Abordagem

O tratamento da glomeruloesclerose segmentar focal (GESF) depende se o paciente tem doença primária ou secundária e deve ser iniciado por um nefrologista. Pacientes sem síndrome nefrótica têm maior probabilidade de remitir espontaneamente ou de ter uma doença de evolução mais lenta, e portanto não precisarem de terapia imunossupressora. Pacientes com proteinúria na faixa nefrótica (3 g ou mais/24 horas) ou edema devem receber terapia imunossupressora, pois o risco de evolução para insuficiência renal em estágio terminal é alto nessa população. O manejo da causa subjacente é a base do tratamento na doença secundária. Terapias adicionais para reduzir a proteinúria, tratar a hipertensão e o edema, retardar a evolução da doença e prevenir complicações cardiovasculares podem também ser necessárias.

Glomeruloesclerose segmentar focal (GESF) primária

As recomendações para o tratamento inicial da GESF primária são baseadas principalmente em estudos retrospectivos, pois há poucos ensaios clínicos randomizados e controlados.[4][34] Pacientes sem síndrome nefrótica (proteinúria <3 g/24 horas) têm maior probabilidade de remitir espontaneamente ou de ter uma doença de evolução mais lenta. Portanto, o tratamento imunossupressor geralmente não é recomendado para esses pacientes. Pacientes com proteinúria na faixa nefrótica (3 g ou mais/24 horas) ou síndrome nefrótica devem receber terapia imunossupressora, pois o risco de evolução para insuficiência renal em estágio terminal é alto nessa população.

Terapia inicial com corticosteroides

  • De acordo com as diretrizes da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), os corticosteroides em altas doses são os imunossupressores de primeira escolha. A terapia deve ser iniciada com prednisolona oral, que deve ser administrada por, no mínimo, 4 semanas e mantida até que a remissão completa seja alcançada (ou até, no máximo, 16 semanas, o que ocorrer primeiro). Após alcançar a remissão completa, a dose deve ser lentamente reduzida de forma gradual ao longo de um período de 6 meses.[35]

  • A remissão completa é alcançada (redução da proteinúria para <300 mg/dia) em 20% a 50% dos pacientes. Outros pacientes alcançam remissão parcial (redução da proteinúria em 50% ou mais).[36][37][38][39]

GESF corticosteroide-dependente

  • A maioria dos pacientes será dependente de corticosteroides e necessitará de corticoterapia repetida ou de longo prazo em baixas doses para manter a remissão. A recidiva nesses pacientes ocorre durante, ou até 2 semanas após a conclusão, da corticoterapia.

  • Apenas alguns pacientes com GESF nefrótica sensível a corticosteroides não precisam de nenhuma terapia em longo prazo e alcançam uma remissão estável depois que os corticosteroides são gradativamente reduzidos até serem interrompidos.[40]

  • Se a toxicidade de longa duração for uma preocupação, um inibidor da calcineurina (ciclosporina ou tacrolimo) pode ser adicionado como agente poupador de corticosteroides para manter a remissão em combinação com baixas doses de prednisolona.

  • Os agentes alquilantes citotóxicos ciclofosfamida e clorambucila podem ter um papel limitado no manejo da GESF dependente de corticosteroides e com recidivas múltiplas se os inibidores da calcineurina forem contraindicados ou mal tolerados. Demonstrou-se que a remissão obtida com esses agentes é duradoura. Esses agentes não são apropriados para o tratamento de doença resistente a corticosteroides, que é altamente preditiva de resistência a esses agentes alquilantes.[40]

GESF resistente a corticosteroides

  • Se a remissão não for alcançada depois de 4 meses de tratamento com corticosteroides, a doença é definida como resistente a corticosteroides.[40]

  • De acordo com as diretrizes da KDIGO, esses pacientes devem ser tratados com um inibidor da calcineurina (ciclosporina ou tacrolimo) por, pelo menos, 4 a 6 meses. Se houver remissão parcial ou completa, o tratamento deve ser mantido durante pelo menos 12 meses, seguido por uma redução lenta ao longo de 6 a 12 meses, conforme tolerado.[35]

  • Vários estudos demonstraram que a ciclosporina pode induzir a remissão e preservar a função renal, embora 60% dos pacientes apresentem recidiva quando a ciclosporina é usada isoladamente.[41][42]

  • A ciclosporina associada a prednisolona em baixas doses em pacientes resistentes aos corticosteroides pode ser mais eficaz do que a ciclosporina isolada.[40][41][43][44]

  • Faltam ensaios clínicos randomizados e controlados que avaliem o tacrolimo no tratamento da GESF; no entanto, vários ensaios não controlados demonstraram a sua adequação como alternativa à ciclosporina.[45][46]​ Um ensaio clínico randomizado e controlado comparando o tacrolimo com a ciclosporina na GESF resistente e dependente de corticosteroides descobriu que ambos mostraram taxas de eficácia semelhantes.[47]

  • O uso prolongado de inibidores da calcineurina está associado a um aumento significativo da fibrose tubulointersticial.[48]

  • Se os inibidores da calcineurina forem contraindicados devido ao clearance da creatinina ou se forem mal tolerados, agentes como o micofenolato podem ser considerados. No entanto, ainda faltam estudos randomizados adequados que respaldem essa abordagem.[49] Se o micofenolato estiver sendo considerado, os inibidores da calcineurina devem ser descontinuados.

  • As diretrizes da KDIGO sugerem que pacientes com GESF resistente a corticosteroides que não respondem, ou toleram, inibidores da calcineurina devem ter o uso de outros agentes considerado, por exemplo, uma combinação de micofenolato associado à dexametasona em altas doses).[35] Também foi relatado tratamento com rituximabe; no entanto, essas diretrizes reconhecem a falta de evidências de qualidade para esses agentes alternativos. Também deve ser considerada a inclusão desses pacientes em ensaios clínicos e o encaminhamento para centros especializados para possível nova biópsia.[35]

Toxicidade associada ao corticosteroide

  • Os pacientes que desenvolvem toxicidade associada aos corticosteroides significativa devem ter a corticoterapia rapidamente reduzida conforme tolerado.[35]

  • O tratamento com um inibidor da calcineurina deve ser considerado para esse grupo.

Tratamento da GESF secundária

A base do manejo da GESF secundária é tratar a causa subjacente. A maioria dos pacientes com GESF secundária apresenta obesidade, HIV ou GESF induzida por medicamentos. A perda de peso pode induzir uma redução significativa na proteinúria em pacientes obesos.[50] Demonstrou-se que a terapia antirretroviral melhora a sobrevida renal em pacientes com GESF associada ao HIV.[51][52]​ A GESF induzida por medicamentos deve se resolver quando o agente causador é descontinuado. Pacientes com dependência de heroína precisam de desintoxicação seguida por terapia de manutenção com agonistas opioides e intervenções psicossociais; a GESF induzida por heroína se resolverá apenas quando a desintoxicação for bem-sucedida.

Imunossupressores podem ser necessários como parte do tratamento primário para algumas causas subjacentes. Elas incluem: GESF decorrente de um rim transplantado; casos de GESF induzida por medicamentos que não resolve com a descontinuação do agente causador; e casos que são decorrentes de uma resposta mal-adaptativa à massa renal reduzida. A corticoterapia também pode ser usada em pacientes com GESF avançada induzida por HIV para melhorar a função renal e reduzir ou protelar a necessidade de diálise. Como esses pacientes já estão imunossuprimidos, os riscos e benefícios da corticoterapia precisam ser avaliados com cautela.

Terapia adicional

Bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona

  • Todos os pacientes precisam de medicamentos que bloqueiam o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Eles reduzem a proteinúria e a pressão hidráulica capilar glomerular e, por sua vez, retardam a evolução da doença renal crônica associada à GESF. Eles também são os agentes anti-hipertensivos de primeira escolha. No entanto, eles não revertem o processo da doença subjacente.

  • Os IECAs são os agentes iniciais de escolha. A proteinúria deve ser reduzida para <0.5 g/24 horas. Antagonistas do receptor de angiotensina II poderão ser usados se a resposta aos inibidores da ECA estiver abaixo do ideal.

  • A pressão arterial (PA) deve ser reduzida para 125/75 mmHg ou menos em todos os pacientes. No estudo Modification of Diet in Renal Disease (MDRD), pacientes com proteinúria >1 g/24 horas tiveram um desfecho significativamente melhor quando sua PA foi reduzida para 125/75 mmHg ou menos.

Estatinas

  • Altos níveis séricos de colesterol e lipoproteína de baixa densidade (LDL) produzidos pela síndrome nefrótica contribuem para o alto risco vascular associado à proteinúria. A normalização dos níveis de lipídeos é, portanto, necessária em qualquer paciente com anormalidades lipídicas. Qualquer tratamento hipolipemiante pode ser administrado, mas as estatinas são os agentes de escolha.

  • Além de controlar a hiperlipidemia, as estatinas podem ter um pequeno efeito sinérgico e antiproteinúrico quando combinadas com inibidores da ECA. Entretanto, esse efeito é predominantemente observado em pacientes com proteinúria subnefrótica (proteinúria <3 g/24 horas).

  • O uso concomitante de uma estatina com ciclosporina pode causar um aumento do risco de efeitos adversos, incluindo miopatia e rabdomiólise, sendo, portanto, contraindicado.

Diuréticos

  • Pacientes sintomáticos requerem tratamento do edema com restrição de sódio alimentar e terapia diurética. A furosemida é o agente de escolha. Se a resposta à furosemida for inadequada, uma terapia combinada com um diurético tiazídico poderá ser administrada.

Modificações alimentares

  • Os pacientes devem ser instruídos a seguir uma dieta baixa em sal, pois uma ingestão alta pode comprometer significativamente os efeitos benéficos do bloqueio da angiotensina II. Essa indicação é também válida para pacientes com edema significativo.

  • Uma dieta hipogordurosa e exercícios também devem ser encorajados para controlar a hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia.

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