Abordagem
Há escassez de dados de ensaios controlados para embasar estratégias de tratamento especificamente nos pacientes com doença mista do tecido conjuntivo (DMTC), ou qualquer das síndromes de sobreposição, nos quais as características clínicas e a necessidade de tratamento são altamente variáveis. Por isso, o tratamento desses pacientes é extremamente individualizado, adaptado aos sistemas de órgãos comprometidos e à gravidade do comprometimento. As estratégias de tratamento e a evidência para apoiar tratamentos específicos baseiam-se nas terapias padrão comprovadamente eficazes em outras doenças reumáticas bem definidas. O principal objetivo da terapia é o controle dos sintomas, a prevenção de lesões orgânicas e, se possível, a interrupção da patogênese autoimune subjacente.
Manejo geral
É essencial que todos os pacientes sejam encaminhados para um reumatologista com experiência no manejo dessas doenças. Todo paciente com evidência de doença pulmonar deve ser encaminhado a um especialista para avaliar a doença pulmonar progressiva.
Para muitos pacientes com síndromes de sobreposição, obtém-se benefício sintomático pelo uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e corticosteroides. Os efeitos colaterais da corticoterapia em longo prazo são bem documentados e os pacientes devem ser aconselhados em relação aos riscos de hipertensão, hiperglicemia e possíveis alterações cutâneas. É necessário cautela em relação ao uso dos corticosteroides em pacientes com sintomas no trato gastrointestinal superior, especialmente se também estiverem tomando AINEs. A menor dose possível para controlar os sintomas deve ser usada pelo menor tempo possível.
A todos os pacientes, deve-se recomendar modificações gerais do estilo de vida. Isso deve incluir:
Esclarecimento para encorajar o paciente a assumir a responsabilidade em relação ao controle da doença
Manutenção de um peso corporal ideal para sua altura
Redução do consumo de sal na presença de hipertensão devido à doença renal
Exercícios físicos para manter o condicionamento cardiovascular ideal em pacientes com a doença estável
O abandono do hábito de fumar para pacientes que fumam.
Artralgias e artrite
As artralgias típicas das pequenas articulações da DMTC e de outras síndromes de sobreposição são tratadas com o uso de AINEs, por exemplo o naproxeno, nas menores doses eficazes, com atenção para o monitoramento e a prevenção das toxicidades cardiovascular, renal e gastrointestinal. Se AINEs forem inadequados ou ineficazes, considere o uso de medicamentos antimaláricos, particularmente a hidroxicloroquina, que demonstrou ser eficaz no lúpus eritematoso sistêmico e pode ser usada na doença mista do tecido conjuntivo (DMTC).[24] Nesse caso, deve-se realizar um rastreamento oftalmológico regular para retinopatia.
Em pacientes que desenvolvem sinovite franca, ciclos curtos de corticosteroides em baixas doses são úteis. O uso adicional de metotrexato é útil quando a artrite é resistente a corticosteroides, a sinovite não é adequadamente controlada em baixas doses de corticosteroides ou o paciente tem doença deformante ou erosiva.[24] Ele não deve ser usado em pacientes com insuficiência renal, e deve ser usado com cautela naqueles com doença pulmonar intersticial. Deve-se administrar uma suplementação com folato de maneira simultânea, e dedicar uma atenção especial ao aconselhamento quanto à contracepção e à saúde reprodutiva.
Fenômeno de Raynaud
Deve-se aconselhar modificações do estilo de vida, inclusive evitar o frio ou mudanças súbitas de temperatura. O abandono do hábito de fumar é essencial.
O tratamento é importante para evitar a evolução para ulceração digital. As intervenções farmacológicas de primeira linha incluem bloqueadores dos canais de cálcio como o nifedipino. Esses agentes são úteis para reduzir a frequência e a gravidade dos ataques.[25][26][27] Em pacientes com o fenômeno de Raynaud (FR) decorrente de esclerodermia, foi demonstrado que agentes bloqueadores alfa-1 (por exemplo, prazosina) são úteis.
Para pacientes que não conseguem tolerar ou que são resistentes aos bloqueadores dos canais de cálcio, a fluoxetina mostrou reduzir a frequência e a gravidade dos ataques em pacientes com FR primário ou FR relacionado a esclerose sistêmica.[28] Outras terapias de segunda linha incluem o inibidor da fosfodiesterase-5 sildenafila, que demonstrou ser eficaz e pode ser considerado em pacientes que não respondem aos bloqueadores dos canais de cálcio.[29] Em casos mais graves associados à esclerose sistêmica, análogos parenterais da prostaciclina demonstraram algum sucesso. Demonstrou-se que o antagonista do receptor endotelial bosentana reduz a incidência de novas úlceras isquêmicas.[30] Esses agentes só devem ser usados sob a supervisão de médicos familiarizados com o seu uso, já que efeitos colaterais são comuns.
Mãos inchadas
AINEs como o naproxeno podem melhorar os sintomas. Pode-se adicionar prednisolona em baixas doses se necessário.
Miosite
A corticoterapia é o padrão de tratamento de miosite na doença mista do tecido conjuntivo (DMTC), bem como na síndrome antissintetase e na síndrome de sobreposição polimiosite/esclerodermia na qual uma miopatia inflamatória é um componente proeminente.[24][31] A prednisolona é efetiva, e seguida por uma redução lenta após 4 a 6 semanas, quando a doença estiver controlada.
Para os pacientes que não remitem com corticoterapia, ou para aqueles que continuam a exigir altas doses inaceitáveis para o controle da doença, a adição de metotrexato ou azatioprina pode produzir um efeito poupador de corticosteroide. A imunoglobulina intravenosa em altas doses foi administrada em casos resistentes, com relatos de eficácia em polimiosite e dermatomiosite.
Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)
O tratamento da DRGE é importante, tanto para o conforto do paciente como para evitar complicações (por exemplo, estenose esofágicas). Inibidores da bomba de prótons são o padrão de tratamento.
Uma modificação do estilo de vida também é recomendada. Os pacientes devem ser aconselhados a não se alimentar 2 a 3 horas antes de deitar e a evitar o consumo de bebidas carbonatadas e cafeinadas.
Consulte Doença do refluxo gastroesofágico (Abordagem de tratamento).
Sintomas de secura
O tratamento geralmente é sintomático. Os acompanhamentos oftalmológico e dentário estritos são essenciais para a prevenção das complicações relacionadas à redução de lágrimas e saliva. As lágrimas artificiais são úteis como terapia inicial.
Agentes parassimpatomiméticos como a pilocarpina e a cevimelina podem melhorar o fluxo das lágrimas e da saliva, mas podem ter inúmeros efeitos colaterais anticolinérgicos.
Um estudo aberto retrospectivo revelou que hidroxicloroquina é benéfica em pacientes com síndrome de Sjögren primária e também pode ser benéfica em pacientes com sintomas de secura como parte da síndrome de sobreposição.[32] Nesse caso, deve-se realizar um rastreamento oftalmológico regular para retinopatia. As terapias imunossupressoras, inclusive os bloqueadores do fator de necrose tumoral (TNF) alfa, têm sido extremamente desencorajadoras e não podem ser recomendadas de maneira rotineira nesses pacientes.
Neuropatia
Para neuropatia sensorial, pode-se tentar primeiro o tratamento padrão com gabapentina ou amitriptilina.[33][34] A estimulação elétrica nervosa transcutânea pode ser acrescentada à terapia existente, ou usada de maneira isolada.[35]
Consulte Síndromes de dor crônica (Abordagem de tratamento).
Em casos mais graves com neuropatia motora ou mielite transversa, a terapia imunossupressora com corticosteroides em altas doses (e raramente agentes citotóxicos) podem ser necessários.[36][37][38] Dos medicamentos citotóxicos, a ciclofosfamida tem sido o agente mais usado; o papel dos esquemas menos tóxicos que usam micofenolato está sob investigação. Todos os medicamentos só devem ser usados sob os cuidados de um reumatologista experiente.
Serosite
Uma serosite leve pode responder a AINEs, mas os corticosteroides são o padrão de tratamento para a doença mais grave.[24] Dependendo da gravidade do comprometimento da serosa, a prednisolona em doses moderadas ou altas pode ser necessária; em geral, a resposta é boa.[39]
Hipertensão pulmonar
Todos os pacientes com DMTC devem passar por um rastreamento regular para avaliar o desenvolvimento de hipertensão pulmonar.[40] O tratamento deve se basear nos resultados do cateterismo cardíaco direito, inclusive na documentação da resposta vasomotora a vasodilatadores. A resposta aguda a vasodilatadores é definida como uma queda na pressão arterial pulmonar média de ≥10 mmHg a ≤40 mmHg, com débito cardíaco elevado ou inalterado durante o teste de desafio agudo com óxido nítrico por via inalatória, epoprostenol intravenoso ou adenosina intravenosa. Se apresentarem resposta clínica, os pacientes deverão ser tratados com doses ideais toleradas de bloqueadores dos canais de cálcio como terapia de primeira linha.[24]
Os pacientes que não responderem bem ao teste de vasorreatividade e os que não apresentarem uma resposta sustentada aos bloqueadores de canal de cálcio deverão começar com outra terapia específica para hipertensão arterial pulmonar. As opções de tratamento específicas incluem os inibidores de fosfodiesterase-5 orais, como a sildenafila, os antagonistas do receptor de endotelina orais como a bosentana e os análogos de prostaciclina parenterais ou por via inalatória, entre outros.
A sildenafila demonstrou melhorar os sintomas, a capacidade funcional e a hemodinâmica quando usada em pacientes com hipertensão pulmonar primária e hipertensão pulmonar secundária a doenças reumáticas.[41]
Também se demonstrou que a bosentana melhora os sintomas e a capacidade funcional, mas o uso e efeitos de longo prazo sobre a hemodinâmica pulmonar são mais incertos.[42][43] Ela deve ser usada apenas por médicos experientes em sua administração, pois requer um monitoramento rigoroso dos efeitos colaterais, inclusive da hepatotoxicidade.
O epoprostenol, a iloprosta por via inalatória e a treprostinila foram testados, em esquemas isolados e combinados.[44][45][46] É necessário um acompanhamento rigoroso com um médico pneumologista com experiência no tratamento de hipertensão arterial pulmonar.
Agentes imunossupressores, isolados ou associados a vasodilatadores, podem ser usados em casos refratários.[47][48] A terapia combinada com corticosteroides e ciclofosfamida às vezes é eficaz.[47]
Doença pulmonar intersticial
Não há ensaios clínicos randomizados e controlados abordando o momento ideal ou o esquema de tratamento da doença pulmonar intersticial nas síndrome de sobreposição, então a terapia se baseia nos agentes reconhecidamente eficazes para esclerodermia ou doença pulmonar intersticial associada à miosite. Inicia-se a corticoterapia em altas doses com prednisolona, com a introdução subsequente de micofenolato, que demonstrou ser melhor tolerada e com menos toxicidade do que a alternativa; a ciclofosfamida.[49][50]
Entre os pacientes com síndrome antissintetase e doença pulmonar intersticial, a prednisolona é a terapia usada com maior frequência, embora outros agentes imunossupressores sejam cada vez mais usados.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal