Etiologia

A glomeruloesclerose segmentar focal (GESF) é iniciada por uma lesão nos podócitos nos glomérulos renais. Na GESF primária, a lesão é produzida por fatores circulatórios ainda não identificados que alteram a permeabilidade dos glomérulos.[22] As moléculas candidatas propostas incluem a hemopexina, o fator de crescimento endotelial vascular, a forma solúvel do receptor de uroquinase (suPAR) e a citocina 1 semelhante à cardiotrofina.

A suPAR é uma molécula candidata que tem sido extensivamente investigada. Em um estudo, níveis elevados de suPAR estavam presentes no plasma de dois terços dos pacientes com GESF.[23] Uma metanálise também demonstrou que os níveis de suPAR estavam significativamente mais elevados em pacientes com GESF primária em comparação aos controles.[24]

Algumas formas de GESF primária são hereditárias, e uma história familiar positiva pode sugerir uma causa genética. Mutações em uma variedade de proteínas dos podócitos foram associadas à GESF.[25] A maioria das causas genéticas em crianças segue um padrão autossômico recessivo, sendo as mutações nos genes nefrina (NPHS1), podocina (NPHS2) e fosfolipase C épsilon 1 (PLCE1) as mais comuns.[26]​ As causas autossômicas dominantes de GESF são mais comuns em adolescentes e adultos. Os principais genes implicados na GESF autossômica dominante incluem alfa-actinina 4 (ACTN4), formina 2 invertida (INF2) e o canal de potencial receptor transitório do cátion 6 (TRPC6).[25] Mutações MYO1E foram associadas à GESF resistente a glicocorticoides, de início na infância.[27]

Na GESF secundária, a lesão nos podócitos é produzida por vírus, toxinas, alterações hemodinâmicas intrarrenais ou por resposta mal-adaptativa à perda de função dos néfrons. Entretanto, não está claro por que a lesão produzida por essas causas diversas atingem especificamente os podócitos glomerulares.

As condições subjacentes que produzem a GESF secundária incluem:

  • Infecção viral: o HIV é a causa mais comum. As causas mais raras incluem infecção persistente por parvovírus B19, citomegalovírus, hepatite B e C e SARS-CoV-2.

  • Hiperfiltração glomerular decorrente de massa renal reduzida: a massa renal pode diminuir pela existência de um rim solitário (decorrente de nefrectomia ou agenesia renal unilateral), de nefropatia de refluxo, de displasia renal ou de nefropatia crônica do enxerto (em receptores de transplante renal).

  • Induzida por medicamentos/drogas: heroína, alfainterferona, lítio, pamidronato e sirolimo são causas conhecidas.

  • Obesidade.

  • Vascular: tromboembolismo e isquemia renal são causas raras.

Os pacientes negros apresentam maior risco de desenvolver insuficiência renal em estágio terminal decorrente de GESF primária ou secundária e tendem a desenvolver a insuficiência renal com menos idade que pacientes brancos ou asiáticos. A propensão aumentada da GESF pode estar relacionada a mutações do gene MYH9, que são mais comuns em pacientes negros. Essas mutações podem causar GESF primária e podem exacerbar uma GESF induzida por HIV. Os polimorfismos do gene da apolipoproteína L1 (APOL1) também estão associados à GESF em pacientes negros.[28]​ Estas parecem ser expressas quase exclusivamente em indivíduos de ascendência africana, mas têm sido menos frequentemente identificadas em outras populações.[29]

Fisiopatologia

A lesão dos podócitos desencadeia a apoptose, fazendo com que eles se desprendam da membrana basal glomerular e sejam destruídos.[1] Com o declínio no número de podócitos, a membrana basal glomerular fica exposta, e interações mal-adaptativas são desenvolvidas entre a membrana basal glomerular e as células epiteliais parietais. Em seguida ocorre a proliferação de células epiteliais, endoteliais e mesangiais. A combinação da proliferação celular e da perda de proteína no espaço de Bowman resulta em deposição de colágeno. Por fim, a alça capilar entra em colapso e as células endoteliais são perdidas.[30] O tufo glomerular sofre esclerose, criando a lesão característica da glomeruloesclerose segmentar focal (GESF). Inicialmente, a extensão das lesões varia entre diferentes regiões do rim. Entretanto, finalmente a doença evolui produzindo esclerose global e insuficiência renal em estágio terminal.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Características típicas das lesões da glomeruloesclerose segmentar focal (GESF)Criado no BMJ Knowledge Centre [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3d8fdf79

Uma vez que os podócitos começam a morrer, há extravasamento de proteína através da membrana glomerular, resultando em proteinúria e hipoalbuminemia. Ao mesmo tempo, os níveis de colesterol aumentam devido à síntese de colesterol elevada no fígado e à perda de proteínas reguladoras de lipídeos na urina; o mecanismo desses efeitos não é totalmente compreendido.

A gravidade da GESF é diferente na doença primária e na secundária. A GESF primária produz lesão mais grave no podócito e é mais frequentemente associada à síndrome nefrótica. A lesão causada pela GESF secundária é menos grave, e a proteinúria com hipoalbuminemia na faixa nefrótica é menos comum. Essa diferença é refletida pelo padrão de lesão no podócito detectada por microscopia eletrônica. A GESF produz fusão dos processos pedicelares dos podócitos.[31] Na GESF primária, a fusão do processo pedicular é difusa e ocorre em todos os glomérulos. Na GESF secundária, a fusão do processo pedicular é mais limitada às áreas escleróticas.

Classificação

Classificação etiológica

GESF primária (idiopática)

  • Mediada por fatores circulatórios/de permeabilidade não identificados e caracterizada por uma obliteração difusa dos processos podais e síndrome nefrótica.

Glomeruloesclerose segmentar focal (GESF) secundária

  • Causada por uma condição subjacente adquirida.

GESF genética

  • Desenvolve-se em pacientes com mutações em genes que codificam proteínas de podócitos ou da membrana basal glomerular.

GESF de causa indeterminada

  • Caracterizada por obliteração segmentar dos processos podais e proteinúria sem síndrome nefrótica, sem evidência de causas secundárias.

Classificação morfológica[2][3]

Variante peri-hilar

  • Pelo menos 1 glomérulo tem hialinose peri-hilar, com ou sem esclerose.

  • >50% dos glomérulos com lesões segmentares devem apresentar esclerose peri-hilar e/ou hialinose.

Variante celular

  • Pelo menos 1 glomérulo apresenta hipercelularidade endocapilar segmentar ocluindo o lúmen, com ou sem células espumosas e cariorréxis.

Variante apical

  • Pelo menos 1 lesão segmentar envolve o domínio apical (25% externo ao tufo, próximo à origem do túbulo proximal).

Variante colapsante

  • Pelo menos 1 glomérulo apresenta colapso segmentar ou global e hiperplasia do podócito sobrejacente.

  • Alguns investigadores acreditam que isso não seja uma forma de glomeruloesclerose segmentar focal (GESF), mas um distúrbio único chamado de glomerulopatia colapsante.

Variante sem outra especificação

  • Pelo menos 1 glomérulo apresenta aumento segmentar na matriz que oblitera o lúmen capilar.

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