Abordagem
As primeiras etapas ao avaliar a viabilidade do paciente para receber profilaxia pós-exposição (PPE) são identificar o momento e o tipo de exposição e estabelecer a sorologia para HIV e a probabilidade de viremia detectável do indivíduo-fonte. Todos os pacientes precisam de uma história médica e sexual completa.
Momento da exposição
A PPE deve ser iniciada o quanto antes, idealmente dentro de 2 horas, e preferencialmente dentro de 24 horas após a exposição.[3] A PPE não é recomendada se a exposição ocorreu há mais de 72 horas antes da apresentação.[3][4]
Tipos de exposição
Exposição não ocupacional
Considere que o paciente está em risco potencial de adquirir HIV nos seguintes casos:
O indivíduo-fonte tem HIV e não recebe terapia antirretroviral (TAR), apresenta alto risco de infecção por HIV ou faz parte de um grupo com alta prevalência de viremia do HIV detectável, E
Houve exposição da vagina, reto, boca ou pele não intacta ao sangue, sêmen, secreções vaginais, secreções retais, leite materno ou qualquer fluido corporal que visivelmente contenha sangue.
A exposição por meio de urina, secreções nasais, saliva, suor ou lágrimas, sem a presença de sangue, é considerada risco desprezível para aquisição do HIV.
Para exposições sexuais, deve-se determinar se houve ejaculação e se houve trauma ou sangue visível.[36] Caso o preservativo tenha sido usado, deve-se estabelecer se houve rompimento ou deslocamento do preservativo. Não há indicação da PPE se um preservativo intacto tiver sido usado corretamente.
Exposição ocupacional
Se a exposição for ocupacional, deve-se estabelecer o tipo de lesão. A exposição ocupacional é definida como:[3]
Uma lesão percutânea (por exemplo, picada de agulha ou corte com um objeto perfurocortante). Lesão profunda, sangue visível ou lesão com um dispositivo que tenha sido utilizado intravascularmente aumentam o risco de transmissão do HIV.
O contato com membranas mucosas ou com a pele lesionada (por exemplo, pele exposta que esteja rachada, escoriada ou afetada por dermatite). Se a pele permanecer intacta, não haverá risco de transmissão do HIV.
Uma mordida se houver laceração na pele como resultado de trauma.
Com um dos critérios a seguir:[3]
Sangue, sêmen, secreções vaginais e outros fluidos corporais contaminados com sangue visível
Tecido
Outros fluidos corporais que são potencialmente infecciosos, como líquido cefalorraquidiano, líquido sinovial, líquido pleural, líquido peritoneal, líquido pericárdico e líquido amniótico.
Fezes, secreções nasais, saliva, escarro, suor, lágrimas, urina e vômito não são considerados potencialmente infecciosos, a menos que estejam visivelmente contaminados com sangue. Uma revisão sistemática não identificou casos de transmissão do HIV associadas à salivação.[37] O risco geral de adquirir HIV por meio de mordida é insignificante, mas o risco aumenta com a presença de sangue na saliva ou alta carga viral no indivíduo-fonte, ou se forem infligidas feridas profundas.[3][37]
As evidências sugerem que a PPE pode ser eficaz até em populações de alto risco, como homens que fazem sexo com homens (HSH) com uso contínuo de drogas, mas que o comportamento de alto risco frequentemente continua após um ciclo da PPE.[38][39] O comparecimento a um serviço de saúde para iniciar a PPE oferece uma oportunidade única para os esforços de redução de riscos que devem ser promovidos pelos profissionais de saúde para oferecer aconselhamento minucioso e uma oportunidade para discutir a profilaxia pré-exposição (PPrE) para HIV.[40] Na verdade, a estratégia de transição direta da PPE para a PPrE é recomendada para pacientes apropriados com os quais os eventos de exposição ao HIV continuam acontecendo.[3][41][42]
Características do indivíduo-fonte
Devem-se empregar todos os esforços possíveis para confirmar a sorologia para HIV e a probabilidade de viremia detectável do indivíduo-fonte assim que possível. Caso o indivíduo-fonte seja sabidamente HIV-positivo, deve-se considerar o seguinte: se a carga viral do HIV é detectável, o número de cópias/mL e se há coinfecção com hepatite B ou C ou outra infecção sexualmente transmissível (IST).
Evidências sólidas indicam que, se o indivíduo com HIV tiver uma carga viral suprimida <200 cópias/mL, não há risco de transmissão sexual.[43][44] Portanto, se o indivíduo-fonte for sabidamente portador de HIV, mas estiver recebendo terapia antirretroviral (TAR) com carga viral plasmática não detectável confirmada e sustentada (>6 meses) (<200 cópias/mL), a PPE não será indicada.[3] Caso a PPE ainda for indicada, é importante documentar se o indivíduo-fonte tomou antirretrovirais e se há alguma resistência conhecida do HIV, já que isso é essencial para a escolha dos medicamentos.
Caso a sorologia para HIV do indivíduo-fonte não possa ser determinada, muitas diretrizes ainda recomendam o uso de dados locais de soroprevalência dos grupos populacionais do indivíduo-fonte para orientar a tomada de decisão para oferecer PPE.[45][46] Os grupos de risco mais alto incluem usuários de drogas injetáveis, HSH, profissionais do sexo e receptores de transfusão de sangue não testado.[3] Em ambientes com epidemia generalizada de HIV, pode ser razoável considerar que todos os indivíduos-fonte com sorologia para HIV desconhecida podem representar risco de infecção. No entanto, em ambientes em que a infecção por HIV não diagnosticada é baixa e a grande maioria dos indivíduos com HIV está diagnosticada e viralmente suprimida, o uso da prevalência de viremia do HIV detectável nos indivíduos-fonte pode proporcionar uma abordagem mais direcionada.[3] A prevalência regional pode ser obtida no site do Programa de HIV/AIDS das Nações Unidas (UNAIDS). UNAIDS data 2020 Opens in new window
Pode ser tranquilizador se o indivíduo-fonte apresentar um exame negativo para HIV recente. No entanto, é necessário levar em consideração a janela de 45 dias para o HIV quando um indivíduo infectado recentemente está infeccioso para os demais, mas ainda apresenta um teste negativo de antígeno-anticorpo de 4a geração.[47] A janela é maior se forem usados testes de anticorpos de 3a geração (60 dias) ou testes laboratoriais remotos (90 dias).[47] Caso o indivíduo-fonte tenha tido uma nova exposição ao HIV durante a janela anterior, a carga viral de HIV por ácido ribonucleico (RNA) por reação em cadeia da polimerase (PCR) também deve ser testada para descartar a infecção por HIV do indivíduo-fonte.[48]
Avaliação clínica: médica e sexual
A história clínica completa precisa ser registrada para avaliar o risco de HIV do paciente e para determinar quais medicamentos estão sendo tomados. Medicamentos antirretrovirais têm múltiplas interações medicamentosas. Particularmente importantes na história do paciente são a tuberculose (TB) e a epilepsia, mas outras interações medicamentosas importantes incluem antiácidos, polivitamínicos e medicamentos de venda livre, como a erva-de-são-joão.
A ingestão de antiácidos contendo alumínio ou sais de magnésio diminui significativamente os níveis plasmáticos de raltegravir e dolutegravir. Os pacientes que tomam raltegravir não devem tomar antiácidos concomitantes ou escalonados contendo alumínio e/ou magnésio, e o dolutegravir deve ser administrado 2 horas antes ou 6 horas depois de medicamentos contendo cátions polivalentes (por exemplo, magnésio, alumínio, ferro ou cálcio).[49][50]
Alguns medicamentos, como a rifampicina e os antiepilépticos, reduzem a eficácia de certos antirretrovirais; certos antirretrovirais podem reduzir ou aumentar os níveis sistêmicos de outros medicamentos, como os contraceptivos orais.[51] É necessário verificar as interações medicamentosas de qualquer medicamento que a pessoa estiver tomando, e o esquema de PPE deve ser escolhido de maneira adequada. A história de medicamentos também deve incluir a história de alergias a medicamentos.
Deve-se obter a história sexual da pessoa que se apresenta para PPE, independentemente se a exposição foi sexual ou ocupacional, sendo necessário alertá-la a praticar sexo seguro até que a sorologia para HIV seja confirmada após 3 a 6 meses.[4]
Para aqueles que se apresentam para PPE não ocupacional, devem ser feitas perguntas sobre os parceiros sexuais anteriores nos últimos 3 meses para avaliar o risco do paciente de estar no período da janela imunológica do HIV, pois, se a pessoa estiver infectada, o tratamento será diferente da PPE padrão. Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) atuais, especialmente a doença ulcerosa genital, aumentam o risco de transmissão do HIV; por isso, devem ser feitas perguntas a esse respeito.[52]
Crianças e adolescentes que tenham sofrido violência sexual devem ser tratados no pronto-socorro ou em outro ambiente no qual estejam disponíveis recursos apropriados à idade, de forma a abordar os múltiplos aspectos clínicos, psicossociais e jurídicos.
Testes se a PPE for indicada
Os seguintes testes devem ser realizados em todos os pacientes indicados para PPE:[3]
Teste de avaliação inicial de 4ª geração de anticorpos anti-HIV/antígeno (por ensaio de imunoadsorção enzimática [ELISA] ou ensaio imunoenzimático [EIE]) com um teste rápido de HIV: há a possibilidade de um resultado falso-positivo, especialmente em populações de baixa prevalência. O período da janela deve ser considerado. As pessoas já infectadas com HIV não devem receber a PPE de 28 dias, mas devem ser encaminhadas para os serviços de HIV para iniciar o tratamento. Caso a PPE já tiver sido iniciada antes do diagnóstico de HIV, deve ser continuada até a reavaliação por um especialista em HIV.
Função renal e urinálise ou relação proteína/creatinina urinária: se houver presença de disfunção renal ou proteinúria significativas, deve-se evitar fumarato de tenofovir desoproxila. Pode ser necessário ajustar as doses de outros medicamentos antirretrovirais.
Enzimas hepáticas: se estiverem elevadas, aumentam a suspeita de hepatite viral crônica ou sífilis e deve alertar para um monitoramento mais frequente após o início da PPE.
Sorologia para hepatite B: o teste antígeno de superfície da hepatite B e de anticorpo de núcleo deve ser feito para determinar a presença de infecção crônica, e o teste para anticorpo antiantígeno de superfície do vírus da hepatite B para determinar a imunidade da vacinação anterior. Se o anticorpo for negativo, considerar a vacinação com a possível adição de imunoglobulina humana contra hepatite B (IGHB) se o indivíduo-fonte for sabidamente portador de hepatite B ou se houver alto risco de hepatite B. Se infectado cronicamente com hepatite B, isso afetará a escolha dos antirretrovirais, já que muitos medicamentos ativos contra a hepatite B também são ativos contra o HIV e devem ser escolhidos com cuidado e com o auxílio de um especialista em doenças infecciosas.
Anticorpo contra o vírus da hepatite C: quando o caso índice tiver alto risco de hepatite C (por exemplo, indivíduo que faz uso de drogas injetáveis), uma reação em cadeia da polimerase para hepatite C ou antígeno do núcleo deve ser realizado. Se positivo, encaminhe para um especialista em tratamento da hepatite.
Sorologia para sífilis: se for positiva, tratar.
Teste de gravidez.
Rastreamento para outras ISTs baterianas (por exemplo, gonorreia e clamídia).
Teste da carga viral: não é feito rotineiramente em pacientes submetidos à avaliação para PPE. Pode ser realizado quando houver suspeita de síndrome aguda de soroconversão para HIV.[53][54]
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