Abordagem
A base do tratamento para criptorquidia é a colocação cirúrgica do(s) testículo(s) na porção dependente do escroto. Os objetivos primários da cirurgia são manter a função hormonal e de fertilidade, assim como reduzir o potencial de neoplasia maligna. Outros benefícios incluem a redução da torção testicular e do risco de trauma.[55] Há dúvidas quanto ao tempo ideal para a terapia cirúrgica, mas os dados sugerem que pode haver uma melhor preservação da espermatogênese e da produção hormonal, com diminuição do risco de câncer de testículo, quando realizada precocemente, idealmente antes dos 12 a 18 meses de idade.[1][76][77][78] Estudos randomizados mostraram maior volume testicular na ultrassonografia e maior número de células germinativas em meninos randomizados para orquiopexia aos 9 meses, em comparação com aqueles com 3 anos de idade.[63][79] As principais questões que surgem do tratamento incluem complicações relacionadas à cirurgia, mais comumente complicações com a anestesia, nova subida do testículo, infecção da ferida, hematoma, hidrocele reativa e atrofia testicular. O uso de terapia hormonal (gonadotrofina coriônica humana [hCG] ou hormônio liberador de gonadotrofina [GnRH]) como um tratamento de primeira linha para criptorquidia não é frequentemente recomendado porque as taxas em queda não excedem aquelas observadas com placebo de >10%;[61][80][81] esta ainda é uma abordagem um tanto quanto controversa.[82]
Vários estudos, realizados no mundo inteiro, têm demonstrado que a idade média da orquiopexia continua a ser superior aos 18 meses, apesar das recomendações de diversas organizações profissionais.[55][57][83][84][85][86][87] As possíveis etiologias incluem um risco subestimado de subida testicular, falta de conhecimento do profissional ou acesso deficiente ao tratamento.[88][89]
Testículo(s) retrátil(eis)
Um exame de acompanhamento anual é recomendado. Se a criptorquidia ou assimetria testicular for encontrada em um exame anual subsequente, é necessária um nova intervenção cirúrgica. Os pacientes com testículos ascendentes que não puderem mais ser baixados para a porção dependente do escroto e/ou com assimetria testicular devem realizar orquiopexia conforme definido para os pacientes com criptorquidia palpável. Se houver um testículo retrátil no contexto de criptorquidia contralateral exigindo cirurgia, pode ser razoável discutir a execução 'proativa' de procedimentos de orquiopexia bilateral devido ao risco de criptorquidia metacrônica.[90]
Pré-púbere com testículo(s) não descido(s): testículo(s) palpável(is) unilateral ou bilateral
Várias organizações profissionais recomendam a orquiopexia como tratamento de primeira escolha para testículos palpáveis que não tenham descido para a porção dependente do escroto até os 6 meses de idade.[55][57][87] A abordagem cirúrgica é determinada pela preferência do cirurgião, geralmente através de uma incisão inguinal ou escrotal, com diferença mínima no desfecho.[91][92] A reparação da hérnia inguinal para fechar o conduto peritoniovaginal patente associado é realizada na mesma cirurgia. Estudos randomizados controlados não demonstraram diferença nas taxas de sucesso ou nas complicações pós-operatórias entre pacientes randomizados para cirurgia de incisão escrotal única ou para a abordagem inguinal tradicional (2 incisões).[93][94] O tempo de cirurgia e a internação hospitalar parecem ser menores com a abordagem de incisão escrotal única. Esta é uma consideração razoável para refazer a orquiopexia também.[95]
O tratamento bem-sucedido (posição escrotal sem atrofia) depende da posição testicular, da idade do paciente e da abordagem cirúrgica, mas tem sido relatada como 92% a 95% para testículos localizados além do anel inguinal externo.[96][97]
Os efeitos adversos incluem complicações relacionadas à cirurgia, mais comumente complicações com a anestesia, nova subida do testículo, hematoma, infecção da ferida, hidrocele reativa e, raramente, atrofia testicular.
Pré-púbere com testículo(s) não descido(s): testículo não palpável unilateral
Um exame sob anestesia para localizar o testículo não palpável é indicado para esses pacientes. O desfecho desse exame determina o tratamento adicional.
Se o testículo for palpável no exame sob anestesia, o cirurgião deve proceder à orquiopexia.
Se o testículo não for palpável no exame sob anestesia, dependendo da preferência do cirurgião, uma abordagem aberta ou por laparoscopia é usada para identificar o testículo remanescente.[98] Aproximadamente 50% dos testículos não palpáveis são identificados no abdome ou na região inguinal e 50% são ausentes ou pequenos remanescentes, referidos como pequenos caroços testiculares.[99] Para assegurar que nenhum tecido testicular residual seja deixado in situ, o que coloca o paciente sob aumento do risco para malignidade testicular, os vasos gonadais e o canal deferente devem ser identificados e seguidos ao longo de seu curso. Alguns cirurgiões preferem fazer isso por meio de uma incisão escrotal ou inguinal e proceder a uma dissecção retroperitoneal se um testículo inguinal ou pequeno caroço não for encontrado, enquanto outros preferem o uso de um laparoscópio, que pode ter maior taxa de sucesso para orquiopexia em comparação com a cirurgia por via aberta para o testículo intra-abdominal.[100] Geralmente, a cirurgia laparoscópica é recomendada para todos os pacientes com testículos não palpáveis unilaterais.[58] Se um testículo ausente for identificado pela presença de vasos gonadais de terminação cega, o procedimento é encerrado. Como os vasos de terminação cega estão razoavelmente associados com elementos testiculares ausentes, não são necessárias explorações adicionais, a menos que o objetivo do cirurgião seja remover todos os caroços.[101] Se, durante a exploração, forem identificados pequenos caroços, o cirurgião geralmente os removerá para avaliação patológica. Nesta situação, a orquiopexia contralateral geralmente não é realizada, pois a fisiopatologia é mais condizente com um evento de torção extravaginal pré-natal, e o testículo viável não apresenta maior risco.[102] Se um testículo viável for identificado, o local específico do testículo, a facilidade com que pode ser baixado para o escroto e a preferência do cirurgião determinam se a orquiopexia pode ser realizada em 1 ou 2 estágios.[103] Uma metanálise de laparoscopia em comparação com a cirurgia por via aberta para testículos não palpáveis, que inclui dois ensaios clínicos randomizados e controlados e cinco estudos observacionais, não constatou nenhuma diferença significativa em termos de sucesso operatório, viabilidade testicular ou atrofia testicular.[104] Os pacientes com cirurgia laparoscópica tiveram um tempo mais curto de hospitalização.
Pré-púbere com testículo(s) não descido(s): testículos não palpáveis bilaterais
O encaminhamento imediato para avaliação endocrinológica e/ou genética com investigação bioquímica e do cariótipo para diferenças do desenvolvimento sexual (DDS) é indicado em neonatos do sexo masculino nascidos a termo com testículos bilaterais não palpáveis. Um homem de fenótipo 46 XY com testículos bilaterais não palpáveis apresenta anorquia quando os níveis de inibina e substância inibidora mülleriana (MIS) não são detectáveis, associados a níveis elevados de hormônio folículo-estimulante (FSH), o que torna desnecessário o teste de estimulação por hCG ou a exploração cirúrgica nesse subgrupo. Se testes endócrinos indicam função celular de Sertoli e Leydig, há presença de tecido testicular, e a terapia cirúrgica é indicada.[59][60] Geralmente, a cirurgia laparoscópica é recomendada para muitos pacientes com criptorquidia bilateral.[58]
Testículos ausentes de acordo com a avaliação hormonal sérica: o paciente é encaminhado para avaliação e manejo endócrino e/ou genético, inclusive possível suplementação de testosterona e futuro aconselhamento sobre fertilidade. A família também é aconselhada sobre uma futura colocação de prótese testicular, se for desejado.
Testículos presentes de acordo com a avaliação hormonal sérica: proceder à cirurgia. Se um ou ambos os testículos não palpáveis puderem ser palpados no exame sob anestesia, o paciente será submetido a orquiopexia conforme descrito para os testículos palpáveis. Se um dos testículos for encontrado na região inguinal e o outro estiver localizado na região intra-abdominal, o cirurgião poderá escolher uma abordagem por etapas, realizando a orquiopexia no lado inguinal e depois retornando para a orquiopexia no testículo intra-abdominal, ou pode realizar a orquiopexia bilateral na mesma cirurgia. Se nenhum dos testículos for palpável sob anestesia, o cirurgião pode optar por uma cirurgia por via aberta ou laparoscópica para identificação e orquiopexia concomitante (ou orquidectomia dos pequenos caroços testiculares) em um ou ambos os lados, dependendo do local exato dos testículos e da facilidade com que os testículos possam ser baixados para o escroto. Para testículos bilaterais intra-abdominais, alguns cirurgiões preferem uma abordagem por etapas, realizando a orquiopexia unilateral em uma cirurgia, permitindo a cicatrização e assegurando que não haja atrofia do testículo e, depois, realizando uma orquiopexia por etapas no testículo contralateral.
Pré-púbere com testículo(s) não descido(s): testículo(s) com criptorquidia unilateral ou bilateral com hipospádia
O encaminhamento imediato para avaliação endocrinológica e/ou genética com investigação bioquímica e do cariótipo para DDS é indicado em neonatos com hipospádia com testículo(s) palpável(is) ou não palpável(is). A avaliação endocrinológica e/ou genética com cariótipo deve ser considerada eletivamente em pacientes com hipospádia e testículo(s) com criptorquidia palpável unilateral ou bilateral. Ocasionalmente, uma mulher gravemente androgenizada com hiperplasia adrenal congênita pode apresentar uma estrutura fálica e presumidos testículos bilaterais não descidos, e pode ter distúrbios metabólicos com risco de vida. O encaminhamento para a urologia também é indicado para uma avaliação adicional e terapia para hipospádia e criptorquidia. Esses pacientes apresentaram um risco de 27% a 55% de DDS.[5]
Diagnóstico tardio em um paciente pós-púbere
Em raros casos, o diagnóstico de criptorquidia é feito em um paciente pós-puberal. O tratamento adicional dependerá dos achados dos exames e da idade do paciente:
Criptorquidia unilateral: uma cirurgia com orquiopexia, com ou sem biópsia testicular, é feita de acordo com a preferência do cirurgião, a posição testicular (escrotal alta, inguinal, intra-abdominal) e a aparência do testículo no momento da cirurgia. Se uma massa estiver presente no testículo não descido, os marcadores tumorais devem ser obtidos, com subsequente orquiectomia radical através de uma abordagem inguinal.
Criptorquidia bilateral: uma cirurgia com orquiopexia, com ou sem biópsia testicular, é feita para avaliar displasia/carcinoma in situ. A avaliação endócrina com análise de testosterona, hormônio luteinizante (LH), FSH e sêmen pode ser considerada para determinar o grau da função testicular.
O risco de malignidade aumenta significativamente no testículo com criptorquidia tratado após a puberdade.[75][105] Por essa razão, algumas pessoas defendem que se proceda diretamente à orquidectomia do testículo com criptorquidia em adultos.[106][107]
Outras demonstraram a presença de espermatogênese em uma pequena porcentagem de testículos com criptorquidia pós-puberal removidos, particularmente os localizados na região pré-púbica e assim defendem a biópsia do testículo, a orquiopexia e o acompanhamento periódico.[108]
Os pacientes com idade superior a 50 anos e/ou aqueles com comorbidades significativas podem apresentar um risco maior de óbito por complicações com a anestesia se comparado ao risco por neoplasia de células germinativas. Dessa forma, uma observação continuada é recomendada para esses pacientes.[109]
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