Abordagem

O manejo inicial do neonato com genitália atípica é uma emergência clínica e social. A equipe local desempenha um papel fundamental na coordenação da avaliação e das investigações iniciais, no manejo de uma emergência clínica e na prestação de suporte aos pais. É importante que haja uma discussão precoce com uma equipe multidisciplinar mais especializada, caso seja possível.

O manejo de um neonato com genitália atípica deve envolver uma equipe multidisciplinar formada por subespecialistas pediátricos, que inclua um endocrinologista, um neonatologista, um cirurgião urológico, um radiologista, psicólogo clínico e um profissional de enfermagem especializado.[8] A equipe multidisciplinar principal deve estar vinculada a uma equipe mais ampla, que inclua especialistas em genética, bioquímica, especialidades médicas adultas relevantes, como ginecologia e endocrinologia, serviços sociais e, se possível, um fórum de ética clínica.[8] A comunicação contínua e o suporte à família são essenciais, bem como a comunicação com o médico de atenção primária.[8][19][28]

Os princípios a seguir devem orientar o manejo de um neonato com genitália atípica:[1][2]​​[8][20][29][30]

  • Atribuição do sexo. Deve ser feita por uma equipe multidisciplinar especializada em diferenças do desenvolvimento sexual (DDS). A criança é chamada de "bebê", não de menino ou menina. A família é incentivada a esperar para dar um nome ao bebê até que o sexo tenha sido atribuído.

  • O bebê deve ser tratado em um centro com experiência multidisciplinar na avaliação de neonatos com genitália atípica. Em algumas situações, o atendimento em um hospital local pode ser apropriado, com consulta inicial a uma equipe multidisciplinar especializada, em um centro regional.

  • As necessidades, o histórico, a cultura e as expectativas dos pais devem ser compreendidos e respeitados. É importante que a equipe médica mantenha os pais totalmente informados durante todo o processo investigativo. Também são importantes uma comunicação clara e a atualização da informação regulares.

  • Quando um neonato é identificado como tendo genitália atípica, deve-se oferecer apoio psicológico para a família, particularmente quando houver atraso na atribuição do sexo.

Atribuição do sexo

A equipe multidisciplinar especializada em DDS deve levar vários fatores em consideração no momento de atribuir o sexo, entre eles:

  • Diagnóstico subjacente, quando conhecido

  • Aparência da genitália externa

  • Opções de reconstrução cirúrgica

  • Necessidade de terapia de reposição hormonal

  • Potencial para fertilidade futura

  • Cultura e preferências da família

  • Exposição a altos níveis de testosterona no desenvolvimento cerebral

  • Potencial para função sexual futura

  • Potencial identidade de gênero futura

Distúrbio do desenvolvimento sexual (DDS) do cromossomo sexual

Disgenesia gonadal

  • A atribuição do sexo baseia-se na probabilidade de fertilidade, grau de virilização, função presumida das gônadas na puberdade com base em exames hormonais e risco de neoplasia gonadal.

  • Se o paciente for criado como sendo do sexo feminino, pode ser necessária a separação cirúrgica das aberturas uretral e vaginal. A redução do clitóris pode ser indicada nos casos de virilização intensa. Geralmente, a gonadectomia bilateral é realizada antes da puberdade para evitar a virilização durante a puberdade e eliminar o risco de neoplasia gonadal. Será necessário o estrogênio exógeno na puberdade para permitir o desenvolvimento puberal. Pode ser necessária a genitoplastia adicional na adolescência.

  • Se o paciente for criado como sendo do sexo masculino, geralmente será necessária a correção cirúrgica de hipospadia ou do pênis curvo ("chordee"). A reposição de testosterona pode ser necessária na puberdade, caso haja insuficiência gonadal ou caso a gonadectomia bilateral já tenha sido realizada.

disgenesia gonadal mista 45,X/46,XY

  • A atribuição do sexo pode ser desafiadora, pois o fenótipo é variável. Os fatores que devem ser considerados incluem as perspectivas futuras de fertilidade, a aparência genital, o tamanho do pênis, a função testicular presumida na puberdade com base em exames hormonais, o desenvolvimento gonadal e o risco de neoplasias (consulte a seção acima sobre a atribuição do sexo). O risco de neoplasia gonadal é mais alto na disgenesia gonadal mista quando existe material do cromossomo Y naqueles com uma gônada intra-abdominal (não descida).

    • Para os indivíduos considerados do sexo masculino, a hipospádia ou o pênis curvo congênito, caso presentes, podem exigir correção cirúrgica. Os testículos apresentam aumento do risco de neoplasia. Os testículos presentes no escroto devem ser monitorados clinicamente e, em caso de dúvidas, pode ser necessário fazer uma biópsia. Um ovário em fita, se houver, deve ser removido devido ao risco de transformação maligna. Em caso de insuficiência gonadal, será necessária a reposição de testosterona na puberdade. As estruturas müllerianas devem ser removidas nos indivíduos criados como do sexo masculino.[1]

    • Para indivíduas designadas como do sexo feminino, a cirurgia pode ser uma opção, embora o momento da cirurgia precise ser individualizado. A gonadectomia pode ser indicada para prevenir neoplasias gonadais e para evitar o risco de virilização durante a puberdade.[31] Será necessário estrogênio na puberdade para permitir o desenvolvimento puberal. Pode ser necessária a genitoplastia adicional na adolescência. Os pacientes com útero precisarão de tratamento com progesterona cíclica quando ocorrer um sangramento intermenstrual.

DDS 46,XX

Hiperplasia adrenal congênita (HAC) secundária à deficiência de 21-hidroxilase[32]

  • Normalmente, atribui-se a esses indivíduos o sexo feminino, pois a fertilidade é preservada na HAC. Às vezes se requer tratamento cirúrgico.

  • Os glicocorticoides (geralmente, hidrocortisona) costumam ser necessários para repor o cortisol. Se houver perda de sal, a fludrocortisona será necessária para repor a aldosterona, e pode ser necessário tomar suplementos de sal nos primeiros 1 a 2 anos de vida, que depois serão descontinuados. O tratamento com corticosteroides será iniciado assim que o diagnóstico for confirmado e continuará pelo resto da vida.

  • Pode ser necessária a separação das aberturas uretral e vaginal. A redução do clitóris pode ser indicada nos casos de virilização intensa. Pode ser necessária a genitoplastia adicional na adolescência. Recentemente, alguns centros optaram por não realizar a cirurgia genital até que o indivíduo afetado tenha idade suficiente para tomar uma decisão consciente e decidir se deseja prosseguir com a intervenção cirúrgica.

DDS 46,XY

Defeitos na biossíntese de testosterona

  • Geralmente (mas nem sempre), atribui-se aos neonatos o sexo masculino, o que tem o potencial de preservar a fertilidade no futuro. No entanto, continua o debate sobre a estratégia ideal para a atribuição do sexo, gonadectomia e intervenção cirúrgica. A equipe multidisciplinar leva em consideração muitos fatores antes de tomar uma decisão final.[33]

  • Os indivíduos com defeitos comuns à glândula adrenal e aos testículos podem apresentar deficiências de glicocorticoides e/ou mineralocorticoides. O tratamento com glicocorticoides e/ou mineralocorticoides nesses pacientes será iniciado assim que o diagnóstico for confirmado e continuará por toda a vida.

  • Se houver presença de hipospádia ou pênis curvo congênito, geralmente será necessária a correção cirúrgica. Caso seja atribuído o sexo feminino ao neonato, pode-se considerar a gonadectomia.

  • Poderá ser necessária a reposição de testosterona na puberdade, sobretudo se houver evidência de insuficiência gonadal ou pouca virilização.

Deficiência de 5 alfa-redutase

  • Os indivíduos com deficiência de 5 alfa-redutase apresentam alto grau de variabilidade fenotípica e têm sido criados como sendo do sexo masculino ou feminino. Continua o debate sobre a estratégia ideal para atribuição do sexo, gonadectomia e intervenção cirúrgica. A decisão sobre o sexo de criação envolverá uma discussão da equipe multidisciplinar com os pais e será tomada com base na idade na época do diagnóstico, no grau de virilização e em outros fatores (consulte a seção acima sobre atribuição do sexo). Caso seja feito um diagnóstico precoce, alguns podem favorecer a atribuição de sexo masculino, pois é provável que o pênis e o escroto respondam à di-hidrotestosterona. Se houver presença de hipospádia ou "chordee", geralmente será necessária a correção cirúrgica.

  • Caso sejam criados como sendo do sexo masculino, os indivíduos podem não precisar de reposição hormonal na puberdade, pois pode ocorrer virilização espontânea. A 5 alfa-redutase transforma a testosterona em di-hidrotestosterona nos tecidos periféricos, inclusive na pele da região genital, e o aumento nos níveis de testosterona no início da puberdade pode ser suficiente para induzir o desenvolvimento de características sexuais secundárias, seja pela expressão de baixo nível de 5-alfa redutase ou por vias alternativas.

  • Caso sejam criados como sendo do sexo feminino, pode-se considerar a gonadectomia bilateral.[33]

insensibilidade parcial a androgênios

  • Alguns indivíduos são criados como sendo do sexo masculino; no entanto, naqueles com insensibilidade androgênica parcial intensa, a virilização na puberdade pode não ocorrer. Nesses casos, seria mais adequado criá-los como sendo do sexo feminino.[33]

  • Se o paciente for criado como sendo do sexo masculino, geralmente será necessária a correção cirúrgica de hipospadia ou do pênis curvo ("chordee"). Poderá ser necessária a reposição de testosterona na puberdade, sobretudo se os níveis de testosterona continuarem baixos. A resposta à testosterona exógena é variável.

  • Se o indivíduo for criado como sendo do sexo feminino, pode ser necessária a separação cirúrgica das aberturas uretral e vaginal. A redução do clitóris pode ser indicada nos casos de virilização intensa. A gonadectomia bilateral é considerada antes da puberdade para evitar a virilização durante a puberdade e devido ao risco de uma alteração maligna na gônada (principalmente se estiver fora do escroto). Caso as gônadas sejam removidas, será necessário estrogênio exógeno na puberdade para permitir o desenvolvimento puberal. Pode ser necessária genitoplastia adicional na adolescência. A remoção das gônadas significa que o indivíduo será infértil; portanto, a decisão pela atribuição do sexo feminino deve ser tomada com muito cuidado.

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