Abordagem

O primeiro desafio na avaliação de um paciente com espasmos, dores musculares ou ambos é para determinar se o paciente está tendo cãibras verdadeiras ou algum outro sintoma.[16] O segundo desafio é determinar, se possível, a etiologia da cãibra.[16] Uma história médica e exame físico direcionados podem diminuir as possibilidades de etiologias potenciais. As investigações laboratoriais podem então ser usadas para confirmar ou refutar as etiologias suspeitadas clinicamente. Os estudos diagnósticos sofisticados (por exemplo, eletromiografia [EMG], biópsia muscular, enzimas musculares, estudos genéticos) são geralmente requeridos por especialistas apenas quando os sintomas são particularmente difíceis de diagnosticar.

História

A descrição da cãibra do paciente ajuda a distinguir as cãibras verdadeiras da mialgia (dor muscular generalizada ou focal sem contrações), mioquimia e miopatia (contratura não associada à atividade elétrica à EMG). O padrão do sintoma ajuda a distinguir a cãibra idiopática (usual) da cãibra associada a uma doença orgânica subjacente.

A história clínica deve considerar:

  • Duração (determina se é aguda ou crônica)

  • Quais músculos estão comprometidos: de fundamental importância, pois o comprometimento muscular que não seja o gastrocnêmio (com ou sem o envolvimento do pé) é mais provável em razão de uma causa orgânica

  • Quando e em qual contexto as cãibras ocorrem (por exemplo, à noite, durante a diálise, o exercício, a nutrição parenteral domiciliar)[3][77]

  • Fatores precipitantes ou agravantes específicos (por exemplo, exercício, hipoglicemia em pessoas com diabetes)

  • Todos os tratamentos usados: podem identificar autotratamentos potencialmente perigosos, tais como água tônica (que contém quinina).

Cãibras idiopáticas:

  • Geralmente comprometem músculos isolados ou parte de um músculo, particularmente o gastrocnêmio (com ou sem envolvimento do pé)[3]​​[13][16]

  • Após um início explosivo, irão durar de segundos a minutos​[1][9][10][13][16]

  • Podem ser desencadeadas por movimentos triviais e contrações fortes (particularmente em um músculo já encurtado)[16]

  • Apresentam frequentes nódulos visíveis ou palpáveis e postura anormal da articulação afetada[1]

  • Frequentemente iniciam à noite[3]

  • Respondem bem ao alongamento passivo/ativo[3]

  • Podem resultar em sensibilidade persistente (particularmente em crianças) e inchaço.[13]​​[15][16]​​

Cãibras orgânicas:

  • As cãibras musculares locais que não sejam no gastrocnêmio ou pé são frequentemente observadas no contexto da doença neuromuscular[1]

  • As dores disseminadas, principalmente quando associadas à fraqueza muscular, sugerem doença do neurônio motor inferior

  • As cãibras associadas com miopatias geralmente duram mais que as cãibras verdadeiras e não são solucionadas pelo alongamento muscular.

A história deve buscar fatores de risco específicos para as cãibras. Eles incluem o exercício extenuante, gestação, cirrose, hemodiálise, episódios de hipoglicemia em pessoas com diabetes mellitus e a presença de outras afecções clínicas crônicas (por exemplo, doença tireoidiana, doença vascular periférica, doença cardiovascular, hipocalemia, doença neurológica ou deficit, artrite e gastrite).

É importante levantar a história medicamentosa completa porque determinados medicamentos podem estar associados a cãibras (por exemplo, imatinibe, estatinas e betabloqueadores com atividade simpatomimética intrínseca, entre outros). Consulte Fatores de risco.

O consumo de bebidas alcoólicas está associado a cãibras noturnas nas pernas em pessoas com 60 anos ou mais.[72]

As cãibras musculares associadas ao exercício (CMAEs) são geralmente encontradas em indivíduos em treinamento ou em competição. As cãibras ocorrem apenas em músculos com fadiga e exercitados.

Em pacientes com diabetes mellitus, as cãibras são observadas com mais frequência durante períodos de hipoglicemia (especialmente de 3 a 5 horas após ir para a cama e algumas horas após as refeições).[74] O grau de controle glicêmico pode ser avaliado fazendo uma análise diária de glicemia. O tempo de duração das cãibras é analisado em relação a todos os fatores de risco para hipoglicemia (tempo de refeição, excesso de atividade sem mudanças alimentares compensatórias, consumo de álcool, a abstinência prolongada de alimentos).

As cãibras em pacientes submetidos a terapia renal substitutiva com hemodiálise ocorrem mais frequentemente durante as sessões de diálise, em especial quando as taxas de ultrafiltração são elevadas a fim de se remover o excesso de líquido.​[18][19][78][79]

Em pacientes com doença tireoidiana, sintomas de hiper ou hipotireoidismo podem estar presentes.

A história familiar de doenças é importante, pois muitas das síndromes de contração musculares mais raras são de natureza familiar.

Exame físico

Um exame físico geral, visando principalmente os sistemas neurológicos e músculo-esqueléticos, é realizado para descartar afecções associadas ou diferenciais.

Anormalidades neurológicas (por exemplo, perda sensorial, hiper-reflexia e espasticidade) e sinais músculo-esqueléticos (por exemplo, fraqueza, perda de massa muscular e fasciculações contínuas) apontam para etiologias orgânicas das cãibras. As fasciculações são um achado comum antes e/ou depois de uma cãibra verdadeira, mas fasciculações proeminentes ou contínuas não são comumente encontradas em associação com a cãibra verdadeira.[1]

As doenças dos neurônios motores inferiores estão associadas a cãibras e são caracterizadas por fraqueza muscular, atrofia muscular, hiporreflexia e hipotonia ou flacidez muscular.[80] Elas incluem doenças como poliomielite, neuropatia motora multifocal, amiotrofia focal benigna, atrofia muscular espinhal, doença de Kennedy (atrofia muscular bulbar e espinhal ligada ao cromossomo X), atrofia muscular progressiva e esclerose lateral amiotrófica.

Em pacientes com CMAE, a diurese e temperatura corporal normais são a regra.

Se as cãibras são intensas e o paciente tem alteração do nível de consciência, é anúrico, tem cãibras não relacionadas ao exercício (cãibras generalizadas), apresenta hiperpirexia ou hipotermia, podem estar presentes uma ou mais doenças sistêmicas (por exemplo, depleção de volume, desequilíbrio eletrolítico grave, insuficiência renal aguda ou desordem intracraniana) e a internação imediata no hospital é necessária.[42]

Avaliação laboratorial

Nenhum teste é solicitado inicialmente se há forte suspeita de cãibras idiopáticas.

A avaliação laboratorial é mais útil para verificar causa orgânicas suspeitas das cãibras. Os testes iniciais realizados em pessoas as quais têm características na história e no exame físico sugestivos de uma causa orgânica ou afecção associada incluem o seguinte:

  • Gonadotrofina coriônica humana (hCG) sérica ou urinária para verificar eventual gestação.

  • Creatinina sérica para verificar alguma insuficiência renal.

  • Painel eletrolítico sérico, incluindo magnésio e cálcio, para verificar o tipo e a gravidade dos distúrbios eletrolíticos.

  • O fosfato sérico é medido em pacientes mantidos em terapia renal substitutiva.

  • Creatina quinase (CK) sérica em indivíduos que fazem uso de estatinas.

  • A hemoglobina glicada (HbA1c) pode ser obtida em pacientes com diabetes conhecida. Um valor menor que o esperado em relação ao grau de controle observado via glicemia capilar pode sugerir, mas não confirmar, a hipoglicemia.

  • Hormônio estimulante da tireoide para verificar eventual hipo ou hipertireoidismo. Testes adicionais da função tireoidiana podem ser necessários.

  • Painel da função hepática (bilirrubina, aspartato aminotransferase, alanina aminotransferase, fosfatase alcalina, lactato desidrogenase [LDH]) para avaliar qualquer insuficiência hepática.

  • Estudos de coagulação (tempo de protrombina e razão normalizada internacional [INR]) também podem ser realizados se houver suspeita de doença hepática grave.

Investigações adicionais

Testes adicionais realizados por um especialista podem incluir o seguinte:

  • EMG: realizada apenas nos casos difíceis de diagnosticar ou se houver suspeita de doença do neurônio motor inferior.

  • CK-MM sérica: realizada somente se a história ou o exame físico sugerirem uma doença muscular primária potencial ou o paciente fizer uso de uma estatina. A aldolase sérica também é medida se houver suspeita de doença muscular primária. Níveis altos nas CMAEs intensas. Nas cãibras idiopáticas simples, devem estar dentro dos limites normais.

  • Alfatocoferol (vitamina E) e zinco séricos: na cirrose, valores baixos podem sugerir intervenções terapêuticas potenciais.

  • Biópsias musculares: realizadas apenas se há suspeita de doença muscular primária ou doença do neurônio motor inferior.

  • Estudos de condução nervosa podem ser realizados se houver suspeita de doença do neurônio motor inferior.

  • Os estudos genéticos geralmente são solicitados apenas quando os sintomas de um paciente são particularmente difíceis de diagnosticar ou se houver suspeita de síndrome de cãibra familiar (por exemplo, distrofia muscular, miotonia congênita, doença de depósito de glicogênio, síndrome de atividade contínua da fibra muscular, síndrome de Satoyoshi, síndrome de Schwartz-Jampel ou doença de Brody).

Considerações em crianças

Quanto mais jovem a criança, maior a probabilidade de que uma causa orgânica seja encontrada.[81] Em um estudo, as cãibras noturnas nas pernas foram relatadas em cerca de 7% de crianças saudáveis, começando apenas depois dos 8 anos de idade e atingindo a intensidade máxima na prevalência aos 16 a 18 anos de idade.[15]

Cãibras com duração maior que 10 minutos sugerem uma causa orgânica.

As cãibras idiopáticas são sempre unilaterais, enquanto causas orgânicas produzem sintomas unilaterais ou bilaterais.[74][82]

O crescimento inadequado, como determinado por medições do marco de desenvolvimento padrão, sugere a presença de doença crônica, a qual pode ou não ser causal.

Tal como acontece com os adultos, uma revisão da história médica e um exame físico direcionado para os sinais e sintomas das doenças orgânicas mais frequentemente associadas a dores permite descartar ou considerar a possibilidade de cãibras idiopáticas com razoável certeza. É particularmente importante considerar o seguinte:

  • Gestação em adolescentes.

  • Doença do sistema nervoso, especialmente a distrofia muscular.

  • Mioglobinúria, apresentando-se com dor muscular proeminente. A urina pode ser rosa ou vermelha, e o soro pode ser verificado quanto à mioglobina. Esse teste é considerado somente quando uma doença muscular primária estiver sendo considerada.

  • Exercício extenuante em atletas crianças. As cãibras devem ocorrem apenas durante o exercício pesado.

  • Dores de crescimento não estão associadas ao endurecimento palpável/visível do músculo geralmente observado nas cãibras.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal