Abordagem

O tratamento de primeira escolha para anemia de doença crônica (ADC) é tratar principalmente a doença subjacente.[17]

Tratamento inicial de pacientes com anemia leve a moderada (hemoglobina [Hb] 80 a 110 g/L [8 a 11 g/dL])

Se a doença subjacente puder ser melhorada ou curada, a anemia geralmente melhora ou desaparece. Isso ocorre comumente após o tratamento de infecções, após a ressecção completa de tumores e na remissão completa de linfomas.[29]

No caso de distúrbios autoimunes que causam ADC, normalmente a hemoglobina (Hb) aumenta com o tratamento eficaz. Por exemplo, o tratamento com inibidores do fator de necrose tumoral (TNF)-alfa pode causar melhoras nos níveis de Hb em pacientes com artrite reumatoide, artrite psoriática e doença inflamatória intestinal.[4][51][52]

Suplementação com ferro

O ferro intravenoso é preferível ao ferro por via oral porque está associado ao alcance mais rápido do nível de Hb desejado e à necessidade de redução do agente estimulador da eritropoiese (AEE), em comparação com o ferro por via oral.[53][54][55][56]​​ As formulações de ferro intravenoso atualmente disponíveis parecem ser bem toleradas, com baixo risco de reação à infusão.[57][58][59][60]

Uma revisão Cochrane encontrou evidências que sugerem que a carboximaltose férrica intravenosa pode ser mais eficaz que a sacarose de ferro intravenosa para o tratamento de deficiência de ferro em indivíduos com doença inflamatória intestinal.[61]

A suplementação de ferro não é recomendada para pacientes com ADC com níveis normais ou altos de ferritina (exceto em alguns casos de deficiência funcional de ferro).[17]​ A suplementação de ferro é relativamente contraindicada no contexto de infecção ativa.[62]

Anemia sintomática: distúrbio subjacente que não apresenta resposta ao tratamento

As opções de tratamento para pacientes nos quais o distúrbio subjacente não apresenta resposta clínica ao tratamento (ou precisa de mais tempo para apresentar resposta clínica) e a anemia persiste, apesar de corrigida a deficiência de ferro, incluem:

  • Observação (para pacientes com ADC leve a moderada)

  • Transfusão de eritrócitos; ou AEE (para pacientes com anemia sintomática que compromete significativamente sua qualidade de vida, com comorbidades nas quais uma anemia leve a moderada representa riscos adicionais (por exemplo, insuficiência cardíaca, doença pulmonar significativa, doença vascular cerebral).

transfusão de eritrócitos

Os benefícios da transfusão de eritrócitos devem sempre ser ponderados levando-se em conta os riscos potencialmente significativos, que incluem sobrecarga de volume, reação transfusional, hemólise aguda com choque, reação transfusional hemolítica tardia, lesão pulmonar aguda associada à transfusão, aloimunização e sobrecarga de ferro.[62]

As diretrizes para o tratamento da anemia no câncer e na doença renal crônica (DRC) não recomendam a transfusão contínua e rotineira de eritrócitos, principalmente por causa dos riscos de sobrecarga de ferro.[62] No entanto, é razoável realizar a transfusão em casos de anemia sintomática.[63]

AEEs

Os AEEs incluem eritropoetinas recombinantes humanas derivadas de um gene de eritropoetina humana clonado (epoetinas), como alfaepoetina ou um derivado (por exemplo, alfadarbepoetina). Os AEEs podem ser usados em determinados pacientes quando a anemia afeta a qualidade de vida e/ou quando a transfusão de eritrócitos repetida é injustificada.[64][65][66]

A decisão de prescrever um AEE é tomada em consulta com um especialista. A transfusão de eritrócitos pode ser necessária até que os benefícios da terapia com AEE se manifestem.

A necessidade de transfusão é reduzida pelos AEEs, mas há incerteza sobre os riscos, e o impacto econômico é considerável.[65][67]​​ Portanto, sugere-se fortemente uma avaliação cuidadosa da relação risco/benefício antes de usar um AEE.

Os AEEs estão associados com efeitos adversos cardiovasculares, inclusive aumento de eventos trombóticos e hipertensão. Os fatores de risco para tromboembolismo venoso devem ser avaliados, e a pressão arterial deve ser controlada antes do tratamento com um AEE. Aplasia pura de série vermelha decorrente do desenvolvimento de anticorpos neutralizadores para eritropoetina foi relatada raramente, mas pode aumentar com algumas formulações recombinantes.[68]

Houve relatos de que os AEEs reduzem a sobrevida global e, em alguns pacientes com câncer, diminuem o tempo de evolução do tumor. Foram relatados aumento da mortalidade e desfechos mais desfavoráveis com níveis alvo mais altos de Hb (>11 a 12 g/dL).[69]​ Embora alguns estudos subsequentes não tenham encontrado uma associação entre o uso de AEE e o aumento da mortalidade, a incerteza permanece.[65][70][71][72][73]​​​​

A prescrição de AEE diminuiu desde que surgiram as preocupações, e são necessários estudos adicionais para determinar o uso ideal dos AEEs para diferentes grupos de pacientes.[74]

Início da terapia com AEE

As indicações clínicas adequadas para o uso de AEEs no quadro da ADC com anemia leve a moderada (Hb 8 a 11 g/dL) devem ser cuidadosamente avaliadas. Revisões sistemáticas e metanálises não demonstraram benefícios consistentes relacionados ao uso de AEE em pacientes com anemia associada com doença crônica ou inflamatória.[73][75]

A ADC pode representar uma adaptação fisiológica (e pode não ser necessariamente prejudicial); as decisões sobre o tratamento da anemia leve e moderada devem ser considerados cuidadosamente.[76]

A deficiência de ferro deve ser excluída antes do início da terapia.

Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva ou doença coronariana e ADC leve a moderada, o uso de AEE foi associado ao aumento do risco de eventos tromboembólicos e não é recomendado.[77][78][79][80][81]

Terapia com AEE para anemia na DRC

Os AEEs aumentam a concentração de Hb e melhoram a qualidade de vida em pacientes em pré-diálise e diálise com anemia.[82][83]​​ No entanto, não está claro se os AEEs aceleram ou retardam a queda da função renal em pacientes pré-diálise.[83]

Os AEEs podem ser considerados para pacientes com DRC que não estejam fazendo diálise e apresentem níveis de Hb <10 g/dL. Para pacientes com DRC que fazem diálise, a terapia com AEE pode ser usada quando os níveis de Hb estão entre 9 e 10 g/dL, para evitar que os níveis fiquem abaixo de 9 g/dL. A decisão sobre o início do tratamento e a dosagem deve ser individualizada.[62]

Estudos demonstraram aumento da mortalidade e desfechos cardiovasculares adversos (sem benefícios adicionais) com o uso de AEE em pacientes com DRC com níveis de Hb >11 g/dL.[68]​ A Food and Drug Administration (FDA) publicou uma advertência em relação ao uso de AEEs (alfaepoetina e alfadarbepoetina) para destacar que esses agentes devem ser usados na dose mais baixa suficiente para reduzir a necessidade de transfusões de eritrócitos, com o tratamento sendo diminuído ou interrompido em pacientes com doença renal crônica (DRC) se os níveis de hemoglobina excederem 10 g/dL naqueles que não estão em diálise ou se os níveis de hemoglobina se aproximarem de ou excederem 11 g/dL naqueles que estão em diálise, ou se houver um aumento rápido da hemoglobina (>1 g/dL em qualquer período de 2 semanas).[84]

Terapia com AEE para pacientes com câncer

As diretrizes recomendam considerar AEEs para pacientes com anemia associada à quimioterapia que apresentam níveis de Hb <10 g/dL.[63][68][85]​​ A FDA estipula que os AEEs não devem ser usados em pacientes que recebem tratamento com intenção de cura devido aos potenciais riscos de aumento da progressão do tumor e redução da sobrevida; isso se reflete nas orientações dos EUA.[63][68] Caso haja incertezas sobre a intenção de cura, a transfusão de eritrócitos deve ser considerada antes da terapia com AEE.[63]

Em pacientes com anemia induzida por quimioterapia, a terapia com AEE é efetiva no aumento das concentrações de Hb, melhorando as respostas hematológicas, reduzindo a necessidade de transfusões de sangue e melhorando a qualidade de vida relacionada à saúde.[67][86] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​ No entanto, ainda há incertezas em relação aos riscos.

Para pacientes com DRC e câncer, o uso de AEEs só pode ser considerado com cautela e uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios.[62]​ Os pacientes em recebimento de quimioterapia paliativa podem se beneficiar de AEEs cuidadosamente dosados em vez de transfusões para o tratamento da anemia grave.[68]​ Normalmente, os AEEs não são recomendados para pacientes com DRC que recebem tratamento curativo para o câncer, ou com história de câncer ou AVC.[62]

Os AEEs devem ser usados na menor dose suficiente para reduzir a necessidade de transfusões de eritrócitos. O tratamento deve ser descontinuado em pacientes com anemia induzida por quimioterapia, caso não haja resposta clínica a um AEE após 6 a 8 semanas. Não há nenhum benefício em trocar para outro AEE se o AEE inicial não tiver sido eficaz.[63]

A terapia com AEE não é recomendada para pacientes com câncer que não recebem quimioterapia ou para aqueles que recebem terapia não mielossupressora.[63][68]​​​ No entanto, pacientes selecionados com síndrome mielodisplásica podem ser a exceção. Consulte Síndrome mielodisplásica.

Ferro suplementar e terapia com AEE

Por causa dos AEEs muitas vezes produzirem deficiência funcional de ferro em indivíduos repletos de ferro, terapia suplementar de ferro pode ser necessária para atingir uma resposta terapêutica adequada.[87] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Para os pacientes com câncer tratados com AEE, as diretrizes dos EUA recomendam a consideração de:​[63][68]

  • Ferro intravenoso para anemia associada à quimioterapia, administrado independente do estado de ferro, com estudos basais e periódicos de ferro.

  • Ferro intravenoso nos pacientes com deficiência de ferro funcional (ferritina 30 a 500 ng/mL e saturação de transferrina <50%)

Uma tentativa de ferro intravenoso é recomendada para pacientes com DRC que recebem terapia com AEE.[62]

A suplementação de ferro, concomitante ao tratamento com AEE, pode melhorar a resposta da hemoglobina e reduzir a necessidade de transfusão de eritrócitos. Perfis e ferro basais e periódicos são recomendados.[63]

Monitoramento da terapia com AEE

Os AEEs devem ser usados com cautela. São necessários monitoramento rigoroso (especialmente durante as fases iniciais do tratamento) e ajuste cuidadoso da dose (a cada 4 a 6 semanas) para manter os níveis corretos de hemoglobina.[68][69][85]​​[88]​​[89][90][91]​ Durante o tratamento inicial e o ajuste da dose, os níveis de hemoglobina devem ser monitorados semanalmente até se estabilizarem, e depois mensalmente.

Anemia grave (Hb <80 g/L [<8 g/dL]) ou anemia com risco de vida (Hb <65 g/L [6.5 g/dL])

O tratamento da doença subjacente é iniciado.

transfusão de eritrócitos

Pode ser adequada na anemia grave ou com risco de vida, dependendo das comorbidades clínicas e da velocidade de desenvolvimento da anemia.[17] Provavelmente os benefícios da transfusão precisam ser ponderados levando-se em conta os possíveis riscos (por exemplo, sobrecarga de volume, reação transfusional, hemólise aguda com choque, reação transfusional hemolítica tardia, lesão pulmonar aguda associada à transfusão, aloimunização e sobrecarga de ferro).[62]

O uso de uma concentração de hemoglobina restritiva de 7 a 8 g/dL reduz a proporção de pacientes expostos à transfusão de eritrócitos.[92]​ As diretrizes de transfusão sugerem o uso de uma estratégia de transfusão restritiva, iniciando a transfusão em níveis de Hb <7 g/dL.[93]

As decisões sobre o início do tratamento devem ser individualizadas; alguns subgrupos de pacientes podem se beneficiar da transfusão de eritrócitos para manter concentrações de hemoglobina mais elevadas.[68]

Terapia inicial com AEE para anemia grave

É uma terapia preventiva importante para pacientes que podem necessitar de transfusões de urgência, mas para os quais elas podem ser inaceitáveis e indisponíveis ou trazer risco excessivo (por exemplo, Testemunhas de Jeová, aqueles com tipos sanguíneos raros ou com vários aloanticorpos). Ferro intravenoso suplementar concomitante também deve ser considerado. A terapia com AEE geralmente não é benéfica para redução da necessidade de transfusão na enfermidade crítica.[94][95]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal