Etiologia
Malformações arteriovenosas (MAVs) cerebrais são lesões vasculares congênitas que consistem em conexões diretas entre as artérias e veias cerebrais.
A vasculogênese e a angiogênese bem-sucedidas no cérebro fetal requerem uma interação complexa e perfeitamente coordenada de migração, apoptose, diferenciação e proliferação. Esses comportamentos celulares são coordenados por diversos fatores de crescimento, mediadores inflamatórios, moléculas de adesão celular, proteínas de matriz extracelular, enzimas de metaloproteinases da matriz e hormônios. Genes codificadores dessas proteínas já tiveram expressões alteradas identificadas em associação com MAVs; é provável que muitos produtos gênicos tenham que ser expressados incorretamente para uma MAV se desenvolver. Em particular, fatores de crescimento endotelial vascular, a família dos fatores transformadores de crescimento, angiopoietinas e integrinas específicas parecem ter papel no desenvolvimento de MAVs.
Embora as MAVs sejam congênitas, são lesões dinâmicas que podem aumentar ou regredir. Assim, os pacientes frequentemente apresentam-se quando adultos jovens, e não quando crianças. Acredita-se que isso se deva à up-regulation de fatores angiogênicos em resposta ao ambiente hipóxico no entorno da MAV (estimulação angiogênica isquêmica). Micro-hemorragias na MAV também podem estimular a angiogênese (proliferação angiogênica hemorrágica).[26]
Fisiopatologia
A resposta ao desvio do sangue arterial para as veias é o desenvolvimento de veias "arterializadas", com proliferação da musculatura lisa e elastina na parede vascular. O exame patológico das malformações arteriovenosas (MAVs) revela uma massa de canais vasculares anormais com grande variação de calibre, de hipertróficos a vasos sinusoidais de parede fina, com graus variados de arterialização. A hemorragia pode estar relacionada à pressão da artéria de alimentação e a uma pressão venosa que presumivelmente excede a pressão transmural tolerável nos canais das MAVs quando estes se rompem.[27]
As MAVs cerebrais apresentam um circuito vascular paralelo de alta pressão que causa hipotensão arterial e hipertensão venosa locais, sendo um desafio para a fisiologia e a autorregulação cerebrovasculares locais. Alguns autores defendem que as MAVs provocam perda da autorregulação, enquanto outros sugerem que as MAVs se desenvolvem como resultado da perda da autorregulação.[27][28]
Quando a autorregulação local é preservada, o limite inferior da curva de autorregulação é deslocado para a esquerda em uma tentativa de manter um fluxo sanguíneo cerebral normal com hipotensão arterial (deslocamento autorregulatório adaptativo).[29] A consequente isquemia/hipóxia no ambiente em torno da MAV pode causar deficits neurológicos, atividade convulsiva ou comprometimento cognitivo. Esse "fenômeno do roubo vascular" é controverso. Isquemias cerebrais não ocorrem em torno de alguns MAVs de fluxo particularmente alto e resistência particularmente baixa, mas não foi demonstrada relação definida entre este fato e deficits neurológicos focais.[30][31]
Classificação
Sistema de graduação de Spetzler-Martin[6]
O sistema de classificação de Spetzler-Martin é usado para prever o risco da cirurgia, sendo o sistema mais utilizado. São consideradas três variáveis:
Tamanho
Pequena: <3 cm (1 ponto)
Média: 3 a 6 cm (2 pontos)
Grande: >6 cm (3 pontos).
Padrão de drenagem venosa
Profunda (1 ponto)
Superficial (0 ponto).
Eloquência neurológica do cérebro no sítio da malformação arteriovenosa (MAV)
Eloquente (1 ponto): áreas do cérebro que controlam a fala, a função motora e os sentidos. Se lesadas, resultam em deficits neurológicos incapacitantes
Não eloquente (0 ponto).
O grau é a soma dos totais obtidos para cada variável. Desfechos cirúrgicos desfavoráveis estão associadas a graus mais elevados.
Grau 1: 4% chance de desfecho desfavorável
Grau 2: 10% chance de desfecho desfavorável
Grau 3: 18% chance de desfecho desfavorável
Grau 4: 31% chance de desfecho desfavorável
Grau 5: 37% chance de desfecho desfavorável.
A classificação modificada de Spetzler-Martin subdivide as MAVs de grau 3 de acordo com o tamanho: grau 3A (>3 cm) e grau 3B (<3 cm).[7] Essas subdivisões podem ser ainda mais divididas com relação à eloquência e drenagem. Aplicando o sistema de classificação modificada de Spetzler-Martin, a MAV de grau 3 de tamanho pequeno (1 ponto) + localização eloquente (1 ponto) + drenagem profunda (1 ponto) é mais favorável à cirurgia. As combinações de MAV de grau 3 mais complexas em termos cirúrgicos são as de tamanho médio (2 pontos) + localização não eloquente (0 pontos) + drenagem profunda (1 ponto) ou tamanho médio (2 pontos) + localização eloquente (1 ponto) + drenagem superficial (0 pontos). As MAVs de grau 3 grandes (3 pontos), mas com localização não eloquente e drenagem superficial, não são bem estudadas.[8]
O sistema de Spetzler-Ponce simplifica a classificação de Spetzler-Martin ao consolidar os graus da seguinte forma:[9]
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Consolidação do sistema de classificação de Spetzler-Martin no sistema de classificação de Spetzler-PonceCriado pelo BMJ Knowledge Centre [Citation ends].
As acurácias preditivas dos desfechos cirúrgicos para o sistema Spetzler-Martin e para os sistemas mais simples Spetzler-Ponce são equivalentes, com áreas das curvas da característica operativa do receptor (curvas ROC) de 0.711 e 0.713, respectivamente.
Sistema de classificação suplementar de Lawton-Young[10]
A escala de Lawton-Young inclui diversas variáveis que não estão presentes no sistema de classificação de Spetzler-Martin:
Idade
<20 anos (1 ponto)
20 a 40 anos (2 pontos)
>40 anos (3 pontos).
Apresentação hemorrágica
Não (1 ponto)
Sim (0 pontos).
Nidus difuso
Sim (1 ponto)
Não (0 pontos).
Esta escala pode ser usada por conta própria ou como adjuvante ao sistema de classificação de Spetzler-Martin.[10] Embora a acurácia preditiva seja maior para o modelo do sistema de classificação de Lawton-Young do que para o sistema de classificação de Spetzler-Martin (área da curva ROC 0.73 vs 0.66, respectivamente), o modelo multivariável completo (sistema de classificação de Lawton-Young adjuvante do sistema de classificação de Spetzler-Martin) tem a acurácia preditiva mais elevada (área da curva ROC 0.78).[10] Ao contrário do sistema de classificação de Spetzler-Martin, onde esta classificação acontece antes do tratamento, com a utilização do sistema de Lawton-Young a classificação pode mudar com o tempo e o tratamento: por exemplo, após a radiocirurgia a lesão pode perder a sua capacidade de difusão, reduzindo um ponto do escore global.
Sistema de classificação da Universidade de Toronto[11]
O sistema de classificação da Universidade de Toronto usa os pesos relativos de três variáveis para prever o desfecho.
Localização eloquente
Sim (4 pontos)
Não (0 pontos).
Nidus difuso
Sim (3 pontos)
Não (0 pontos).
Drenagem venosa profunda
Sim (2 pontos)
Não (0 pontos).
A escala de pontuação tem uma capacidade preditiva (área da curva ROC 0.79) similar à da escala de Spetzler-Martin suplementada em 10 pontos (área da curva ROC 0.78) e melhor do que a da escala de Spetzler-Martin original (área da curva ROC 0.69). Esta escala discrimina a probabilidade percentual de incorrer em um desfecho neurológico incapacitante precoce:
0 a 2 pontos: 1.8%
3 a 5 pontos: 17.4%
6 a 7 pontos: 31.6%
>7 pontos: 52.9%.
Escala de classificação HDVL
HDVL para hemorragia, difusão, veia e distância entre lesão e eloquência. A classificação é baseada em imagens de ressonância nuclear magnética (RNM) funcional e resultados de exames de imagem por tensor de difusão.[12]
Variáveis
Distância entre lesão e eloquência (LED)
>10 mm: 1 ponto
5-10 mm: 2 pontos
<5 mm: 3 pontos.
Difusão
Sim: 1 ponto
Não: 0 pontos.
Veias de drenagem profunda
Sim: 1 ponto
Não: 0 pontos.
Histórico hemorrágico
Sim: 0 pontos
Não: 1 ponto.
Escore total = LED + difusão + veias de drenagem profunda + hemorragia prévia
Escores de HDVL 1-3: a operação é recomendada
Escores HDVL 4-6: o tratamento multimodal individualizado ou manejo conservador é recomendado.
Escalas de classificação da embolização
Similarmente às escalas de classificação cirúrgica, as escalas de embolização ajudam a prever a probabilidade de sucesso e o risco de complicações.
O escore arteriovenous malformation embocure scoring (AVMES) foi desenvolvido para avaliar o risco de complicações de uma embolização curativa de uma malformação arteriovenosa (MAV) com um agente embólico líquido não adesivo consistindo em um copolímero de etileno e álcool vinílico dissolvido em dimetilsulfóxido (Onyx).[13]
Classificação embocure da MAV:
Tamanho do nidus
<3 cm (1 ponto)
3 a 6 cm (2 pontos)
>6 cm (3 pontos).
Número de alimentadores arteriais
1 a 3 pedículos (1 ponto)
4 a 6 pedículos (2 pontos)
>6 pedículos (3 pontos).
Veias de drenagem
1 a 3 veias (1 ponto)
4 a 6 veias (2 pontos)
>6 veias (3 pontos).
Eloquência vascular, definida como surgimento de pequenos e curtos pedículos arteriais de um vaso parental cuja oclusão causaria complicações graves (isto é, <20 mm da ACI ou M1) ou pequenos demais para microcateterismo
Presente (1 ponto)
Ausente (0 pontos)
Probabilidades
3 pontos: 100% de obliteração bem-sucedida
4 pontos: 75% de obliteração bem-sucedida; 8% de morbidade
5 pontos: 78% de obliteração bem-sucedida; 11% de morbidade
>5 pontos: 20% de obliteração bem-sucedida; 30% de morbidade.
Escalas de classificação da radiocirurgia estereotáxica
Embora o tamanho pequeno da MAV, a localização não eloquente, o padrão de fluxo baixo e a ausência de angiogênese perinidal sejam preditores de obliteração pela radiocirurgia estereotáxica (RE),[14] existem sistemas de classificação para calcular os riscos da RE. Dois dos sistemas mais utilizados são a classificação de Pollock-Flickinger e a escala de radiocirurgia da Virgínia.[15][16]
Classificação de Pollock-Flickinger
0.1 x volume + 0.02 x idade + 0.5 x localização (hemisfério, corpo caloso, cerebelar = 0 pontos; gânglios da base, tálamo, tronco encefálico= 1 ponto)
Probabilidades
<0.75: 100% desfechos excelentes
>2: 39% desfechos excelentes.
Escala de radiocirurgia da Virgínia
Volume da MAV
2 a 4 cm ³ (1 ponto)
> 4 cm ³ (2 pontos)
História de hemorragia
Presente (1 ponto)
Ausente (0 pontos)
Localização eloquente
Sim (1 ponto)
Não (0 pontos).
Probabilidades
0 ou 1 ponto 80% de bons desfechos com RE
2 pontos: 70% de bons desfechos com RE
3 ou 4 pontos: 45% de bons desfechos com RE.
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