Etiologia

A erliquiose e a anaplasmose são infecções zoonóticas transmitidas por carrapatos que são mantidas na natureza em um ciclo que envolve um carrapato artrópode que morde um hospedeiro mamífero.

Os principais organismos causadores são:

  • Ehrlichia chaffeensis: a causa da erliquiose monocitotrópica/monocítica humana (EMH)[2]

  • Anaplasma phagocytophilum: a causa da anaplasmose granulocitotrópica/granulocítica humana (AGH)[3]

  • E ewingii: a causa da erliquiose ewingii humana.[4]

Existem duas outras bactérias nessa família que foram associadas esporadicamente à doença humana: Neorickettsia sennetsu e E canis, o agente etiológico da erliquiose canina. Desde 2009, foram identificados mais dois patógenos associados a casos em humanos: Ehrlichia muris eauclairensis (anteriormente conhecida como um agente parecido com Ehrlichia muris, EMLA) e Candidatus neoehrlichia mikurensis.

O carrapato-estrela (Amblyomma americanum) é o vetor primário de E chaffeensis e E ewingii nos EUA, enquanto a A phagocytophilum é transmitida pelo carrapato de patas pretas (Ixodes scapularis) e pelo carrapato de patas negras ocidental (Ixodes pacificus).[21]​​ O carrapato do cão americano (Dermacentor variabilis) e o carrapato asiático invasivo (Haemaphysalis longicornis) no leste dos EUA também são possíveis vetores de erliquiose e anaplasmose.[22][27] Na Europa e na Europa Oriental/Ásia, os carrapatos I ricinus e I persulcatus são vetores comuns.[26]

Entre ​1997 e 2020, um total de 12 casos relacionados a transfusão e 120 casos em receptores de transplante foram identificados devido a erliquiose ou anaplasmose.[28]​ A maioria dos casos relacionados a transfusão foi devida a  A phagocytophilum, embora um único caso tenha sido atribuído a E chaffeensis, e um segundo caso a E ewingii.[28]​ Dos 120 casos em receptores de transplante de órgão sólido, 113 casos foram diagnosticados como erliquiose e 7 como anaplasmose.[28]​ Os casos que ocorreram em receptores de órgão sólido incluem os derivados do doador e infecções adquiridas por picada de carrapato após o transplante.

Fisiopatologia

A patogênese foi elucidada com base em estudos in vitro usando células hematopoiéticas derivadas de animais e de seres humanos e modelos animais murinos desenvolvidos para infecções crônicas e letais agudas.[29][30][31]​​[32]​​[33][34]

Espécies de Ehrlichia e Anaplasma são Alphaproteobacterias obrigatoriamente intracelulares que residem nos vacúolos fagossômicos em suas células-alvo, que geralmente incluem leucócitos (neutrófilos e monócitos) para espécies de Ehrlichia e células derivadas da medula óssea para todas as linhagens (leucócitos, eritrócitos e plaquetas) para espécies Anaplasma.

Nos carrapatos, as bactérias são transmitidas de forma transestadial (ou seja, passam dentro do carrapato vetor através dos seus estágios de desenvolvimento de muda larval para ninfas e de ninfas para adultos). As bactérias entram no corpo humano por meio da picada de uma ninfa ou do carrapato adulto infectado; ele precisa ficar preso à pele de 24 a 48 horas para que ocorra a infecção. A doença pode ou não ser resultado da infecção. Durante esse período, o carrapato se ingurgita com o sangue e injeta saliva infectada com bactérias no hospedeiro. Demonstrou-se que glicoproteínas tanto da E chaffeensis quanto da A phagocytophilum se transportam para o núcleo das células do hospedeiro e ligam as regiões promotora e intrônica, modulando a expressão gênica da célula hospedeira.[35][36]

Erliquiose monocitotrópica/monocítica humana (EMH)

  • A E chaffeensis se liga à célula do hospedeiro por meio das selectinas E e L através de uma glicoproteína de 120 kD exposta à superfície (TRP120).[37]

  • A bactéria é internalizada por meio de endocitose mediada pelo receptor. Ela sobrevive no meio intracelular pela inibição da fusão de fagossomos com lisossomos e inibição da produção de radicais reativos de oxigênio.[38]​​[39][40] A sobrevivência dentro do fagossomo requer aquisição de ferro de fontes intracelulares.[41]

  • Outros mecanismos de sobrevivência dentro da célula incluem inibição das vias de sinalização da gamainterferona (via de Janus quinases e via de STAT), necessárias para a ativação dos mecanismos de destruição intracelular.[42][43]

  • A modulação da expressão gênica foi claramente demonstrada in vitro, com o uso de linhagens celulares de macrófagos. Os efetores de proteína de repetição em tandem (TRP) são proteínas bacterianas importantes que influenciam vários processos celulares, inclusive reorganização citoesquelética, apoptose, transcrição, tráfego vesicular, autofagia, etc. Esses moduladores de proteína incluem o TRP120 (mais estudado), o TRP32, o TRP47 e o TRP75.[44]

  • Os Anaplasmataceae (inclui os gêneros Ehrlichia e Anaplasma) desenvolveram mecanismos para explorar as vias autofágicas intracelulares para obter nutrientes.[45]

  • Com base nos poucos dados humanos e modelos animais murinos da doença, a histopatologia está, em grande parte, relacionada à resposta imune que causa infiltrados perivasculares linfo-histiocíticos e granulomas malformados no fígado, metamorfose gordurosa microvesicular e granulomas/necrose focal no baço e no fígado.

  • A medula óssea é normocelular ou hipercelular com hiperplasia mieloide; poucos casos são hipocelulares.

  • Casos graves revelam pneumonite intersticial, hemofagocitose e dano alveolar difuso.

  • Quando o sistema nervoso central está envolvido, pode ser demonstrada meningoencefalite com infiltrados linfo-histiocitários perivasculares.[46][47][48][49]

  • No modelo animal de EMH fatal, foram demonstrados altos níveis de fator de necrose tumoral (TNF)-alfa produzidos pelos linfócitos citotóxicos T CD8.[50]

Anaplasmose granulocitotrópica/granulocítica humana (AGH)

  • A phagocytophilum se une aos neutrófilos polimorfonucleares por meio da selectina P.[51][52]

  • A fusão do fagolisossoma é inibida, e a sobrevida intracelular aumenta pela inibição da dismutase do superóxido, que diminui a concentração dos intermediários reativos do oxigênio bactericidas.[40]

  • A apoptose é inibida pela estabilização das proteínas bcl-2.[53][54][55]

  • Também foi demonstrada inibição das vias de sinalização da gamainterferona.[43]

  • Histopatologicamente, podem ser demonstradas lesões inflamatórias em placas compostas de neutrófilos polimorfonucleares e de células mononucleares no fígado associadas à necrose hepatocítica focal.

  • Outros focos inflamatórios podem ser demonstrados em outros órgãos, como pulmões e baço, assim como na EMH.[46][56]

Erliquiose ewingii humana

  • A fisiopatologia em seres humanos é desconhecida; no entanto, em humanos, a célula-alvo também é um neutrófilo polimorfonuclear.

Classificação

Classificação taxonômica[1]​​

A organização taxonômica das bactérias na família Anaplasmataceae:

  • Ehrlichia chaffeensis: a causa da erliquiose monocitotrópica/monocítica humana (EMH)[2]

  • Anaplasma phagocytophilum: a causa da anaplasmose granulocitotrópica/granulocítica humana (AGH)[3]

  • E ewingii: a causa da erliquiose ewingii humana.[4]

Desde 2009, foram identificados mais dois patógenos associados a casos em humanos. Ehrlichia muriseauclairensis (anteriormente conhecida como um agente parecido com Ehrlichia muris, EMLA) e Candidatus neoehrlichia mikurensis.

Um agente parecido com Ehrlichia muris (EMLA) foi descrito em Minnesota, Wisconsin, Indiana, Michigan e Dakota do Norte.[5] Todos os casos relataram exposição a carrapatos em Minnesota ou em Wisconsin. Foi também descrito um modelo animal murino para essa bactéria e a histopatologia é muito similar ao que foi descrito em casos de EMH.[6] O patógeno é transmitido pelo carrapato Ixodes scapularis.

Foram relatados oito casos de C neoehrlichia mikurensis na Europa e seis deles apresentavam evidências de imunossupressão. Cinco dos pacientes se recuperaram após tratamento com doxiciclina e registrou-se uma morte. Os casos foram diagnosticados por reação em cadeia da polimerase usando primers para o gene 16S rRNA. Não foram obtidos isolados para os outros casos. O organismo pertence à família Anaplasmataceae e suas células-alvo parecem ser granulócitos circulantes.[7][8][9][10][11] As infecções também têm sido relatadas na Ásia; sete casos foram descritos na China.[12] Em agosto de 2014, foram relatados cinco casos de infecção assintomática na Polônia. Os casos foram diagnosticados por reação em cadeia da polimerase de amostras de sangue coletadas de indivíduos assintomáticos que trabalhavam em áreas arborizadas onde o Ixodes ricinus é prevalente.[8]

Existem duas outras bactérias nessa família que foram associadas esporadicamente à doença humana: Neorickettsia sennetsu e E canis, o agente etiológico da erliquiose canina. Essas bactérias não são suficientemente estudadas como patógenos humanos, e não serão discutidas aqui.

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