Abordagem

Decisões de tratamento são tomadas à luz do risco de hemorragia ao longo da vida versus o risco do tratamento. O risco de rompimento de malformações arteriovenosas (MAVs) só é reduzido pela exclusão completa da MAV da circulação intracraniana, e não por ressecção/obliteração parcial. O tratamento é, portanto, altamente individualizado e dependente da angioarquitetura, da localização da própria MAV, da idade e da comorbidade do paciente, além dos riscos relativos de diferentes modalidades de tratamento para aquele centro de tratamento em particular.[59]

Uma declaração de consenso Europeia concluiu que há uma indicação suficiente para tratar as MAVs de grau 1 e 2 de Spetzler-Martin com a intenção de curar, enquanto a decisão de tratar os pacientes com graus mais elevados depende de cada caso.[60] A cirurgia pode ser realizada em um ambiente semi-eletivo em pacientes com hemorragia prévia relacionada à MAV, deterioração neurológica progressiva da síndrome do roubo ou epilepsia resistente a antiepilépticos.[61]

Hematoma e hidrocefalia associados

Em pacientes com MAV rompida, pode ser necessária drenagem cirúrgica emergencial do hematoma intracerebral e controle do sangramento agudo.[61] A ressecção simultânea de MAVs superficiais pequenas (≤3 cm) pode ser tentada durante a cirurgia de emergência. A ressecção de MAVs profundas ou complexas deve ser adiada e realizada como um procedimento semi-eletivo.[61] Durante um episódio agudo de HIC, a redução da pressão arterial e a redução da variabilidade da pressão arterial podem reduzir a expansão do hematoma com melhores desfechos funcionais.[45]​ Consulte AVC devido a hemorragia intracerebral espontânea.

Uma hidrocefalia secundária a uma ruptura intraventricular da MAV pode exigir tratamento com dreno ventricular externo.

Não adequado para cirurgia

MAVs muito grandes em locais eloquentes (áreas do cérebro que controlam a fala, a função motora e os sentidos) com veias profundas de drenagem da circulação intracraniana devem ser manejadas de modo conservador com tratamento sintomático dos efeitos da MAV, como controle de convulsões.

Ocasionalmente, uma embolização paliativa pode ser oferecida com o objetivo de reduzir o volume do shunt no nidus para controlar convulsões ou reduzir a hipóxia focal (roubo vascular).

Candidatos à cirurgia

Em pacientes com MAVS passíveis de tratamento, as modalidades principais são a ressecção cirúrgica, a radiocirurgia estereotáxica e a embolização.[61]

Muitas vezes uma combinação de duas ou mais modalidades é necessária para se obliterar completamente uma MAV. A decisão sobre as modalidades de tratamento a utilizar é melhor tomada em um contexto multidisciplinar. Após qualquer intervenção, uma verificação angiográfica deve ser feita para confirmar a obliteração completa ou planejar o estágio seguinte do tratamento.

Ressecção cirúrgica

A ressecção cirúrgica sem embolização pode ser a única modalidade de tratamento necessária para MAVs pequenas em local superficial, não eloquente. MAVs maiores podem exigir tratamento multimodal.

É realizada uma craniotomia para expor a MAV, que é retirada com o uso de técnica padrão de microcirurgia para excisar circunferencialmente o nidus. Os vasos arteriais de alimentação são sacrificados no próprio nidus com o uso de fórceps de diatermia e microtesoura até que as veias de drenagem nidal estejam completamente desarterializadas. Uma vez que isso tenha sido feito, a veia de drenagem pode ser retirada, e o nidus, removido. A neuronavegação intraoperatória é muitas vezes usada para localizar o nidus da MAV; como alternativa, onde uma veia superficial arterializada de drenagem estiver presente, esta pode ser seguida até o nidus.

Radiocirurgia estereotáxica

MAVs que não sejam cirurgicamente acessíveis ou nas quais o risco cirúrgico geral supere o de outras modalidades de tratamento podem requerer tratamento com radiocirurgia estereotáxica (RE) com ou sem embolização. As diretrizes de consenso europeias consideram a localização eloquente de uma MAV uma forte indicação para considerar a RE.[60]

A RE, seja uma radiocirurgia com acelerador linear (LINAC) ou uma capsulotomia anterior por raios gama, é uma técnica que permite a administração precisa de uma alta dose de radiação em um pequeno alvo intracraniano enquanto o cérebro normal circundante é poupado. Ela é geralmente administrada em dose única. Embora seja não invasivo, o procedimento tem riscos. Em particular, uma radiocirurgia com LINAC leva entre 2 e 5 anos para obliterar completamente a MAV, deixando o paciente exposto ao risco de ressangramento durante esse período.[62]

O sucesso da RE é inversamente proporcional ao tamanho do nidus. Tipicamente, MAVs com diâmetro menor que 3 cm (volume <120 cm³) são adequadas para RE e taxas efetivas de obliteração da MAV de até 80% podem ser alcançadas.[59] O tamanho pequeno da MAV, a localização não eloquente, o padrão de fluxo baixo e a ausência de angiogênese perinidal são preditores de obliteração pela radiocirurgia.[14] O uso de RE especificamente em MAVs de grau 1 e 2 de Spetzler-Martin parece atingir a obliteração em 80% dos pacientes, com hemorragias pós-tratamento ocorrendo em 6%.[63]

Lesões maiores podem ser passíveis de tratamento estadiado, tratando-se diferentes componentes anatômicos da MAV com intervalos entre 3 e 6 meses.[64] A RE em estágios de MAVs grandes pode reduzir os efeitos adversos da radiação: em um estudo, o estadiamento da RE não afetou os efeitos adversos temporários da radiação, mas os efeitos adversos permanentes caíram de 15% para 6.5%.[65]

Os aneurismas associados a MAV são fortes preditores de hemorragia pós-RE. Recomenda-se o tratamento dos aneurismas associados a MAV por meio de microcirurgia ou terapia endovascular antes da RE para reduzir o risco de hemorragia.[61]

embolização

As MAVs menores com menos alimentadores arteriais são mais favoráveis à embolização curativa. No entanto, a taxa de cura com a embolização isolada é moderada, com uma média de 20% com n-butil cianoacrilato (n-BCA) em estudos mais antigos e até 50% com agentes embólicos mais novos.[59] MAVs maiores geralmente exigem embolizações planejadas, muitas vezes estadiadas, seguidas por excisão cirúrgica ou RE para qualquer resíduo da MAV.

Uma análise detalhada das artérias que alimentam a MAV, suplementada onde necessário por angiografia superseletiva, é precursora essencial do planejamento do tratamento. As embolizações são geralmente realizadas com anestesia geral com abordagem pela artéria femoral. Tem havido um interesse em usar uma abordagem venosa e foi descrita a embolização venosa mais agressiva com hipotensão controlada, mas isto ainda não foi amplamente adotado.[66]

O n-BCA é um agente embólico adesivo líquido de rápida polimerização. No entanto, seu uso tem sido largamente suplantado pelo sistema embólico líquido Onyx, que é menos adesivo e polimeriza lentamente, permitindo uma embolização mais controlada do Nidus.[67] Outros líquidos embólicos, como o líquido injetável hidrofóbico precipitante (PHIL) e o squid (um agente embólico líquido não adesivo composto de copolímero de álcool etileno vinílico) também estão disponíveis.[68][69] Independentemente da escolha, há risco de refluxo do agente de embolização para uma artéria de alimentação, o que pode causar acidente vascular cerebral (AVC), e a obliteração ou trombose precoce das veias de drenagem pode ocasionar ruptura periprocedural da MAV.[67][69] Parece haver uma taxa de recorrência de 4.5% após a embolização das MAVs, de modo que os pacientes com MAVs obliteradas precisam ser acompanhados com angiografia em intervalos regulares.[70]

A embolização pode fazer parte de uma abordagem multimodal, antes da excisão cirúrgica ou da radiocirurgia estereotáxica. Quando a embolização subtotal antes da excisão cirúrgica de uma MAV é planejada, o objetivo é reduzir os riscos associados com a cirurgia visando áreas que são difíceis de alcançar com a cirurgia por via aberta.

Embolização pré-radiocirurgia estereotáxica

Revisões sistemáticas e metanálises relatam menores taxas de obliteração em pacientes submetidos à embolização seguida por RE do que nos que se submeteram apenas à RE.[71][72][73] O aumento no fracasso do tratamento em pacientes que receberam embolização pré-RE pode ser atribuído a várias causas: o fato de não levar em conta as diferenças nas características da MAV entre pacientes que se submeteram à embolização seguida por RE e aqueles que se submeteram apenas à RE (a maioria dos estudos é não randomizada e retrospectiva); pacientes com MAVs complexas, sendo candidatos mais prováveis à embolização pré-radiocirurgia estereotáxica; agentes de embolização causando artefato significativo nas imagens, obscurecendo com isso a visualização da MAV; e recanalização após embolização.[74][75][76][77][78]

Os objetivos da embolização pré-radiocirurgia estereotáxica são tornar a radiocirurgia factível pela redução do volume do nidus e minimizar o risco de sangramento no período de latência embolizando elementos mais fracos da angioarquitetura do nidus, como aneurismas relacionados ao fluxo ou fístulas de fluxo intenso.[79][80] A embolização deve buscar produzir um nidus compacto e estável.

As MAVs associadas com aneurismas ou fístulas arteriovenosas intranidais ou extranidais podem ser resistentes à radiocirurgia e têm uma incidência mais alta de hemorragia perioperatória.[81] Quando realizada por cirurgiões experientes, a embolização prévia à radiocirurgia pode ser considerada para pacientes cuidadosamente selecionados com MAVs grandes e complexas.[82]

MAV sem ruptura

Não há evidências de que o tratamento invasivo para MAVs não rompidas seja benéfico.[83]​ O risco de hemorragia parece ser superestimado em pacientes sem quadro hemorrágico (<1%), e os riscos do tratamento podem superar o risco de ruptura nesses pacientes.[22][36]​ Um estudo multicêntrico relatou um risco de morte ou AVC significativamente menor entre pacientes com MAV cerebral não rompida que foram randomizados para tratamento clínico, comparados com os randomizados para neurocirurgia, embolização ou RE, isoladamente ou combinadas (razão de riscos de 0.27, intervalo de confiança de 95%: 0.14 a 0.54).[84] Existem dados de desfechos disponíveis sobre 223 pacientes com um acompanhamento médio de 33.3 meses quando o ensaio foi interrompido por uma comissão de monitoramento de segurança e dados indicada pelo National Institute of Neurological Disorders and Stroke. O desfecho composto de morte ou AVC sintomático foi alcançado em 10.1% dos pacientes no grupo clínico versus 30.7% dos pacientes no grupo intervencionista.[84] Uma análise subsequente dos dados de acompanhamento de 5 anos mostrou que essas diferenças no desfecho composto persistiram.[85]

No entanto, o estudo foi amplamente criticado por inúmeras limitações metodológicas, incluindo o erro sistemático causado pelo período de acompanhamento abreviado e um provável viés de seleção antes da randomização, com um grande número de pacientes elegíveis não incluídos e, portanto, falta de possibilidade de generalização dos resultados do ensaio.[86]​ Além disso, nenhum dos pacientes apresentava MAVs com um grau de Spetzler-Martin superior a 4, e apenas 18 pacientes se submeteram à cirurgia, enquanto 30 pacientes passaram apenas pela embolização, que naquela época não era amplamente considerada um procedimento curativo. Ademais, o período de acompanhamento foi relativamente curto para uma doença que abriga um risco vitalício de hemorragia. O estudo, no entanto, confirma uma pequena taxa de ruptura espontânea (2.2% por ano) para MAVs não rompidas. Um estudo maior está em andamento.[87]

Existem outras incertezas com relação à subpopulação de MAVs, as quais têm sido tradicionalmente classificadas com "sem ruptura" na maioria dos estudos. Até 30% das MAVs "sem ruptura" mostram evidência de microssangramentos intralesionais silenciosos prévios que podem ser preditivos de uma ruptura posterior mais grave.[88][89] Técnicas de imagem mais recentes estão sendo avaliadas atualmente por sua habilidade de definir esta subpopulação em potencial.

Gestação e trabalho de parto

O manejo da gestação e do trabalho de parto em mulheres com MAVs requer uma equipe multidisciplinar. O risco de sangramento intracraniano intraparto é considerado baixo se a MAV for totalmente tratada ou se o sangramento intracraniano tiver ocorrido mais de 2 anos antes.[90] As mulheres com baixo risco de sangramento intracraniano podem basear as decisões sobre o tipo de parto com base em sua preferência habitual e nas indicações obstétricas. O risco de sangramento intracraniano intraparto é alto se a mãe apresentar uma MAV não tratada ou complexa ou episódio hemorrágico nos últimos 2 anos. As mães com alto risco de sangramento intracraniano devem receber a opção de parto cesáreo após uma discussão completa dos benefícios e riscos de cada opção. As mulheres de alto risco que preferem tentar o parto vaginal devem receber analgesia regional e a opção de segundo estágio do parto assistido.[90]

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