Abordagem
Um diagnóstico definitivo se baseia em uma combinação de suspeita clínica e descoberta de evidências. Devido à natureza extremamente variável das manifestações, não existe nenhuma estratégia de diagnóstico geral específica em todos os casos. A suspeita pode aparecer quando a história não condiz com as síndromes típicas ou é inconsistente ao longo do tempo. Outras pistas na história incluem padrões incomuns de uso de cuidados de saúde, visitas a vários centros médicos acadêmicos, relatos anteriores de suspeita de fabricação e várias recaídas inexplicáveis, apesar do tratamento adequado.
A suspeita também pode surgir devido a resultados laboratoriais que estejam fora do intervalo esperado para um determinado quadro clínico (por exemplo, espécie de bactéria incomum ou níveis elevados de insulina sérica).
Comportamentos suspeitos podem ser observados, como o paciente escondendo algo furtivamente quando uma enfermeira entra no quarto do hospital, ou a recusa do paciente a solicitações razoáveis do provedor. Um exemplo deste último seria um paciente com infecções recorrentes de feridas cirúrgicas inexplicáveis e muito graves que se recusam a remover suas unhas artificiais apesar de serem informados de seu papel potencial como fômites. Às vezes, a primeira pista pode ser a descoberta de medicamentos ou acessórios médicos em um local incomum no quarto do paciente. Isso poderia ser uma descoberta acidental. Quando a equipe médica suspeita do diagnóstico e deseja fazer uma busca formal no quarto do paciente, deve-se recorrer à assessoria jurídica.
O diagnóstico definitivo de um transtorno factício deve ser confirmado com evidências. Podem existir evidências laboratoriais que apoiem a doença forjada ou evidências de testemunhas oculares que presenciaram o paciente manipulando os achados. Quando houver suspeita, novas evidências poderão ser obtidas no prontuário médico do paciente, nos relatórios laboratoriais ou, menos provável, em uma entrevista com o paciente.
Apresentação do paciente e subtipos
Os transtornos factícios existem em uma variedade de níveis de gravidade, desde casos leves até casos graves e com risco de vida. No nível leve dessa escala, o paciente pode fabricar aspectos de uma história para parecer mais incomum ou interessante. O paciente pode ir além e produzir achados falsos ou dissimuladores em um exame clínico (por exemplo, colocando uma gota de sangue em uma amostra de urina para simular hematúria). Ainda mais grave, o paciente pode induzir o exame físico real ou os achados laboratoriais, por exemplo, usando colírios anticolinérgicos para simular uma paralisia do terceiro nervo craniano ou tomando insulina com a intenção de produzir hipoglicemia. A doença factícia é mais grave quando o paciente induz a doença real (por exemplo, contaminando intencionalmente uma ferida com saliva para induzir infecção ou injetando fezes na corrente sanguínea para induzir febre ou sepse).
Os relatos de caso demonstram a abrangência dos sintomas, incluindo:
Convulsão hipoglicêmica em uma mulher não diabética induzida pela autoadministração de insulina[11]
Síndrome de Usher forjada (um transtorno genético de surdez e cegueira)[12]
Infecção crônica autoinduzida de um local com ferida em um doador de fígado vivo[13]
Distrofia simpático-reflexa forjada, também conhecida como síndrome da dor regional complexa (com uso de torniquetes para induzir linfedema)[14]
Obstrução intestinal forjada (usando xarope de ipeca)[15]
Diarreia autoinduzida (usando laxantes)[16]
Proteinúria simulada (injetando ovo na bexiga).[17]
Embora não sejam mais subtipos formalmente diagnosticados, os transtornos factícios podem incluir aqueles com sinais e sintomas predominantemente psicológicos, predominantemente físicos ou mistos. No subtipo com sinais e sintomas predominantemente psicológicos, os pacientes:
Forjam queixas de um transtorno mental percebido, estejam elas ou não em conformidade com as síndromes clínicas típicas
Podem se queixar de sintomas comuns (por exemplo, depressão ou pensamentos suicidas) ou queixas mais incomuns (por exemplo, amnésia ou outros sintomas dissociativos)
Podem exagerar os sintomas quando sabem que estão sendo observados, principalmente no hospital ou na clínica psiquiátrica.[18]
Transtorno factício com sinais e sintomas predominantemente físicos:
Isso ocorre normalmente com todos os subtipos.
Os pacientes criam sinais ou sintomas de um quadro clínico geral aparente.
A síndrome de Munchausen é um subtipo dessa categoria.
A síndrome de Munchausen é uma forma extrema do transtorno factício. As pessoas com a síndrome de Munchausen podem apresentar histórias dramáticas de viagens e de doenças agudas, normalmente chamando muita atenção da equipe do hospital. Com o desenrolar da história, normalmente descobre-se que o paciente já esteve em muitos hospitais diferentes com pseudônimos e com diversas queixas, normalmente não aceitando as recomendações médicas quando fica claro que os sintomas são forjados. O paciente pode ter várias cicatrizes de laparotomias desnecessárias, talvez até mesmo induzindo a complicações não intencionais, como obstruções intestinais.
O transtorno factício com sinais e sintomas psicológicos e físicos combinados se manifesta com uma mistura de queixas físicas e psiquiátricas.[19]
O transtorno factício imposto a outra pessoa (anteriormente, transtorno factício por procuração) descreve o quadro clínico no qual o paciente forja ou induz sinais ou sintomas de doença em outra pessoa que está sob os cuidados do paciente, quando não existem incentivos externos primários.[1] Embora geralmente sejam casos de abuso infantil, adultos incapazes também podem ser abusados.[20] Os relatos de caso incluem:
Insulinemia factícia que leva à pancreatectomia quando a mãe injeta várias vezes insulina no bebê[21]
Convulsões induzidas em um bebê devido à amitriptilina administrada pela mãe[22]
Apneia pediátrica causada pela mãe que sufoca o bebê.[23]
Os fatores de risco conhecidos que estão associados ao transtorno factício devem ser especificamente procurados durante a análise da história do paciente. As evidências para confirmar uma suspeita de transtorno factício devem ser procuradas por análise de prontuário médico, consulta, observação do paciente, nova entrevista clínica e achados laboratoriais.
Prontuários médicos
Se o paciente esteve à procura de cuidados para doenças forjadas em vários hospitais ou clínicas, a coleta dos prontuários dessas diversas manifestações pode apoiar o diagnóstico de transtorno factício. Os profissionais da saúde devem procurar prontuários médicos em outros locais onde o paciente esteve para verificar se existe um padrão da doença não explicada. Devido ao papel central da dissimulação no transtorno factício, os pacientes talvez relutem em assinar formulários de liberação de informações. Os prontuários médicos eletrônicos integrados em alguns sistemas de saúde maiores, por exemplo, na Veterans Health Administration dos EUA, podem facilitar o estabelecimento de um padrão de doença inexplicável, mais do que em sistemas que usam registros em papel ou sistemas eletrônicos que não se comunicam com os de outros hospitais ou escritórios.
Consultoria
Quando a suspeita clínica de transtorno factício é alta, é recomendado procurar várias fontes de consulta. Os especialistas em psiquiatria podem estar mais familiarizados com a avaliação da doença factícia e com os diagnósticos diferenciais que podem ter manifestação semelhante, como transtornos somatoformes e simulações, e podem ajudar a orientar a avaliação. Juntas médicas e legais podem orientar os médicos a determinarem quando talvez seja apropriado obter os prontuários contra a vontade do paciente, ou fazer uma busca no quarto do paciente para estabelecer um diagnóstico. Isso talvez seja necessário quando o paciente não quer mais seguir os conselhos médicos, ou caso o profissional da saúde não queira mais prestar serviços quando não há uma doença real para ser tratada.
Entrevista clínica e achados laboratoriais
Como são motivados para enganar a equipe médica, os pacientes provavelmente não admitirão terem se envolvido na simulação dos sintomas ou na indução da doença. Para manifestações específicas nas quais o paciente esteja forjando os sinais ou autoinduzindo a doença real, os achados irregulares nos testes diagnósticos podem ser a evidência mais sólida que o médico tenha de que a doença é forjada. Os resultados que podem ser usados como evidência para o diagnóstico do transtorno factício incluem o seguinte:[24]
As culturas (por exemplo, hemoculturas ou swabs de ferida) podem ser polimicrobianas ou demonstrar organismos atípicos quando os pacientes injetam saliva ou fezes para causar infecções no sangue ou nas feridas.
O peptídeo C será baixo nos casos de hipoglicemia autoinduzida em decorrência de uma injeção de insulina exógena. Historicamente, os anticorpos da insulina eram úteis quando a hipoglicemia era induzida por insulina suína ou bovina. Atualmente, eles se tornaram menos úteis porque a insulina humana passou a ser mais usada. Também existem casos de anticorpos que ocorrem espontaneamente, o que complica a interpretação dos resultados.
A sulfonilureia (por exemplo, gliburida) pode estar presente na urina quando o paciente ingere agentes hipoglicêmicos orais para induzir a hipoglicemia. É necessário realizar um ensaio apropriado. A hipoglicemia induzida por meglitinida (repaglinida) factícia tem sido relatada, em associação com uma hipoglicemia induzida por sulfonilureias.
O potássio urinário talvez esteja elevado caso o paciente ingira diuréticos para induzir anormalidades eletrolíticas.
A proteína poderá ser extremamente variável na urina se o paciente adicionar alguma proteína exógena, como clara de ovo à urina para simular uma proteinúria.
A tireoglobulina sérica estará baixa quando o paciente estiver ingerindo hormônio tireoidiano para simular um hipertireoidismo.
Em geral, quando há uma forte suspeita de doença factícia, deve-se evitar a realização de testes diagnósticos invasivos e caros, a menos que sejam absolutamente necessários para estabelecer o diagnóstico ou para a segurança do paciente. Nenhum teste diagnóstico é amplamente indicado para confirmar ou descartar a doença factícia, somente exames para manifestações específicas.
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