até ocorrer em pacientes sem nenhum ataque inflamatório grave clínico reconhecido (fenótipo II da FFM). O fenótipo II, sem dúvida, é raro e provavelmente resulta, pelo menos em parte, da existência de inflamação sanguínea entre os ataques: constatou-se que a AAS é elevada entre os ataques clínicos, o que sugere a presença de inflamação infraclínica. Por outro lado, nem todos os pacientes com FFM desenvolvem amiloidose. Há muito se sabe que a prevalência de amiloidose varia de acordo com os grupos étnicos. Isso sugere que fatores genéticos e/ou ambientais participam da ocorrência de amiloidose durante a FFM.
Manifestações incompletas são mais comuns em pacientes heterozigotos, e a heterozigosidade pode ser um fator de risco para várias outras doenças inflamatórias (por exemplo, doença de Crohn, doença de Behçet ou esclerose múltipla).
História cirúrgica pregressa pode revelar apendicectomia e/ou outra cirurgia abdominal em consequência de apendicite diagnosticada erroneamente e outros falsos abdomes cirúrgicos agudos. A história médica pregressa pode revelar espondiloartropatia soronegativa e/ou púrpura de Henoch-Schönlein.
Exames laboratoriais
Os testes a seguir são realizados rotineiramente como parte da avaliação:
Hemograma completo
Velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C-reativa e fibrinogênio sérico
Testes da função hepática e lactato desidrogenase (LDH)
Urinálise.
Os reagentes de fase aguda geralmente ficam elevados durante as exacerbações. Entretanto, eles não são específicos e podem permanecer elevados após a resolução dos ataques. Em casos atípicos é importante avaliar outras causas de febre prolongada ou inexplicada ou envolvimento de órgãos. A medição de AAS entre ataques pode ser uma ferramenta útil para a solução de alguns dilemas diagnósticos, porque a AAS permanece elevada durante períodos sem ataque em um grande número de pacientes.[67] Proteinúria também pode estar presente durante os ataques, o que deve motivar uma avaliação quanto à complicação potencialmente fatal da amiloidose renal.
Exame radiológico
Imagem torácica e abdominal (radiografia, tomografia computadorizada [TC]) não é diagnóstica nem específica, mas pode ser útil na sugestão do diagnóstico e/ou exclusão de diagnósticos diferenciais.
Radiografia torácica é indicada em pacientes cuja história ou exame físico sugere comprometimento cardiopulmonar. Em geral, ela é feita no pronto-socorro mas pode ser realizada por um especialista se os pacientes não apresentarem resposta clínica após vários dias de tratamento clássico.
Ecocardiografia é indicada em pacientes cuja história ou exame físico sugere serosite/pericardite.
TC abdominal é indicada em pacientes com dor abdominal intensa, naqueles que não apresentam resposta clínica ao tratamento ou nos casos de abdome agudo.
Radiografia da articulação é indicada em pacientes com comprometimento significativo de uma única articulação (dor intensa, incapacidade de ambulação, amplitude de movimentos limitada) ou naqueles com dor articular que não apresentam resposta clínica após 2 dias de tratamento.
Ressonância nuclear magnética (RNM) da articulação é indicada em pacientes com radiografias negativas, naqueles com apresentações atípicas ou com comprometimento de tecidos moles sem resposta clínica ao tratamento.
Resposta à colchicina
Única entre as outras síndromes hereditárias de febre periódica, a resposta clínica à tentativa de uso de colchicina quase sempre é diagnóstica de FFM.[68][69]
Teste genético
O teste genético pode ser útil para confirmar o diagnóstico de casos atípicos ou entre ataques para dar suporte ao diagnóstico, mas é mais útil em países em que a FFM é incomum.[26] As 4 mutações mais comuns (M680I, M694V, V726A e M694I) estão presentes em mais de dois terços dos casos.[11][49] Pacientes homozigotos para a mutação M694V têm uma doença mais grave em idade precoce, têm ataques mais frequentes, artrite e eritema erisipeloide; são mais propensos a desenvolver amiloidose e síndrome nefrítica e têm menor probabilidade de apresentar resposta clínica à colchicina.
Há controvérsia quanto ao papel da substituição de aminoácidos em E148Q, na qual a glutamina (Q) substitui o ácido glutâmico (E). Inicialmente, essa variação na sequência foi descrita como uma mutação causadora de doença com baixa penetrância e sintomas leves.[22][23][24] Estudos subsequentes sugerem que pode não ser mais do que um polimorfismo benigno com alta frequência na população geral (até 30% em algumas populações asiáticas).[25][26] As diretrizes de 2015 do Single Hub and Access point for pediatric Rheumatology in Europe (SHARE) concluem que a variante E148Q é comum, embora de significância patogênica desconhecida, e como única variante do MEFV não oferece suporte ao diagnóstico de FFM.[26] No entanto, o debate ainda existe. Os médicos devem monitorar rigorosamente os pacientes com um genótipo E148Q especificamente homozigoto devido a sua possível associação com a amiloidose.[27][28][29]
Muitos laboratórios já oferecem testes genéticos eficazes.[55] Alguns ensaios comercialmente disponíveis, como o "FMF StripAssay", fornecem resultados mais rápidos com alta sensibilidade para a maioria das mutações mais frequentes.
Para obter testes genéticos, os médicos devem entrar em contato com seu fornecedor local de exames laboratoriais (ou laboratórios de pesquisa locais em centros universitários).
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