Abordagem

O reconhecimento precoce é importante, pois a evolução da doença geralmente é rápida. A fasciite necrosante é uma emergência cirúrgica em que o tempo é crítico, e representa risco de vida.[2][4]​​​ Pode haver presença de sepse e insuficiência de múltiplos órgãos.[2][34]​​​ O encaminhamento imediato para a equipe cirúrgica e a discussão sobre cuidados intensivos são essenciais. Apesar da necessidade de exames laboratoriais, inclusive exames microbiológicos e de imagem, quando possível, a fasciite necrosante continua tendo primariamente um diagnóstico clínico, com sinais e sintomas que mudam rápido com o tempo.[2][4]

História

A velocidade da evolução dos sintomas deve ser determinada. Obtenha informações sobre fatores de risco específicos, como:

  • Lesões ou rupturas na pele prévias

  • Trauma, cirurgia

    • A fasciite necrosante no contexto de cirurgia abdominal recente ou na virilha tem mais probabilidade de ser polimicrobiana.

  • Imunossupressão devido a doença crônica (por exemplo, diabetes mellitus, dependência alcoólica)

  • Uso de drogas por via intravenosa

  • Varicela

  • Herpes-zóster

É importante lembrar que o dano incitante pode ser menor (por exemplo, uma picada de inseto) ou pode não ser recordado pelo paciente.[1][25]​ A história de exposição pode ser útil ocasionalmente (por exemplo, exposição à água doce associada a Aeromonas hydrophila, exposição à água salgada ou consumo de ostras cruas associados a Vibrio vulnificus); porém, a seleção de antibióticos empíricos deve ser ampla e não orientada apenas pela história de exposição.[9][15][25]

Outros possíveis sinais ou sintomas de fasciite necrosante em um paciente com celulite são tontura, palpitações, náuseas, vômitos ou delirium.

Exame físico

O diagnóstico deve ser considerado em um paciente com celulite e sinais de alerta clínico, como um escore positivo e rápido de determinação da falência orgânica relacionada à sepse (qSOFA; não especificamente validada para fasciite necrosante). O estado mental alterado (Escala de Coma de Glasgow ≤15), a hipotensão sistólica (pressão arterial sistólica ≤100 mmHg) e a frequência respiratória elevada (≥ 22 bpm) sugerem que o paciente com celulite pode apresentar um processo necrosante que requer avaliação cirúrgica imediata.[2]​ Entretanto, o paciente pode apresentar sintomas inespecíficos ou não localizados (por exemplo, indisposição aguda com temperatura normal), ou pode apresentar sinais graves com evidências de disfunção de múltiplos órgãos e choque.[2]

Anestesia ou dor intensa no local da celulite pode ser indicativa de uma infecção subcutânea subjacente.​​[1][16]​​​​[19][20][35] A dor sentida na fasciite necrosante pode ser desproporcional às alterações visíveis da pele. Deve-se observar que pacientes com fasciite necrosante podem apresentar pele sobrejacente normal e que as alterações da pele sobrepostas à fasciite necrosante por estreptococo do grupo A são um sinal tardio.

O exame da pele sobrejacente à área da celulite pode revelar crepitação, vesículas, bolhas, descoloração acinzentada ou edema, estendendo-se além do eritema.[3]​ Alterações cutâneas sutis, como vazamento de líquido e edema, precedem as alterações cutâneas visíveis de bolhas e vermelhidão.

Cerca de metade dos casos ocorre nos membros, e o restante se concentra no períneo, no tronco e nas áreas da cabeça e do pescoço.​​[1]​​​​​​[2][3][4]​​[16][19][20]​ O local mais comum da fasciite necrosante por estreptococo do grupo A é a coxa, e a fasciite necrosante de um membro, especialmente o braço, tem mais probabilidade de ocorrer por infecção por estreptococos do grupo A que por uma infecção polimicrobiana. Alguns casos de fasciite necrosante podem ter miosite associada em decorrência de disseminação contígua. Isso é mais comum em infecções por estreptococos do grupo A que em infecções polimicrobianas.

A fasciite necrosante no contexto de cirurgia abdominal recente ou na virilha tem mais probabilidade de ser polimicrobiana.

Avaliação laboratorial

Todos os pacientes internados com suspeita de fasciite necrosante devem realizar hemograma completo com diferencial de leucócitos, e medição de ureia, eletrólitos, creatinina e proteína C-reativa com urgência. Alguns desses biomarcadores são usados para escores preditivos, inclusive o Laboratory Risk Indicator for Necrotising Fasciitis (LRINEC). Níveis elevados de lactato e procalcitonina também podem estar associados com o aumento da probabilidade de morbidade e mortalidade.[15]​ Pode-se obter a gasometria arterial se houver suspeita de comprometimento respiratório.

A fasciite necrosante está frequentemente associada a uma variedade de anormalidades laboratoriais inespecíficas incluindo:

  • Contagem de leucócitos anormalmente alta ou baixa com ou sem desvio à esquerda (porcentagem elevada de leucócitos polimorfonucleares e/ou bandas). Uma baixa contagem de leucócitos pode ser um sinal de sepse grave

  • Nível elevado de ureia e creatinina em função da depleção do volume intracelular

  • Sódio sérico diminuído

  • Proteína C-reativa elevada

  • Creatina quinase sérica elevada

  • Lactato plasmático elevado.

Hemoculturas devem ser realizadas antes de iniciar o antibiótico, para ajudar na identificação do organismo causador.[15] Coloração de Gram e culturas da aspiração por agulha ou culturas de tecido profundo obtidas durante o desbridamento cirúrgico ou a exploração também podem fornecer um diagnóstico bacteriológico.[5][15] Swabs de pele superficial devem ser evitados.[15]

O teste molecular e o sequenciamento de última geração, quando disponíveis, podem ajudar a identificar patógenos adicionais.[15]

Exames por imagem

Os exames de imagem não devem protelar a intervenção cirúrgica quando houver suspeita clínica do diagnóstico.​​[2][3][5][15]

Em pacientes clinicamente estáveis, a radiografia pode fornecer evidências de suporte para um processo necrosante.

A radiografia simples costuma ser normal durante os estágios iniciais; pode haver presença de gás subcutâneo conforme a doença evolui. O diagnóstico deve ser fortemente suspeitado se gás nos tecidos moles for visualizado no exame radiológico, que também pode demonstrar anormalidades nos tecidos moles envolvidos.​[1]​​​[2][16]​​[36]​​ No entanto, a presença de gás nos tecidos moles é um sinal tardio e a radiografia simples tem baixa sensibilidade para detectar sinais de infecção necrosante.[15]

A ultrassonografia pode ajudar a diferenciar a celulite simples da fasciite necrosante, e tem a vantagem de poder ser realizada com rapidez à beira do leito.[2] Em um estudo prospectivo, os achados ultrassonográficos de espessamento difuso do tecido subcutâneo, acompanhados de acúmulo de líquido a mais de 4 mm de profundidade, apresentaram sensibilidade de 88% e especificidade de 93%.[37]

A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM) oferecem maior sensibilidade.[3][36]​​A TC é indicada em infecções abdominoperineais e cérvico-faciais, para mostrar o portal de entrada da infecção e orientar a intervenção cirúrgica; para tecidos moles necrosantes periféricos ou de membros, a TC tem valor limitado.[15][36]​ A RNM é mais sensível para avaliar infecções de tecidos moles necrosantes dos membros e pode mostrar espessamento da fáscia, fluído fascial profundo ou edema. No entanto, esses sinais não são específicos para infecção necrosante e podem ser observados em outras infecções de tecidos moles, como celulite, e pode ser difícil obter uma RNM em caso de emergência, além de não ser recomendada como técnica laboratorial de primeira linha.[2]​​[3]​​[15]​​[38]

Em uma metanálise, a TC teve sensibilidade de 88.5% e especificidade de 93.3%, enquanto a radiografia simples teve sensibilidade de 48.9% e especificidade de 94.0% para o diagnóstico de infecções de tecidos moles necrosantes.[39]

A biópsia de tecidos moles com cortes de congelamento precoce pode fornecer um diagnóstico definitivo e pode ser usada se o diagnóstico não estiver claro clinicamente ou radiologicamente.[2] No entanto, a biópsia de tecidos moles com cortes de congelamento requer a experiência de um especialista em patologia, leva tempo para ser realizada e não está amplamente disponível em todas as regiões, inclusive no Reino Unido.[2]

Critérios de diagnóstico

O uso de escores de avaliação da gravidade pode ser útil para identificar pacientes de alto risco de sepse sistêmica e, portanto, aqueles que precisam de cuidados intensivos urgentes e avaliação cirúrgica.[2]

Deve-se considerar a fasciite necrosante em um paciente com celulite e sinais de alerta clínico, como um escore positivo de determinação da falência orgânica relacionada à sepse rápido (qSOFA; para uso em outros contextos que não a unidade de terapia intensiva). No entanto, nenhum estudo já abordou especificamente o uso do qSOFA ou do escore de determinação da falência orgânica relacionada à sepse (SOFA; para uso na unidade de terapia intensiva) na fasciite necrosante.

O escore LRINEC, com base em anormalidades laboratoriais (proteína C-reativa, hemoglobina, sódio, creatinina, glicose) foi desenvolvido na tentativa de auxiliar na diferenciação precoce da fasciite necrosante de infecções de pele menos graves e dos tecidos moles.[3][40]​​​​ Em uma metanálise de 2019, um LRINEC 6 foi associado com sensibilidade de 68.2% (IC de 95% de 51.4% a 81.3%) e especificidade de 84.8% (IC de 95% de 75.8% a 90.9%) para o diagnóstico de infecções de tecidos moles necrosantes.[39]​ Enquanto estudos de validação não demonstraram sensibilidade ou especificidade suficientes para diagnosticar ou descartar fasciite necrosante, um escore LRINEC elevado na apresentação foi associado ao alto risco de mortalidade na fasciite necrosante.​[39][41]​​[42]

Consultoria

O envolvimento de uma variedade de especialistas com uma abordagem multidisciplinar pode melhorar o tratamento e o prognóstico, em conjunto com um alto índice de suspeita para a doença.[15]​ Tomadores de decisão de nível sênior devem ser envolvidos desde o início quando houver suspeita de fasciite necrosante, pois há pouca incidência e baixa sensibilidade de sinais clínicos precoces, e na ausência de ferramentas diagnósticas não invasivas ideais.[15]​ Uma avaliação cirúrgica de urgência para inspeção, exploração e desbridamento do tecido infectado deve ser obtida assim que houver suspeita do diagnóstico.[3]​ Consultas precoces adicionais incluem o envolvimento de um especialista em cuidados intensivos.[15]​ O diagnóstico bacteriológico definitivo é mais bem realizado a partir de espécimes de tecidos obtidos por desbridamento cirúrgico.[5]​ A coloração do tecido clinicamente afetado pode fornecer uma indicação precoce dos organismos causadores. Por exemplo, pequenas cadeias de cocos Gram-positivos sugerem uma infecção por estreptococos, enquanto aglomerados de cocos grandes sugerem Staphylococcus aureus. A positividade das culturas de amostras de sangue e dos tecidos identifica uma causa bacteriana. A infecção pode ser monomicrobiana ou polimicrobiana.​​[1][5][16]​​​​​[19][20][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Sinais tardios de fasciite necrosante com celulite extensa, induração, necrose cutânea e formação de bolhas hemorrágicasExtraída de: Hasham S, Matteucci P, Stanley PRW, et al. Necrotising fasciitis. BMJ. 2005 Apr 9;330(7495):830-3 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@e80226d​​​​[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Enxertos de pele de espessura dividida após desbridamento cirúrgicoExtraída de: Hasham S, Matteucci P, Stanley PRW, et al. Necrotising fasciitis. BMJ. 2005 Apr 9;330(7495):830-3 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4afc8e4c

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fasciite necrosante no abdome direito de uma menina de 2 anos de idade após infecção por varicelaExtraída de: de Benedictis FM, Osimani P. Necrotising fasciitis complicating varicella. BMJ Case Rep. 2009;2009:bcr2008141994 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5e6a9d76[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pequenas áreas de necrose cutânea em uma mulher jovem com celulite e fasciite necrosante do abdome inferior 5 dias após um parto cesáreoExtraída de: Hasham S, Matteucci P, Stanley PRW, et al. Necrotising fasciitis. BMJ. 2005 Apr 9;330(7495):830-3 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3c4fa99d

Recomenda-se fortemente a consulta com um especialista em doenças infecciosas para auxiliar no esquema de antibioticoterapia empírica, bem como na subsequente redução apropriada da terapia.[15]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal