Abordagem

A ênfase no plano de tratamento deve estar na redução da frequência, duração e intensidade da cefaleia e da incapacidade associada, e o tratamento deve ser adaptado a cada criança.[23] Há poucos dados controlados para dar suporte ao uso da maioria dos medicamentos atualmente aprovados para o tratamento da enxaqueca pediátrica. Isso tem gerado uma tendência a extrapolar os dados de testes com adultos ou a usar experiências anedóticas pessoais para considerar o uso de qualquer medicamento. As expectativas de sucesso do tratamento devem levar em conta o nível em que os fatores psicológicos estão contribuindo para os sintomas. Embora as evidências que dão suporte à relevância disso sejam conflitantes, existe uma corrente de opinião que defende, muito razoavelmente, que os fatores psicológicos desempenham um papel significativo em influenciar a percepção sintomatológica e o sucesso ou a falha do tratamento prescrito.[24] As evidências para dar suporte a isso incluem o significativo efeito do placebo, observado em muitos dos dados publicados sobre intervenções farmacológicas específicas.[25] Nem todos os tratamentos funcionam para todos os pacientes, e alguns deles nem sequer responderão àqueles medicamentos para os quais existe a evidência mais clara disponível a partir de ensaios controlados que dão suporte a seu uso.

Manejo de episódios agudos

A autoadministração de analgésicos simples, como o paracetamol e o ibuprofeno, em doses adequadas, é uma primeira abordagem razoável para o tratamento dos paroxismos agudos.[26][27][28] [ Cochrane Clinical Answers logo ] Não há evidências de benefícios advindos de estudos de pesquisas bem desenhadas, já que, nos ensaios publicados até agora, prevalecem altas taxas de supressão (17%) e falha em relatar os resultados antes de seu cruzamento. Isso pode ter introduzido um viés que se deve aos efeitos da continuação do tratamento após o cruzamento e se deve também a supressões desiguais entre os grupos. Há poucas evidências de que o paracetamol seja mais eficaz que o ibuprofeno, e ambos podem induzir a cefaleia por uso excessivo de analgésicos se utilizados frequentemente. Os efeitos adversos com paracetamol são raros, embora uma superdosagem possa causar danos ao fígado; ocasionalmente, o ibuprofeno pode resultar em distúrbio gastrointestinal e reações de hipersensibilidade em uma minoria.

Se analgésicos simples forem ineficazes, a codeína é o possível próximo passo (e o último recurso) a ser tomado por alguns médicos, embora seja contraindicada em crianças com idade inferior a 12 anos e não recomendada em adolescentes com idade entre 12 e 18 anos que são obesos ou têm afecções como apneia obstrutiva do sono ou doença pulmonar grave, pois ela pode aumentar o risco de problemas respiratórios.[29] Ela geralmente é recomendada somente para o tratamento de dor aguda moderada que não obtém resposta com outros analgésicos, em crianças com 12 anos de idade ou mais.[30][31] Faltam evidências fortes quanto ao benefício, e o risco de efeitos adversos é alto. Sedação e constipação são efeitos adversos relativamente comuns, e ocorre depressão respiratória na superdosagem. Deve ser usada na mínima dose eficaz no menor período de tempo e o tratamento deve ser limitado a 3 dias.[30][31]

Em crianças com paroxismos que incluem vômitos, um antiemético como a ciclizina, proclorperazina, prometazina ou ondansetrona pode ajudar a aliviar esses sintomas e melhorar a eficácia das outras terapias orais. Nos ataques, recomenda-se a administração desses agentes o quanto antes.

Para crianças com sintomas refratários, pode-se considerar um agonista 5-hidroxitriptamina 1, como a sumatriptana intranasal. [ Cochrane Clinical Answers logo ] Os ensaios publicados até agora (embora em pequeno número de pacientes) parecem endossar o uso da sumatriptana intranasal, e ela tem licença de uso no Reino Unido em crianças com 12 anos de idade ou mais.[27] Deve ser usada o mais rapidamente possível em um ataque. Efeitos adversos (transtornos do paladar e do olfato) foram reportados em cerca de 20% dos usuários. Poucos dados dão suporte ao uso da sumatriptana oral, mas ela tem licença para ser utilizada no Reino Unido em crianças com 6 anos de idade ou mais e pode ser usada off-label em outras áreas.[13][32][33][34]

Além da sumatriptana, a base de evidências está se expandindo lentamente para dar suporte ao uso de outros medicamentos da mesma classe.[28] Descobriu-se em um estudo que a zolmitriptana intranasal é superior ao placebo para proporcionar algum alívio dos sintomas da enxaqueca em adolescentes, e ela foi bem tolerada. Os efeitos colaterais mais comuns foram distúrbio do paladar, desconforto nasal e congestão nasal, afetando aproximadamente 20% dos pacientes.[35] A rizatriptana oral tem licença para uso nos EUA (em crianças de 6 anos de idade ou mais), mas não no Reino Unido, embora ainda não haja evidências que endossem seu uso de modo inequívoco na população pediátrica.[36][37][38] A almotriptana oral tem licença para ser utilizada em adolescentes (12 anos de idade ou mais) nos EUA, mas não está disponível em alguns outros países. As evidências do benefício clínico vêm de um ensaio duplo-cego controlado com placebo e com grupo paralelo de pacientes com idades entre 12 e 17 anos.[39] Os outros únicos dados pediátricos publicados estão limitados a dois pequenos estudos abertos.[40][41] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Para os ataques agudos, existem algumas evidências de ensaios que dão suporte ao uso de uma terapia combinada que inclui um triptano e um anti-inflamatório não esteroidal.[42][28]

Manejo de episódios recorrentes

Quando a frequência e a intensidade dos ataques de enxaqueca interferem na vida escolar e social, pode-se indicar um tratamento medicamentoso preventivo, sobretudo se os analgésicos simples de venda livre são ineficazes na interrupção dos ataques.[43] O fornecimento de orientações sobre estilo de vida e fatores comportamentais que afetam a frequência da cefaleia, bem como a avaliação e o tratamento das comorbidades que possam estar associadas à persistência da cefaleia também devem fazer parte do tratamento.[44]

Caso haja necessidade de terapia medicamentosa profilática, recomenda-se evitar a polimedicação. O uso de cada agente deve ser revisado após uma tentativa inicial de profilaxia de cerca de 3 meses. Caso não haja melhora nos sintomas, o agente selecionado deve ser descontinuado e deve-se considerar uma alternativa. É melhor evitar o uso da profilaxia de longo prazo em crianças, se conveniente. Os agentes com aparentes benefícios para determinadas crianças devem ser interrompidos periodicamente (ao menos uma vez por ano), e os sintomas devem ser revisados para avaliar se a profilaxia ainda é necessária.

As evidências que apoiam o uso dos agentes profiláticos são escassas. A maioria dos ensaios clínicos randomizados e controlados que estudam medicamentos preventivos para enxaqueca em crianças e adolescentes não demonstrou superioridade ao placebo; assim, ainda não está claro qual agente oferece a melhor perspectiva de resposta terapêutica.[44] Os agentes que podem ser considerados incluem o propranolol, o pizotifeno e o topiramato. As evidências dos benefícios do propranolol nos estudos publicados são conflitantes.[44] Ele não deve ser usado em crianças com asma. Os atletas (que precisam da adrenalina para desempenhar) podem relutar em usá-lo. Há poucas evidências disponíveis para apoiar o uso rotineiro do pizotifeno. Alguns estudos constataram que o topiramato é benéfico; no entanto, os resultados variam de acordo com a medida de desfecho analisada.[45][44] O topiramato está aprovado nos EUA para a prevenção de cefaleia enxaquecosa em adolescentes entre 12 e 17 anos.

A persistência dos ataques debilitantes pode justificar o uso de outros agentes: a amitriptilina, o ácido valproico, a carbamazepina e a gabapentina são alternativas, embora seja necessário que a iniciação em cada um deles seja feita por um especialista e que haja um monitoramento cuidadoso dos efeitos adversos. A amitriptilina é preferível à terapia anticonvulsivante e, em casos altamente resistentes, o verapamil e a indometacina também devem ser considerados.[2] Em 2018, a European Medicines Agency concluiu uma revisão do valproato e seus análogos, recomendando que tais medicamentos sejam contraindicados para profilaxia de enxaqueca durante a gravidez, em razão do risco de malformações congênitas e problemas de desenvolvimento no lactente/criança.[46] Nos EUA, o valproato e seus análogos são contraindicados para profilaxia de enxaqueca em gestantes. Tanto na Europa quanto nos EUA, o valproato e seus análogos não devem ser usados em pacientes do sexo feminino em idade fértil, a menos que exista um programa de prevenção da gravidez e certas condições sejam atendidas.[46]

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