Abordagem

A apresentação da torção ovariana/anexial é inespecífica, sem um perfil clínico absoluto, o que torna o diagnóstico desafiador.[1][19]​​​ Nas pacientes com torção ovariana confirmada, o diagnóstico pré-operatório correto é tão baixo quanto 37% a 47%.[2][14]​ Portanto, quando uma mulher apresenta dor abdominal ou pélvica, deve-se suspeitar de torção ovariana. A dificuldade do médico reside em diferenciar a torção ovariana de outras etiologias, como gravidez ectópica, apendicite, cistos ovarianos, doença inflamatória pélvica (DIP), infecção do trato urinário (ITU), nefrolitíase e endometriose.

Embora o uso das modalidades de imagem possa auxiliar no diagnóstico, os sinais característicos não são consistentemente detectados. Portanto, o ônus recai sobre o raciocínio clínico. A avaliação laboratorial e de imagem não deve atrasar a avaliação se o médico suspeitar de torção ovariana.[19]

O diagnóstico definitivo baseia-se em achados cirúrgicos. É imperativo que haja suspeita de torção ovariana para que esta seja diagnosticada e manejada cirurgicamente para preservar a função ovariana.

Visão geral da apresentação

A maioria das pacientes se apresenta com dor na parte inferior do abdome de início súbito, frequentemente associada a náuseas e vômitos. A dor pode ser constante ou intermitente, crônica ou aguda, ou pode se irradiar para as costas, flanco ou virilha. Os sinais e sintomas mais comuns da torção ovariana/anexial são:[14][22][25][26][27][28]

  • Dor: 70% a 96%

  • Náuseas ou vômito: 25% a 70%

  • Diarreia: 8%

  • Massa anexial palpável: 47% a 53%

  • Descompressão brusca ou defesa: 14% a 18%

  • Sensibilidade

    • Localizada: 68% a 90%

    • Difusa: 20%

    • Anexial: 73%

  • Dor à mobilização do colo: 13%

  • Febre: < 2%.

A torção ovariana deve ser considerada em pacientes com história recente de tratamento para infertilidade ou atividade física extenuante com dor intensa no quadrante inferior. Às vezes, é observada na gestação e também pode estar associada a aumentos súbitos na pressão intra-abdominal que podem ocorrer com tosse ou soluço. Cistos ovarianos e paraovarianos, bem como neoplasias, às vezes estão associados à torção ovariana.[4][22]

Diagnóstico em populações específicas

Gestação

  • O diagnóstico de torção ovariana deve ser considerado em gestantes que apresentam dor abdominal. A incidência de torção ovariana durante a gestação espontânea é normalmente <0.1%; estima-se que 12% a 18% das pacientes com torção ovariana estejam grávidas.[14][20][29][30]​​​ A torção ovariana é mais comum no primeiro e no início do segundo trimestres.[2][31][32]

  • A apresentação costuma ser inespecífica, com dor intensa no quadrante inferior, náuseas, vômitos, leucocitose e, possivelmente, uma massa palpável. A suspeita clínica é a ferramenta diagnóstica mais importante.[6][9][10] Massas anexiais incidentais também podem ser encontradas na ultrassonografia de rotina durante a gestação.[31]

Primeira e segunda infâncias

  • Em crianças muito pequenas que apresentam dor abdominal ou dor pélvica aguda acompanhada de vômitos, o diagnóstico de torção ovariana não deve ser menosprezado, pois aproximadamente 15% dos casos ocorrem na primeira e segunda infâncias.[17][33] Além disso, os pacientes pediátricos podem apresentar dor abdominal difusa, em vez de dor abdominal localizada.[15] No período neonatal, a torção ovariana pode apresentar-se com intolerância alimentar, vômitos, distensão abdominal e irritação.

  • A ultrassonografia abdominal pélvica é a ferramenta diagnóstica mais importante nesta população de pacientes, pois a ultrassonografia transvaginal (USTV) não é apropriada.[1][34][35]

Pós-menopausa

  • O período pós-menopausa é responsável por 10% dos casos de torção anexial.[5]​ Pouco mais da metade (56%) das pacientes em uma grande série de torções anexiais apresentavam massa ovariana, principalmente com histologia benigna, incluindo cistos dermoides e cistos paraovarianos.[5]

Investigações laboratoriais

Todas as pacientes que apresentam dor pélvica ou abdominal devem realizar um teste de gravidez e hemograma completo.[19][36]​​​ No entanto, embora um teste de gravidez deva ser feito, ele não deve atrasar a obtenção de imagens se houver suspeita de torção ovariana.[19]​ Não há achados laboratoriais específicos, embora uma contagem de leucócitos elevada possa estar presente.[19][28]​​[37]​ A proteína C-reativa pode estar elevada na torção anexial.[38]​ Um resultado negativo também pode ser útil para descartar apendicite, a qual pode se apresentar de maneira semelhante à torção ovariana.[39]

Pode ser realizada uma urinálise para descartar ITU, bem como uma sonda genética ou culturas cervicais para avaliar DIP.

Exames de imagem

Ultrassonografia transvaginal e/ou abdominal

Em pacientes com dor pélvica e suspeita de torção ovariana, uma USTV deve ser realizada para determinar a presença de cistos ovarianos, cistos paratubários ou aumento de ovário.[19][40]​​​​[41]​ Uma ultrassonografia abdominal é apropriada para as crianças com suspeita de torção ovariana.​​[1][19][34][35]​​​ A ultrassonografia abdominal também pode ser preferível à USTV em outras circunstâncias selecionadas (desconforto da paciente, miomas grandes, alterações cirúrgicas) ou quando a USTV for desconfortável ou inapropriada (estenose/fibrose vaginal pós-tratamento, paciente virgem de relações sexuais).[40][42]

O achado mais comum na ultrassonografia é um ovário aumentado com aparência heterogênea.[40][42]​​​ Os achados da ultrassonografia dependem da duração e do grau da torção, bem como da presença ou ausência de massa ovariana.[26] Em 70% dos casos de torção confirmados por cirurgia, visualiza-se uma massa anexial cística, sólida ou complexa, além de líquido livre no fundo de saco, na ultrassonografia anterior à cirurgia.[4][43][44]

Os achados da ultrassonografia descritos como preditores de torção incluem o local anexial que é cranial ao fundo uterino, o espessamento da parede anexial, o aumento unilateral do ovário, com múltiplos folículos localizados perifericamente, e hemorragia cística.[40][45][46]​​​ O espessamento das tubas uterinas pode ser visualizado como uma estrutura fusiforme ou tubular heterogênea entre a massa anexial e o útero.[40][45]​​​ A ultrassonografia é um bom exame diagnóstico de primeira linha.[41]​ Uma metanálise de 12 estudos relatou uma sensibilidade combinada de 79% e uma especificidade combinada de 76%.[40][41]​​​ Entretanto, a observação de ovários normais à ultrassonografia não descarta a possibilidade de torção.

Ultrassonografia Doppler

A ultrassonografia com Doppler é essencial para avaliação de vascularização anormal (em caso de inflamação) ou falta de vascularização (em caso de torção ovariana).[40]

Uma revisão de casos de torção ovariana diagnosticados por cirurgia constatou que o Doppler era normal em 54% a 60% dos casos.[45][47]​​​ Uma metanálise relatou sensibilidade e especificidade combinadas semelhantes no diagnóstico de torção anexial pelo uso da ultrassonografia com Doppler (7 estudos, 845 pacientes, sensibilidade de 80% e especificidade de 88%) em comparação apenas com a ultrassonografia em escala de cinza (12 estudos, 1,187 pacientes, sensibilidade de 79% e especificidade de 76%).[40][41]​​​ A presença de fluxo sanguíneo tem baixo valor preditivo para descartar uma torção ovariana, e não deve ser usada para descartar torção ovariana se a suspeita clínica for alta.[47][48]​ A ausência de fluxo sanguíneo para o ovário em estudos dopplerfluxométricos durante a ultrassonografia é altamente específica.

O uso de Doppler combinado com ultrassonografia tridimensional e bidimensional, correlacionados à suspeita clínica diante de resultados anormais, diminui o tempo até o diagnóstico, aumentando a preservação da função ovariana. Entretanto, é importante reiterar que a observação de fluxo para o ovário por Doppler não descarta a possibilidade de torção.[43][47][48][49][50][51][52]

Tomografia computadorizada (TC) e ressonância nuclear magnética (RNM)

Achados de TC e RNM na torção ovariana incluem espessamento das tubas uterinas, espessamento da parede lisa da massa cística anexial torcida, ascite e desvio uterino para o lado da torção.[46][53][54] A TC e a RNM têm menor valor diagnóstico que a USTV, com uma avaliação mais demorada e cara.​[28][40][41][55]

O diagnóstico definitivo é cirúrgico

A visualização direta da torção durante a cirurgia é a ferramenta diagnóstica definitiva em pacientes com elevada suspeita clínica de torção.[1]​ A cirurgia também permite o tratamento.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal