Abordagem

O tratamento do íleo paralítico se concentra nos cuidados de suporte e na correção de eventuais fatores predisponentes subjacentes.

Tratamento geral para todos os pacientes

Todos os pacientes com íleo paralítico devem permanecer em jejum e requerem hidratação intravenosa. A escolha inicial da solução intravenosa dependerá do estado de hidratação inicial do paciente e da presença de comorbidades. Um paciente significativamente hipovolêmico pode se beneficiar de uma dose em bolus de vários litros de soro fisiológico. Após essa hidratação inicial, a solução intravenosa de manutenção deverá ser fisiológica e fornecer alguma quantidade de glicose. Os fluidos devem ser inicialmente administrados a uma taxa de manutenção que depende do peso corporal. Essa taxa deve ser adaptada ao débito urinário e à hemodinâmica do paciente.

Quando o íleo paralítico começa a remitir, o que pode ser observado pela eliminação de flatos e pela remissão da distensão abdominal e das náuseas, o paciente pode começar uma dieta líquida e avançar de acordo com sua tolerância.

Íleo paralítico pós-operatório

As tentativas para prevenir o íleo pós-operatório devem começar no período perioperatório, incluindo o manejo hídrico intraoperatório adequado e a evitação de analgesia com opioides. O programa Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) é cada vez mais utilizado na tentativa de acelerar a recuperação da função intestinal e encurtar a duração da internação hospitalar.[3][26][30]​ Os pilares das vias ERAS incluem a cirurgia minimamente invasiva, evitar opioides, controle multimodal da dor, deambulação precoce e ingestão precoce de fluidos e sólidos por via oral.[3][26][29][30]

Em pacientes submetidos a cirurgia e que requeiram analgesia com opioides, a diminuição do uso de analgésicos opioides administrados sistemicamente ajuda a prevenir o íleo paralítico pós-operatório.[26]​ As bombas de analgesia controladas pelo paciente também são benéficas, pois reduzem a quantidade total de opioides administrados em comparação com a administração de analgésicos de forma intermitente ao longo do dia por um enfermeiro.​[31] Os adjuvantes úteis para o controle da dor incluem os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) como o cetorolaco, analgésicos e anestésicos locais administrados por via epidural.[3][32][33][34][35][36]​​[37][38][39][40][51]

Várias metanálises e ensaios randomizados e controlados mostraram uma diminuição da duração do íleo paralítico pós-operatório em pacientes que receberam goma de mascar após a cirurgia.[58][66][67][68][69][70][71][72][73]​ Essa é uma modalidade segura e fácil que pode ser utilizada na maioria dos pacientes, porém não é recomendada rotineiramente porque a qualidade da evidência é muito baixa.[26][74]

Nos pacientes com distensão abdominal significativa e vômitos repetidos, deve-se colocar uma sonda nasogástrica.[3][30]​ Deve-se medir o débito gástrico, e o volume perdido deve ser reposto com soro fisiológico intravenoso. A decisão de remover a sonda nasogástrica é baseada no débito medido ao longo do tempo e na resolução clinica do íleo paralítico. O paciente é avaliado quanto a ausência de cólicas e a distensão abdominal, diminuição do débito através da sonda nasogástrica e eliminação de fezes e flatos com o objetivo de se remover a sonda nasogástrica. Pode ser necessário reinserir a sonda nasogástrica, caso o paciente apresente novamente evidências de íleo paralítico continuado, com distensão abdominal e vômitos. No entanto, estudos recentes mostraram que a descompressão nasogástrica rotineira é desnecessária e pode ser prejudicial.[82]​ Portanto, o uso rotineiro deixou de ser recomendado, e a descompressão nasogástrica é reservada para uso seletivo.[82]​ Frequentemente é realizada descompressão orogástrica no período intraoperatório, mas a sonda é removida ao se concluir a cirurgia.[26]

Os pacientes com íleo paralítico pós-operatório prolongado (íleo paralítico no ou após o 4º dia pós-cirurgia, sem resolução prévia do íleo paralítico pós-operatório) podem não conseguir realizar qualquer ingestão oral por várias semanas. A nutrição parenteral é recomendada para os pacientes que não tiverem ingestão oral por mais de 7 dias.[3][76]​ No entanto, a nutrição parenteral é benéfica nos pacientes que permanecem em repouso intestinal durante mais de 14 dias ou que apresentam desnutrição subjacente.[83] Deve-se verificar os eletrólitos diariamente para se identificar eventuais anormalidades eletrolíticas associadas à alimentação intravenosa pós-operatória e ao estado de jejum. Os benefícios de se iniciar a nutrição parenteral antes de transcorridos 7 dias são menores que os riscos associados à nutrição parenteral e ao acesso venoso central. Na maioria dos pacientes, o estado de "inanição" pós-operatório não está associado a um aumento da morbidade ou da mortalidade. A inserção de um acesso venoso central está associada a um risco elevado de lesão iatrogênica nos vasos próximos, pneumotórax, trombose venosa profunda (TVP) e bacteremia associada ao acesso central.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada (TC) mostrando estômago significativamente dilatadoDo acervo pessoal da Dra. Paula I. Denoya [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6e189114[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Sonda nasogástricaDo acervo pessoal da Dra. Paula I. Denoya [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@16e4ac1e

Tratamento das causas subjacentes

As afecções subjacentes, como sepse, infecções intra-abdominais ou outras doenças agudas/sistêmicas, devem ser tratadas.

Alguns agentes farmacológicos (por exemplo, opioides, anticolinérgicos) reduzem a motilidade gastrointestinal e podem causar íleo paralítico, portanto tais agentes devem ser descontinuados ou reduzidos.

O desequilíbrio eletrolítico, e especialmente a hipermagnesemia, tem sido associado ao íleo paralítico.[79] Os eletrólitos devem ser monitorados e corrigidos, se necessário.

Outras terapias avaliadas

Em pacientes com OID aguda como resultado de adesões, há alguma evidência de que os agentes de contraste hidrossolúveis (por exemplo, gastrografina) são um tratamento eficaz, evitando a cirurgia e estando associados a uma redução no tempo de hospitalização.[3]​​[84]​ No entanto, dois pequenos ensaios duplo-cegos controlados por placebo em pacientes com íleo paralítico pós-operatório prolongado após cirurgias colorretais eletivas sugerem que a Gastrografin® tem utilidade clínica limitada nesses pacientes, e o valor terapêutico desses tratamentos permanece controverso e incerto.[75][85][86]

Agentes pró-motilidade têm sido utilizados para tratar o íleo paralítico, com sucesso limitado.[62] Embora a metoclopramida seja útil para o tratamento protelado do esvaziamento gástrico, ela não se mostrou útil com o íleo paralítico pós-operatório quando avaliada em ensaios randomizados e controlados.[87][88] Descobriu-se que a eritromicina intravenosa não é benéfica para o tratamento do íleo paralítico pós-operatório​​ e as evidências são insuficientes para recomendar o uso de medicamentos semelhantes à colecistoquinina, cisaprida, agonistas dopaminérgicos, propranolol ou vasopressina.[62][88][89]


Demonstração animada da inserção de sonda nasogástrica
Demonstração animada da inserção de sonda nasogástrica

Como inserir uma sonda nasogástrica de pequeno calibre para alimentação.


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