Abordagem
Diagnosticar a DFT permanece sendo um desafio, e acredita-se que ela seja subdiagnosticada, em parte devido à sobreposição de sintomas entre a variante comportamental da DFT (vcDFT) e uma série de transtornos psiquiátricos.[23][57]
Uma história e exame clínico completos são os primeiros passos para o diagnóstico. Os relatos dos cuidadores sobre mudanças nos sintomas comportamentais e psicológicos são a principal fonte de informação para os médicos, e devem ser avaliados por meio de entrevistas com os cuidadores.[58] Quando um clínico geral suspeitar de DFT em um adulto de <70 anos de idade, ou quando houver história familiar de demência, ele deve encaminhar o paciente a um serviço de ou especialista em avaliação da memória para uma avaliação abrangente.[59]
História
Uma história completa deve ser obtida de maneira independente de uma pessoa que tenha estado familiarizada com o paciente antes do início da doença. É necessário um relato completo de todas as mudanças na conduta social interpessoal do paciente, regulação da conduta pessoal (por exemplo, desinibição), emoções (por exemplo, apatia, empatia), habilidades cognitivas e consciência sobre sua doença, bem como aspectos duradouros do temperamento, caráter, atitudes e hábitos.[58]
As características comuns no início são:
Início insidioso de embrutecimento na personalidade e alterações no comportamento e nos hábitos sociais
Perda gradualmente progressiva da fluência ou compreensão da linguagem
Falta de cuidados pessoais progressiva e abandono de trabalho, atividades e contatos sociais.
É essencial determinar uma cronologia dos sintomas. Na DFT, as alterações de personalidade, linguagem, hábitos e atividades geralmente precedem o desenvolvimento de comprometimento da memória, desorientação ou apraxias. A DFT também pode estar associada a quedas e sintomas parkinsonianos. Tais características são sugestivas de DFT com parkinsonismo, degeneração corticobasal e paralisia supranuclear progressiva. A DFT também pode estar associada a desgaste e fraqueza musculares, sugerindo esclerose lateral amiotrófica (ELA).
Uma história familiar completa é necessária se houver suspeita de DFT. O escore de Goldman é uma medida de força da história familiar que leva em consideração o grau de relatividade dentro das famílias.[60] Uma história familiar positiva deve se estender para além da DFT e da demência de início na juventude para incluir doença de Parkinson e distúrbios relacionados, ELA e transtornos psiquiátricos de início tardio inexplicáveis.[23]
O médico deve perguntar sobre episódios prévios com sintomas de transtorno mental (tratados ou não), como mania ou depressão recorrentes, que podem apontar para um transtorno psiquiátrico primário em vez de DFT. Também é improvável que compulsões angustiantes sejam causadas por DFT.
Deve ser explorada a possibilidade de haver condições como hipertireoidismo (perguntando-se, por exemplo, sobre intolerância ao calor, perda de peso, apesar da ingestão excessiva de alimentos, tremores e palpitações), pois as características do hipertireoidismo, como irritabilidade, inquietação, aumento da ingestão de alimentos (com diminuição da saciedade) e distraibilidade podem mimetizar as apresentações da DFT.
A documentação cuidadosa das formas de incapacidade compõe a base do planejamento do tratamento. As incapacidades incluem desorientação, comprometimento da comunicação, falhas no autocuidado e na socialização, perda de controle vesical e intestinal e incapacidade de se vestir.
Exame
Os pacientes com DFT podem não apresentar anormalidade neurológica ou comprometimento cognitivo no início da doença. Alguns pacientes apresentam sinais motores sutis e/ou deficits cognitivos de execução no início da doença. Os sinais sutis sugestivos de disfunção do lobo frontal surgem com a evolução da doença, incluindo um ou mais reflexos como o glabelar, orbicular da boca (snout), de sucção, de procura (rooting) ou de preensão. Muitos pacientes manifestam parkinsonismo, apresentando também alguma combinação de tremor em repouso, hipofonia, lentidão de movimento, menor variação nas expressões faciais, postura inclinada e instabilidade da marcha. Quando presente, a ELA é caracterizada por fraqueza progressiva assimétrica dos músculos espinhais ou bulbares, que pode estar acompanhada por fraqueza faríngea.
Testes cognitivos
O desempenho nos testes cognitivos deve ser registrado à avaliação inicial e, em seguida, a cada 6 meses. Não é incomum que as pontuações nos testes cognitivos estejam na faixa normal por até 1 ano após a apresentação, diminuindo de modo constante por cerca de 3 a 4 anos antes de o paciente não poder ser mais testado.
O Miniexame do Estado Mental (MEEM) continua sendo o teste cognitivo simples mais amplamente utilizado (e mais bem compreendido). No entanto, os pacientes com DFT podem pontuar acima da pontuação de corte de 24/30, mesmo se tiverem comprometimento cognitivo significativo, portanto, ele é de utilidade limitada para detectar a DFT. A avaliação cognitiva de Montreal (MoCA) pode ser usada para avaliar o declínio da cognição ao longo do tempo, e alguns subconjuntos podem fornecer informações sobre o funcionamento deficiente do lobo frontal.[61]
A bateria de avaliação frontal, um teste à beira do leito que pode ser administrado em 10 minutos, é útil para rastrear e identificar disfunções do lobo frontal.[62]
A Entrevista Executiva (EXIT) é outra ferramenta útil de rastreamento à beira do leito para detectar possíveis disfunções do lobo frontal. Ela é composta por um perfil curto de 25 itens e leva aproximadamente 15 minutos.[63] A Quick EXIT é uma versão abreviada de 14 itens da EXIT original que foi desenvolvida omitindo 11 itens que foram avaliados como se encaixando menos bem na escala.[64]
O processamento emocional deficiente é detectável em pacientes com todos os 3 subtipos de DFT e é uma característica clínica importante na vcDFT e na demência semântica.[65] As respostas emocionais frequentemente confundem a interpretação dos resultados dos testes cognitivos, de modo que avaliações longitudinais cuidadosas são necessárias para apoiar o diagnóstico.
Baterias de teste formais (por exemplo, o Delis-Kaplan Executive Function System [D-KEFS] ou itens selecionados da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos [WAIS]) são úteis se o diagnóstico ainda for incerto. Elas são realizadas por especialistas e neuropsicólogos e ajudam no diagnóstico, pois documentam uma predominância de deficits nos domínios executivos e/ou de linguagem da cognição, avaliando relativamente menos a memória, a orientação e a praxia. As escalas neurocomportamentais também podem ser úteis na diferenciação de outras formas de demência.[66]
A evolução da DFT difere bastante da maioria das outras formas de demência porque os problemas de memória não são graves nos estágios iniciais. A maioria das escalas de classificação de demência é enviesada em relação à detecção de agravamento da doença de Alzheimer. A escala de classificação frontotemporal (FRS) foi desenvolvida especificamente para a DFT, e pode detectar a deterioração funcional ao longo de 12 meses.[67] O nível da gravidade da demência é mais precisamente estimado pela FRS que por escalas convencionais de classificação de demências.
Avaliação laboratorial
Testes de rastreamento de rotina que devem ser realizados na apresentação para descartar outras doenças incluem:
Hemograma completo
proteína C-reativa
Hormônio estimulante da tireoide
T4 livre
Perfil metabólico
Testes de função renal
Testes da função hepática
Níveis séricos de vitamina B12
Níveis de folato sérico
Teste sorológico para sífilis
O teste sorológico para doença de Lyme (ensaio de imunoadsorção enzimática).
Teste sorológico para HIV.
Os resultados dos testes hematológicos, sorológicos e bioquímicos são geralmente normais.
Marcadores no líquido cefalorraquidiano
Os marcadores no líquido cefalorraquidiano (LCR) são uma área de crescente interesse e podem ter algum valor diagnóstico. Uma elevação acentuada da proteína da cadeia leve do neurofilamento (NfL) no LCR pode ser indicativa de DFT.[68][69] Níveis mais altos de proteína de cadeia leve do neurofilamento (NfL) ou amiloide (Aβ42/Aβ38 e Aβ42/Aβ40) e níveis mais baixos de proteína precursora de amiloide (sAPPβ) no LCR podem ajudar a distinguir a DFT da doença de Alzheimer.[70] A pentraxina 2 neuronal (NPTX2) no LCR está reduzida em uma variante genética da DFT e é outro potencial biomarcador. A NPTX2 está localizada nas sinapses e seus níveis estão correlacionados com a progressão da doença, portanto, diminuições nos níveis provavelmente refletem disfunção ou perda sinápticas.[71]
Exame imagiológico do cérebro
Imagens estruturais do cérebro (ressonância nuclear magnética [RNM] ou tomografia computadorizada [TC]) e imagens funcionais (tomografia por emissão de pósitrons [PET] ou tomografia computadorizada por emissão de fóton único [SPECT]) são diagnosticamente úteis na diferenciação dos pacientes com vcDFT de pessoas saudáveis e de pacientes com outras doenças neurodegenerativas.[72] A atrofia regional e o hipometabolismo característicos são aparentes, predominantemente nos lobos frontal e/ou temporal, que frequentemente mostram assimetria esquerda-direita.[72][73]
A vcDFT está tipicamente associada à atrofia na RNM estrutural e hipometabolismo na PET com fluordesoxiglucose (FDG) no córtex pré-frontal e lobos temporais anteriores, com preservação relativa de regiões mais posteriores do cérebro, como o lobo occipital. A interrupção na conectividade estrutural do cérebro, medida usando-se exames de imagem por tensor de difusão (DTI), também é uma característica.
A demência semântica está associada a padrões característicos de atrofia à RNM estrutural, e o hipometabolismo nos lobos temporais é evidente à FDG-PET.
A afasia progressiva primária está associada a padrões relativamente focais de atrofia à RNM, e o hipometabolismo no lobo frontal posterior esquerdo é evidente à FDG–PET.
Uma RNM ou TC (a RNM é preferencial) deve ser solicitada sempre que houver suspeita de diagnóstico de DFT. Se os resultados da RNM/TC forem normais ou indeterminados, deve-se usar a FDG-PET, seguida de SPECT se os resultados ainda não forem claros.[74] A imagem por FDG-PET também é indicada na avaliação de demência progressiva e neurodegeneração em pacientes com comprometimento cognitivo leve.[75]
Métodos avançados de RNM (por exemplo, morfometria baseada em vóxeis, RNM funcional em estado de repouso, DTI, arterial spin labelling e índice anteroposterior) podem diferenciar entre DFT e doença de Alzheimer, com uma sensibilidade de 60-83% e uma especificidade de 63-93% relatadas.[72][76]
Estudos da estrutura fina das redes neuronais adultas e "centros" de rede sub-regionais específicos provavelmente oferecem referências normativas no diagnóstico diferencial de demências comuns incluindo demência frontotemporal (DFT).[77] De forma geral, na DFT, ruptura da substância branca é mais grave que dano da substância cinzenta.[78]
Teste genético
Os testes genéticos para identificar uma mutação relevante conhecida geralmente não estão disponíveis em serviços de genética clínica de rotina. O contexto clínico é raramente esclarecedor; um diagnóstico clínico do subtipo de demência é frequentemente temporário, e não há neuropatologia dos familiares afetados. Se a testagem genética for realizada, a equipe de genética clínica necessita de recursos laboratoriais suficientes para fazer a distinção entre os subtipos de demência.[79]
A história familiar da DFT é um bom indicador da adequação da testagem genética. Mutações nos genes GRN e MAPT estão presentes quase exclusivamente nos pacientes com uma forte história familiar, enquanto a expansão do C9orf72 pode ocorrer nas doenças aparentemente esporádicas. Com base na experiência clínica e nas evidências disponíveis, a testagem genética é desejável para todos os pacientes com vcDFT provável ou possível, e nos pacientes com suspeita de vcDFT com características psiquiátricas fortes e pelo menos um membro da família afetado. O rastreamento para mutações em C9orf72 deve ocorrer para todos os pacientes com suspeita de DFT com sintomas psiquiátricos proeminentes ou uma história familiar de transtorno psiquiátrico primário de início tardio (mesmo se os critérios diagnósticos completos não forem atendidos).[23] A testagem genética (para MAPT, GRN e C9orf72) deve ser realizada caso os resultados possam contribuir para decisões relacionadas a gestação.
O teste genético deve ser considerado dentro do contexto de um serviço de genética clínica com a capacidade de oferecer suporte educacional e psicológico para as famílias afetadas.
Exame do tecido cerebral
O exame neuropatológico é o padrão para o diagnóstico definitivo. Os espécimes podem ser obtidos por biópsia cerebral, mas isso geralmente não é recomendado. Portanto, a confirmação patológica é normalmente obtida no final da vida e é especialmente importante na caracterização da demência familiar.
O diagnóstico neuropatológico baseia-se em critérios formais.[80][81] Ao exame macroscópico, é encontrada atrofia regional afetando predominantemente os lobos frontais e/ou temporais. A neuropatologia molecular permite que a maioria dos casos de DFT seja colocada em um dos três subgrupos moleculares: degeneração lobar frontotemporal com tau (30% a 50% dos casos), proteína de ligação de DNA-TAR (TDP-43) ou acúmulo de proteína FET.[45]
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal