Abordagem
Diferenças na aparência e na posição do pé observadas pelos pais, na maioria das vezes, refletem variações do desenvolvimento fisiológico normal.[46] A não familiaridade com o crescimento e desenvolvimento normais dos membros inferiores, além do desejo de que seus filhos tenham um alinhamento normal, pode explicar a preocupação dos pais e sua motivação para procurar aconselhamento médico. O diagnóstico preciso de problemas torcionais envolve compreender a razão da consulta, considerar a preocupação dos pais, colher uma história detalhada do problema, realizar um exame físico de rastreamento para descartar causas patológicas e medir a gravidade com um perfil rotacional. Avaliação radiológica raramente é indicada, exceto caso haja suspeita de uma doença patológica.
História
A avaliação começa com a identificação da razão da consulta e com a solicitação para que pais descrevam a deformidade e suas preocupações, expectativas e objetivos. Famílias podem descrever uma deformidade angular em vez de um problema torcional. Elas podem achar que a anormalidade da criança pode persistir ou causar alguma incapacidade em longo prazo, com o avanço da idade, ou podem desejar a colocação de aparelhos ou sapatos especiais para tratar o problema. Os médicos devem tentar reconhecer as preocupações dos pais. Deve-se perguntar sobre quando o problema foi reconhecido pela primeira vez, sobre a assimetria e mudanças durante esse intervalo, fatores agravantes, qualquer tratamento prévio e história familiar de problemas similares ou doenças hereditárias (por exemplo, raquitismo resistente à vitamina D, acondroplasia, mucopolissacaridoses ou displasias esqueléticas). O desvio dos pés para fora ("out-toeing") em um neonato geralmente é decorrente de contraturas de rotação lateral nos quadris, a torção tibial medial geralmente está presente em crianças pequenas e a torção femoral medial geralmente está presente em crianças de 3 a 6 anos de idade. Os pais devem ser questionados sobre os hábitos de sentar e dormir da criança. A torção tibial medial geralmente está associada ao hábito de sentar sobre os pés, e a torção femoral medial ao hábito de sentar na posição "W". Deve-se colher a história completa da gestação, do nascimento e do desenvolvimento. Marcos do desenvolvimento padrão (sentar, andar, falar, etc.) devem ser determinados. Lactentes geralmente sentam até os 8 meses e andam de forma independente até 12 ou 18 meses. O padrão de caminhada maduro ou adulto se desenvolve até os 7 anos de idade. Novo episódio ou agravamento recente de dor, quedas, tropeços, atraso no início da deambulação, cansaço fácil ao andar, além de claudicar podem indicar uma doença subjacente.
A síndrome do mau alinhamento miserável é tipicamente observada em crianças mais velhas com dor ou instabilidade no joelho.
Doença de Blount infantil é tipicamente observada em uma criança com idade superior a 18 meses com angulação em varo e torção tibial medial. Obesidade (>95% para a idade) é típica. Deambulação precoce (antes de 1 ano de idade) pode ser notada. A história familiar pode ser positiva para doença de Blount. Na doença de Blount adolescente, crianças negras são geralmente afetadas. Obesidade frequentemente está presente, e dor medial no joelho pode ser observada.
Pé torto é tipicamente identificado no nascimento. Pé em serpentina geralmente é identificado no nascimento ou pode ser iatrogênico após tratamento de metatarso varo e de deformidades do pé torto.
Exame físico
Um exame musculoesquelético de rastreamento de rotina deve ser realizado antes de focar no problema rotacional. Um exame físico simples de 18 etapas, descrito pela Easter Seal Society, deve ser realizado em todas as crianças, mesmo se as preocupações parentais parecerem triviais.[47] Esse exame físico padrão avalia marcha, coordenação, equilíbrio, tônus muscular, deformidades estáticas e/ou contraturas musculares em cada articulação; deformidades torcionais e outras deformidades ósseas; e frouxidão da articulação. Tropeços, quedas e problemas de uso de sapatos devem ser examinados. Displasia do quadril, diplegia leve ou hemiplegia, relacionadas à paralisia cerebral, podem se manifestar como problemas torcionais. Epifisiólise proximal do fêmur deve ser considerada em qualquer criança mais velha ou adolescente com queixas de dor no joelho, quadril ou virilha; com anormalidades da marcha; ou com amplitude de movimento assimétrica do quadril. A doença de Legg-Calve-Perthes também pode ser considerada em qualquer criança com claudicação, dor no quadril ou na virilha, ou amplitude de movimento assimétrica do quadril.
O principal aspecto para estabelecer um diagnóstico em deformidades torcionais é determinar e registrar um perfil rotacional, que usa marcos anatômicos em torno do joelho, tornozelo e pé.[1][2][48] O perfil rotacional inclui medidas de:
Ângulo de progressão do pé durante a marcha[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ângulo de progressão do pé avaliado ao observar a criança andando. Ângulo de progressão do pé é formado por uma linha traçada na direção da caminhada e uma linha do eixo longitudinal do pé. O ângulo de progressão do pé é a somatória dos alinhamentos torcionais do fêmur, tíbia e pé. O desvio dos pés para dentro ("in-toeing") é designado como um número negativo e o desvio para fora ("out-toeing") como um número positivoDo acervo de Lynn T. Staheli, MD, Children's Hospital and Regional Medical Center, Seattle, WA [Citation ends].
Arco de rotação do quadril (rotação interna e externa do quadril)[Figure caption and citation for the preceding image starts]: A rotação interna e externa do quadril em extensão é avaliada com o paciente em posição pronada e joelho flexionado em 90°Do acervo de Tamir Bloom, MD [Citation ends].
Ângulo coxa-pé[Figure caption and citation for the preceding image starts]: A,B: Eixo coxa-pé avaliado em posição prona pela medição do ângulo entre o eixo longitudinal da coxa e do pé. O formato da sola dos pés deve ser avaliado quanto a anormalidades de adução e abdução do antepé, como metatarso varo. A linha bissetriz do tornozelo (traçada através do eixo da linha média do retropé e antepé), em um pé normal, passa através do segundo espaço interdigital. A borda lateral do pé geralmente é retaDo acervo de Lynn T. Staheli, MD [Citation ends].
Eixo transmaleolar: avalia a quantidade de torção tibial presente; esse eixo é o ângulo formado na intersecção de uma linha imaginária dos côndilos femorais laterais até os côndilos femorais mediais, e uma segunda linha do maléolo lateral até o medial
Linha bissetriz do calcanhar.
Os valores clínicos devem ser comparados com valores de referência publicados para determinar a relevância dos achados com base no exame físico.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Intervalo e desenvolvimento normais da rotação do quadril na infância. Verde: intervalos normais, média ± 2 desvios padrãoDo acervo de Lynn T. Staheli, MD [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Intervalo e desenvolvimento normais do ângulo de progressão do pé ao longo da infância. Verde: intervalos normais, média ± 2 desvios padrãoDo acervo de Lynn T. Staheli, MD [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Intervalo e desenvolvimento normais do ângulo coxa-pé ao longo da infância. Verde: intervalos normais, média ± 2 desvios padrãoDo acervo de Lynn T. Staheli, MD [Citation ends].
A definição anatômica da torção tibial não é precisa, e a técnica ideal para avaliação clínica é discutível. A torção tibial é avaliada de maneira mais adequada pelo ângulo coxa-pé, pelo eixo transmaleolar e pelo teste do segundo artelho.[1][25][49] O eixo transmaleolar pode ser mais preciso que o ângulo coxa-pé e o teste do segundo artelho em crianças com deformidades no pé.[50] Outra técnica para medir a torção tibial é o método de pegada.[51] Com o paciente sentado, a pegada é traçada em um papel com linhas posicionado de forma precisa. Depois, uma linha é traçada, conectando os 2 maléolos. Os ângulos entre os maléolos e qualquer linha no papel são usados para determinar o eixo transmaleolar.
A anteversão femoral é avaliada comparando-se a rotação interna e externa do quadril na posição pronada e palpando-se o ponto de proeminência trocantérica máxima.[52][53][54] Medidas em posição pronada da rotação do quadril são mais precisas que medidas em posição supina, pois a pelve é estabilizada.
Deformidades angulares comumente coexistem com anormalidades rotacionais e devem ser avaliadas pela medição da distância intercondilar ou transmaleolar. Essas medidas, incluindo o perfil rotacional, podem ser comparadas com valores de referência publicados.[2][55]
O exame clínico em consultório é limitado, pois baseia-se principalmente na avaliação estática do membro inferior, enquanto atividades funcionais, como andar, são dinâmicas.[56] Além disso, a medida torcional pode avaliar de modo impreciso a deformidade em decorrência de frouxidão articular excessiva, contraturas articulares e espasticidade muscular, e também quando deformidades torcionais coexistem com deformidades angulares.[2][57][58][59]
Afecções neuromusculares são determinadas por exame neurológico, incluindo teste de reflexos primitivos, reações posturais e protetoras e tônus motor. Padrões de movimento anormais ajudam a identificar uma criança com uma potencial doença neuromuscular. Muitas doenças têm componentes ortopédicos múltiplos; o exame físico não deve se concentrar em uma parte do corpo.
A síndrome do mau alinhamento miserável pode demonstrar uma patela apontando para a porção medial ("patela estrábica"). A posição de sentar em "W" pode estar presente, e o ângulo Q (formado da linha traçada desde a espinha ilíaca anterossuperior até o centro da patela, e do centro da patela até o tubérculo tibial) pode estar aumentado.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Foto de uma criança sentada na posição "W"Do acervo de Tamir Bloom, MD [Citation ends].
Na epifisiólise proximal do fêmur, o desvio dos pés para fora ("out-toeing") ou a amplitude de movimento assimétrica do quadril em um adolescente é um possível sinal.
Uma borda lateral convexa indica antepé em adução observado no metatarso varo com a linha bissetriz do calcanhar que se projeta lateralmente ao segundo espaço interdigital e a amplitude de movimento do tornozelo normal. É observado com maior frequência no lado esquerdo e no primeiro ano de vida.
Pé chato pode observado em "out-toeing". Geralmente são indolores e sem sensibilidade no exame físico. A avaliação da flexibilidade demonstra um arco quando o pé é elevado ou quando a primeira articulação metatarsofalângica é dorsiflexionada passivamente. O retropé se inverte com a flexão plantar do tornozelo (ao ficar na ponta dos pés).
Na doença de Blount infantil, o teste de cobertura da tíbia medial ("cover-up test") pode ser positivo.[60] Esse teste avalia qualitativamente o alinhamento da porção proximal da canela ou perna inferior em relação à coxa ou perna superior. Quando o alinhamento é neutro ou em varo, o teste é considerado positivo.[60] Impulsão lateral do joelho pode estar presente em doença de Blount adolescente e infantil.
No pé em serpentina, o retropé está em valgo, o mediopé em abdução e o antepé em adução.
No pé torto, pode-se observar contratura equina com dorsiflexão limitada do tornozelo.
Avaliação radiográfica
Não é necessária durante a avaliação inicial da maioria dos problemas torcionais. Técnicas radiográficas geralmente não são superiores à avaliação clínica.[52] Caso haja suspeita de patologia do quadril (por exemplo, epifisiólise proximal do fêmur, displasia do quadril), imagens anteroposterior da pelve e lateral em posição de rã podem ser obtidas. Radiografia na incidência de cross-table lateral deve ser solicitada quando uma criança com idade superior a 8 anos tiver uma alteração recente na marcha e dor no joelho ou no quadril. Radiografias do pé auxiliam no diagnóstico de pé torto, pé em serpentina, tálus vertical congênito e hálux valgo.
Na síndrome do mau alinhamento miserável, incidências radiográficas padrão anteroposterior, lateral e de Merchant são usadas para avaliar patela alta, subluxação ou luxação patelar, e morfologia troclear.
Na doença de Blount, a linha epifisária medial pode demonstrar irregularidade e inclinação anormal da epífise tibial medial. A porção metafisária da placa pode demonstrar formação de um "bico" ósseo irregular.[61][62] Radiografia na posição ortostática anteroposterior dos membros inferiores, incluindo quadris e tornozelos, com os membros inferiores rotacionados de modo que os joelhos (não os pés) estejam alinhados para frente, é indicada em crianças com idade acima de 18 meses que apresentam teste de cobertura da tíbia medial ("cover-up test") positivo, deformidade assimétrica e história familiar de arqueamento ou deformidade grave.
Com a epifisiólise proximal do fêmur, a placa epifisária é alargada e a epífise parece um pouco encurtada no lado afetado, e a margem da metáfise pode parecer indistinta na pelve anteroposterior e na radiografia lateral do quadril.
No pé em serpentina, radiografia na posição ortostática anteroposterior e lateral do pé confirma o diagnóstico. É observada uma configuração em "Z" do pé na radiografia anteroposterior, com abdução nas articulações mediotársicas e adução dos metatarsos. Em geral, há flexão plantar do tálus na radiografia lateral.
Outras investigações
Tomografia computadorizada (TC) tridimensional, ressonância nuclear magnética (RNM) e ultrassonografia medem com precisão o alinhamento torcional.[63][64][65] Avaliação por TC ("gunsight" scan) do perfil rotacional pode ser usada para medir deformidades torcionais graves ou complexas, como a síndrome do mau alinhamento miserável, em crianças mais velhas.[58][66][67] Há preocupações referentes à exposição excessiva à radiação e variabilidade da medição com radiografias simples e, mais ainda, com a TC. Se forem necessários exames de imagem adicionais para a avaliação pré-operatória, uma RNM[68][69] ou radiografia[70][71][72]raio-X biplanar de baixa dose pode ser preferível à TC. A disponibilidade, o custo e a necessidade de sedação (com a RNM) devem ser considerados ao contemplar exames de imagem avançados para anormalidades de torção em crianças.
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Deformidades torcionais graves podem ser avaliadas com tomografia computadorizada (TC; "gunsight" scan) pela medição do ângulo entre os eixos transversais nos cortes da TC das regiões proximal e distal justa-articulares© 1980 J Bone Joint Surg Br. Reimpresso de: J Bone Joint Surg Br. 1980;62-B:238-242, com autorização [Citation ends]. Análise quantitativa da marcha pode fornecer informações sobre o alinhamento dinâmico e a amplitude de movimentos. Reservada para avaliar anormalidades da marcha em doenças neuromusculares para tomada de decisão cirúrgica.
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