Abordagem
O diagnóstico de várias infecções humanas por Bartonella deve se basear em fatores de risco, quadro clínico e achados laboratoriais. Embora os fatores de risco, como mordida de gato ou exposição a piolhos, possam ser óbvios na maioria dos casos, a apresentação inicial em muitos outros casos pode ser enigmática.
Embora vários métodos laboratoriais estejam disponíveis para o diagnóstico das espécies de Bartonella, incluindo cultura, coloração direta, sorologia, histopatologia e técnicas moleculares, como a reação em cadeia da polimerase, nenhum desses exames é totalmente confiável.[5][30][4] As culturas de Bartonella geralmente demoram várias semanas e apresentam crescimento variável. Embora vários exames sorológicos estejam disponíveis, a maioria deles apresenta baixa sensibilidade e reatividade cruzada com outros antígenos. A sorologia também não pode diferenciar de forma confiável entre as espécies de Bartonella.[16] Técnicas moleculares, incluindo novos métodos de reação em cadeia da polimerase, estão sendo desenvolvidas, mas ainda não estão amplamente disponíveis.[4][5][30]
As espécies de Bartonella são responsáveis por um grande espectro de síndromes clínicas, incluindo a febre de origem desconhecida prolongada, manifestação hematológica, encefalite e encefalopatia, linfadenopatia generalizada, doença hepatoesplênica, retinopatia, endocardite com cultura negativa, osteomielite, artrite, massa mediastinal e pleurisia.[4][5] Sabe-se que a B henselae e a B quintana causam angiomatose bacilar em indivíduos imunocomprometidos.[4][5]
Incluem-se entre elas três infecções clássicas descritas em seres humanos:[4][5]
Doença por arranhadura do gato (B henselae)
Doença de Carrión (B bacilliformis), que consiste em uma fase bacteriêmica (febre de Oroya) e uma fase eruptiva (verruga peruana)
Febre das trincheiras (B quintana).
Portanto, a abordagem atual deve incluir uma boa anamnese, na busca de fatores de risco específicos para espécies individuais de Bartonella, e um exame completo, em combinação com exames laboratoriais específicos.
Bartonella henselae
Doença por arranhadura do gato (DAG)
Os fatores a seguir devem levar à realização de investigações diagnósticas adicionais.[4][5][30]
História de exposição a gatos, incluindo mordidas, arranhaduras ou outro contato.
Qualquer marca de arranhadura ou lesão cutânea suspeita, na presença de exposição a gatos.
Presença de lesão papular, pustular ou em crosta no local da inoculação, o que geralmente ocorre em torno de 3 a 10 dias após a exposição.
Linfadenopatia regional - linfadenopatia regional ipsilateral afetando um único linfonodo ocorre em 85% dos pacientes típicos de DAG. Aproximadamente 10% dos linfonodos supuram.
Pode ocorrer DAG atípica com vários outros aspectos sistêmicos:
Síndrome de Parinaud (febre, linfadenopatia regional e conjuntivite folicular).
Encefalopatia inexplicada com líquido cefalorraquidiano (LCR) quase normal - ocorre alteração da condição mental como resultado da encefalopatia, que é a manifestação mais comum da infecção por B henselae. Complicações neurológicas ocorrem em apenas 2% das infecções.
Rigidez da nuca - o exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) geralmente apresenta resultados normais, embora possam ocorrer pleocitose e aumento dos níveis de proteínas.
Perda da visão indolor, unilateral e com início súbito - esta é uma apresentação clássica de neurorretinite, para a qual a B henselae é o agente etiológico mais comumente identificado. A neurorretinite é uma forma de neuropatia óptica com inchaço do disco óptico e exsudatos maculares com formato estrelado. Essa é a complicação mais comum do segmento ocular posterior causada por B henselae.
Pode ocorrer mastoidite, com rompimento do septo ósseo do mastoide, exigindo mastoidectomia. O diagnóstico tecidual da DAG é estabelecido pelo tecido de granulação e por linfonodos infectados adjacentes ao córtex do mastoide.[41]
Dor óssea - pode ocorrer osteomielite secundária à infecção por B henselae, junto com dor óssea, sensibilidade e febre.
Dor abdominal episódica - muitos pacientes com sintomas sistêmicos apresentam dor no quadrante superior direito ou dor abdominal periumbilical como resultado de envolvimento hepático.
Manifestações cutâneas - erupções maculopapulares e de urticária, granuloma anular, eritema nodoso, eritema marginado e vasculite leucocitoclástica.
Endocardite por Bartonella: A Bartonella henselae pode estar presente como endocardite com cultura negativa, sendo responsável por cerca de 3% dos casos de endocardite.[6] Geralmente envolve as valvas aórticas e são encontradas vegetações em 100% dos casos. Sintomas típicos de endocardite, como febre de origem desconhecida prolongada, mal-estar, fadiga, sudorese noturna ou palpitações cardíacas podem estar presentes. O exame físico pode ser inespecífico ou pode revelar achados clássicos, como manchas de Roth, lesões de Janeway, nódulos de Osler ou hemorragia em estilhas.
Além disso, os pacientes imunocomprometidos também podem apresentar angiomatose bacilar ou peliose hepática.
Peliose hepática: pacientes imunocomprometidos podem apresentar peliose hepática, caracterizada por dilatação capilar e espaços cavernosos no fígado preenchidos com sangue, conforme observado na tomografia computadorizada (TC). Os pacientes manifestam febre, calafrios, sintomas gastrointestinais e hepatoesplenomegalia.
Angiomatose bacilar: Sabe-se que a B henselae e a B quintana causam angiomatose bacilar em indivíduos imunocomprometidos.[4][5] Pápulas castanho-avermelhadas, semelhantes ao sarcoma de Kaposi, estão presentes.
Investigações
As investigações diagnósticas definitivas podem incluir um ou mais dos seguintes exames, com base nos sintomas apresentados.[4][5][23][30][42]
Sorologia – o ensaio de imunofluorescência indireta para anticorpos é o preferido. O ensaio imunoenzimático (EIE) também está disponível.[30] Um teste positivo inclui um aumento de 4 vezes no título de anticorpos entre a fase aguda e a fase convalescente; um único título ≥1:64 no ensaio de fluorescência indireta é considerado positivo. A sorologia pode ser negativa na fase inicial da doença (<1 semana); a imunoglobulina (Ig)M torna-se negativa aos 3 meses; a IgG permanece positiva em 25% dos pacientes depois do primeiro ano. Sensibilidade do ensaio de imunofluorescência: IgM 2% a 50%, IgG 14% a 100%; especificidade: IgM 86% a 100%, IgG 34% a 100%. Sensibilidade do ensaio imunoenzimático (EIE): IgM 60% a 85%, IgG 10% a 25%; especificidade: IgM 98%, IgG 97%.
Cultura de sangue e outras amostras de tecido: espécies de Bartonella são de difícil crescimento em cultura. Existe um rendimento insatisfatório em cultura de aspirados nodais. O crescimento bacteriano pode demorar de 2 a 6 semanas.
Aspiração de linfonodos para coloração (de Warthin-Starry) e cultura: o exame histopatológico exibe formação de granuloma, microabscessos, hiperplasia folicular.
Reação em cadeia da polimerase: Linfonodo, amostra tecidual como a valva cardíaca, ou amostra de sangue pode ser enviada para análise da reação em cadeia da polimerase. A sensibilidade é de 43% a 76% e a especificidade é de 100%. Útil no diagnóstico rápido, quando disponível.
A ecocardiografia mostra vegetações em 100% dos casos com endocardite por Bartonella, geralmente envolvendo valvas aórticas. As valvas com vegetações podem ser enviadas para análise por reação em cadeia da polimerase. É útil no diagnóstico rápido, quando disponível.
Punção lombar com análise do LCR: em pacientes com rigidez de nuca, o LCR normalmente produz resultados normais, embora a pleocitose e as proteínas elevadas possam estar presentes.
Cintilografia óssea: aumento da absorção se houver osteomielite
Tomografia computadorizada do abdome: crianças imunocompetentes apresentam-se com microabscessos hepatoesplênicos secundários à infecção por B henselae. Pacientes imunocomprometidos podem apresentar peliose hepática, caracterizada por dilatação capilar e espaços cavernosos no fígado preenchidos com sangue.
A presença de quaisquer 3 dentre os 4 critérios seguintes confirma o diagnóstico de infecção por B henselae (adaptado de Margileth):[30][43]
Contato com gatos ou pulgas, independentemente da presença de uma marca de arranhadura no local da inoculação
Teste tuberculínico ou testes de liberação de gamainterferona ou sorologias negativas para outras causas de adenopatia; pus estéril aspirado do linfonodo; ensaio de reação em cadeia da polimerase positivo para B henselae; e/ou lesões hepáticas ou esplênicas observadas na tomografia computadorizada (TC)
EIE ou ensaio de imunofluorescência positivo com um único título de ≥1:64 ou um aumento de 4 vezes no título entre as fases aguda e convalescente
Biópsia mostrando inflamação granulomatosa compatível com DAG ou uma coloração de prata de Warthin-Starry positiva.
Bartonella quintana
Febre das trincheiras (febre quintana)
Deve-se suspeitar de quintana ou febre das trincheiras em pacientes desabrigados e em pacientes com transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas com febre prolongada, especialmente se infestados por Pediculus humanus humanus (o piolho do corpo humano).[4][5] Febre com calafrios, sudorese, mal-estar e anorexia ocorrem após um período de incubação médio de 8 dias (intervalo de 5 a 20 dias) de exposição ao piolho corporal. A febre é classicamente mantida por 5 a 7 dias, seguida por recorrências a cada 3 a 5 dias (daí os nomes "quintana" ou "febre de 5 dias"), mas o padrão é variável e a febre pode ocorrer apenas uma vez.[16]
Podem ocorrer cefaleias generalizadas com dor pós-orbital. Ocorrem mialgia, artralgia e dor intensa no pescoço, costas e pernas, inclusive na tíbia; portanto, o distúrbio é, às vezes, conhecido como febre da tíbia.
Endocardite por Bartonella: também pode estar presente como endocardite com cultura negativa, especialmente nos indivíduos desabrigados em áreas urbanas. Sintomas típicos de endocardite, como febre, mal-estar, fadiga, sudorese noturna ou palpitações cardíacas, podem estar presentes. O exame físico pode ser inespecífico ou pode revelar achados clássicos, como lesões de Janeway, nódulos de Osler ou hemorragia em estilhas.
Angiomatose bacilar: Sabe-se que a B henselae e a B quintana causam angiomatose bacilar em hospedeiros imunocomprometidos.[4][5] Pápulas castanho-avermelhadas, semelhantes ao sarcoma de Kaposi, estão presentes.
Investigações
Diversos ensaios sorológicos estão disponíveis:[5][44]
Imunofluorescência indireta (IFI)
EIE
Fixação de complemento
Hemaglutinação
Teste de Western Blot (altamente específico).
O método sorológico de escolha é o teste de IFI; um título de anticorpos >50 é considerado positivo; títulos >800 estão associados a bacteremia e endocardite.[42][44] Como este teste tem reatividade cruzada com Coxiella burnetii e Chlamydia pneumoniae, um teste de Western Blot deve ser solicitado para confirmação.
A hemocultura exige meios especiais, como ágar chocolate ou ágar sangue de carneiro.[4][5] O crescimento bacteriano pode demorar de 9 a 36 dias.
A ecocardiografia mostra vegetações em 100% dos casos com endocardite por Bartonella, geralmente envolvendo valvas aórticas. As valvas com vegetações podem ser enviadas para análise por reação em cadeia da polimerase. É útil no diagnóstico rápido, quando disponível.
Deve ser realizada biópsia cutânea ou de outro tecido suspeito seguida de exame histopatológico, imuno-histoquímica e reação em cadeia da polimerase, quando disponível.[4][5][44] A reação em cadeia da polimerase também pode ser realizada no sangue para suspeita de bacteremia.[16]
Bartonella bacilliformis
Deve-se suspeitar da doença de Carrion em pacientes com uma história adequada de exposição, como viver em ou viajar para regiões endêmicas da América do Sul (Peru, Equador e Colômbia) nas montanhas dos Andes, com exposição a flebotomíneos.
Suspeita-se de febre de Oroya em pacientes que apresentam febre prolongada, sintomas constitucionais (anorexia, mal-estar, calafrios), hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, alterações no estado mental, derrame pericárdico e anemia grave, enquanto há suspeita de verruga peruana nos que apresentam o desenvolvimento subsequente de lesões cutâneas nodulares.
Depois de semanas a meses de uma fase prodrômica bacteriêmica prolongada, os pacientes desenvolvem lesões nodulares no rosto e no tronco. Inicialmente, estas são na forma miliar: pápulas vermelhas < 3 mm de tamanho. O segundo estágio das lesões é a forma mular, caracterizada por tumores nodulares sésseis vermelhos com cerca de 5 mm de diâmetro. As lesões do terceiro estágio são nódulos subcutâneos maiores, indolores, situados principalmente nas superfícies extensoras dos membros e propensos a sangramento, ulceração e infecção.
Relatos de casos sugerem que o B bacilliformis pode causar endocardite, mas isso é raro.[45][16]
Na fase aguda, o esfregaço de sangue mostra bacilos intraeritrocíticos. Há uma melhor visualização com colorações de Romanowsky, Giemsa ou Wright. Hemoculturas e testes sorológicos são úteis para o diagnóstico. O crescimento positivo na cultura pode demorar de 5 a 30 dias. A cultura exige um ágar semissólido com soro de coelho e hemoglobina, incubados a uma temperatura mais baixa (25 °C a 28 °C; [77 °F a 82 °F]).
Diversos testes para diagnóstico sorológico estão disponíveis.[5][46] Os valores de corte para um título positivo variam para cada tipo de teste usado:
IFI
EIE
Fixação de complemento
Hemaglutinação
Teste de Western Blot (altamente sensível e específico).
Na fase eruptiva, deve ser feita uma biópsia de pele.[4][5][46] O espécime da biópsia também pode ser enviado para imuno-histoquímica e cultura do organismo.[5] A histopatologia mostra proliferação de endotélio, monócitos e macrófagos; a coloração de Warthin-Starry revela os organismos.
Bartonella vinsonii
A B vinsonii tem sido isolada em pacientes imunocompetentes, nos quais pode ser um patógeno bacteriano intravascular que causa endocardite, neoplasia vasoproliferativa, artrite e doença neurológica (por exemplo, cefaleias, insônia, perda de peso progressiva, fraqueza muscular e falta de coordenação).[12]
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal