Abordagem

Como não existe nenhum tratamento curativo, o tratamento visa evitar complicações cardíacas, oftalmológicas e musculoesqueléticas e varia de acordo com cada sintoma.[3][38]

Dilatação da aorta

Dilatação, dissecção e ruptura da aorta ocorrem em pessoas com síndrome de Marfan. Todos os pacientes com diagnóstico de síndrome de Marfan devem ser acompanhados por um cardiologista com experiência nessa área.[3] Dissecção e ruptura da aorta são consideradas complicações da síndrome, enquanto a dilatação da aorta é considerada parte da síndrome.

Betabloqueadores são um tratamento estabelecido para síndrome de Marfan, pois reduzem a frequência cardíaca e a contratilidade do miocárdio e retardam o crescimento da raiz da aorta, reduzindo o risco de complicações como dissecção e ruptura da aorta.[19][39][40]​​​[41]​​​

Mais recentemente, constatou-se que os antagonistas do receptor de angiotensina II são eficazes na síndrome de Marfan.[19] Aproximadamente 20% das crianças com síndrome de Marfan têm asma e, nesses casos, os betabloqueadores são relativamente contraindicados devido ao risco de broncoespasmo. É provável que o uso de betabloqueadores cardiosseletivos reduza esse risco.[42]​ Em seu lugar, um antagonista do receptor de angiotensina II pode ser usado nesses pacientes.[43]

A American Academy of Pediatrics recomenda o tratamento com um betabloqueador ou antagonista do receptor de angiotensina II em pacientes com síndrome de Marfan e dilatação da raiz da aorta, podendo considerar o tratamento combinado quando houver dilatação da raiz da aorta grave e/ou progressiva.[3] A American Heart Association/American College of Cardiology (AHA/ACC) também recomenda uma dessas opções de tratamento e sugere que a terapia combinada é razoável para reduzir a taxa de dilatação da aorta, mencionando uma metanálise que confirmou taxas mais lentas de crescimento da aorta com a terapia combinada.[19][44]​​​​

A cirurgia eletiva é recomendada assim que o diâmetro da aorta medir de 4.5 a 5.0 cm (mais precocemente em pacientes sintomáticos com dor torácica).[19][45][46][47]​ ​​​A medição da proporção entre a raiz da aorta e a altura do corpo é levada em consideração em crianças e, se essa proporção for >10, a cirurgia eletiva será provável, mas a decisão sobre exatamente quando operar poderá variar entre os cirurgiões, e a cirurgia deve ser realizada por cirurgiões experientes, como parte de uma equipe multidisciplinar aórtica.[19] A cirurgia é indicada mais precocemente (com diâmetro da aorta >4.2 cm) em mulheres em idade fértil. Em mulheres grávidas, existe um risco significativo de dissecção quando a raiz aórtica tem ≥4.2 cm.[48]

Em pacientes com diâmetro da aorta próximo do limiar cirúrgico, que são candidatos para a substituição da raiz com preservação da valva e têm risco cirúrgico muito baixo, a AHA e o ACC recomendam que a cirurgia para substituir a raiz da aorta e aorta ascendente pode ser razoável, se realizada por uma equipe experiente.[19] A reimplantação de David modificada com substituição da raiz aórtica e preservação da valva aórtica tem uma chance de 91% a 97% de não exigir uma nova operação em 10 anos se realizada em um centro com vasta experiência e taxa de mortalidade pós-operatória após procedimento eletivo <1%.[49][50]​​​ Uma opção de segunda linha é a substituição da raiz aórtica por um enxerto Dacron e uma valva mecânica, mas atualmente isso só é indicado fora dos centros que realizam a reimplantação da valva aórtica de David modificada. Finalmente, tem sido constatado que a operação de remodelagem da raiz tem resultados piores que a operação de reimplantação de David.

Após a cirurgia para dilatação grave da aorta, terapia vitalícia com betabloqueadores (ou um antagonista do receptor de angiotensina II se os betabloqueadores forem contraindicados ou não tolerados) será indicada. Os pacientes com valvas mecânicas precisarão de terapia com varfarina pela vida toda, e os pacientes que tiverem material protético, seja valva ou enxerto, precisarão de profilaxia com antibióticos para procedimentos odontológicos e quaisquer procedimentos invasivos futuros.[51][52]

O National Institute for Health and Care Excellence do Reino Unido atualizou suas orientações em 2015, e alterou suas recomendações, deixando de ser contra e passando a apoiar o uso de profilaxia com antibióticos em indivíduos submetidos a procedimentos odontológicos e procedimentos que envolvem o trato gastrointestinal superior e inferior, o trato geniturinário e o trato respiratório.[53] Isso foi uma resposta ao aumento da incidência de endocardite infecciosa na Inglaterra, entre 2000 e 2013.[54]

Achados musculoesqueléticos e ectasia dural

Muitas vezes, as preocupações musculoesqueléticas são a característica de apresentação de pacientes com síndrome de Marfan.[3] Escoliose e cifoescoliose são frequentemente observadas em adolescentes em fase de crescimento. Curvas de 20 a 40 graus requerem órteses ortopédicas e, para curvas maiores, a correção cirúrgica com hastes de Harrington e artrodese é necessária. Hastes telescópicas estão se tornando cada vez mais populares para crianças pequenas.[55] A espondilolistese <30 graus também é tratada com órteses, enquanto um deslocamento maior exige realinhamento cirúrgico.

Péctus excavatum e carinatum geralmente são corrigidos de forma cirúrgica somente quando há comprometimento cardiopulmonar. A cirurgia não é indicada para fins cosméticos em virtude dos potenciais riscos, a não ser que ocorram problemas psicológicos graves com relação à imagem corporal. O trabalho experimental com imobilização por pressão para pectus carinatum e sucção para pectus excavatum é promissor.[56]

A dor artrítica é controlada clinicamente, mas artrite avançada em adultos decorrente de acetábulo protruso pode exigir artroplastia de quadril. Analgésicos leves e palmilhas e calçados ortopédicos podem ser recomendados nos casos de pé plano doloroso, com cirurgia dos pés sendo necessária apenas raramente.

A fisioterapia e/ou terapia ocupacional podem ajudar a tratar questões de frouxidão da articulação.[3]​ Ectasia dural costuma ser uma condição assintomática e raramente precisa de tratamento, como analgésicos para lombalgia ou neurocirurgia caso ocorram sintomas neurológicos (por exemplo, cefaleia ortostática, dor ou dormência nas pernas).

Achados oftalmológicos

A característica ocular mais comum é a miopia, normalmente atribuída ao alongamento do globo ocular. Normalmente, ela evolui com rapidez durante a infância.[3][23]​​​​ Os erros refrativos são corrigidos com óculos de grau/lentes de contato ou podem requerer cirurgia. As crianças pequenas têm risco de ambliopia e requerem refração e monitoramento rigoroso.[3][57]​​​ A ectopia lentis (subluxação do cristalino) é tratada com óculos de grau/lentes de contato ou com cirurgia. As cataratas são tratadas com remoção cirúrgica do cristalino e lentes de contato, se toleradas pelo paciente, ou implantação de lente intraocular na câmara anterior ou posterior.[58] O glaucoma requer medicamento ou cirurgia, ou uma combinação de ambos. Consulte Glaucoma de ângulo aberto eGlaucoma de ângulo fechado.

Rupturas retinianas ou descolamento de retina requerem atenção imediata. Fotocoagulação com laser de argônio ou criocoagulação transconjuntival é necessária para rupturas retinianas, enquanto o reparo cirúrgico é necessário nos casos de descolamento de retina. O descolamento de retina unilateral pode passar despercebido pelos pacientes, devido à manutenção da visão no olho não afetado, então as avaliações de rotina da visão de cada olho de maneira isolada são recomendadas.[3] Os indivíduos afetados devem ser monitorados pelo menos anualmente por um oftalmologista familiarizado com a síndrome de Marfan, com exames de lâmpada de fenda, para subluxação do cristalino e formação de catarata, glaucoma e exame de fundo de olho para descolamento ou ruptura da retina.[3]

Gestação

A gravidez está associada ao aumento no tamanho da raiz aórtica.[59][60]​​​ As taxas registradas de dissecção da aorta durante a gestação variam de 1.9% a 4.4%.[60][61]​​ O tamanho da aorta é um importante fator determinante de risco, e as diretrizes recomendam que mulheres com diâmetro da raiz aórtica >45 mm evitem a gravidez.[45][62]

Os antagonistas do receptor de angiotensina II devem ser suspensos devido ao risco de danos ao feto.[3] Há risco de restrição do crescimento fetal com betabloqueadores na gestação; no entanto, geralmente pode haver a continuação do tratamento com eles, com monitoramento rigoroso do crescimento fetal.[3][63]​​

Mulheres com dimensões da aorta acima de 4.0 cm apresentam risco de complicações aórticas durante a gestação e no período pós-parto. Portanto, a gravidez deve ser protelada, se possível, até que o tratamento definitivo da aorta tenha sido concluído. Deve-se realizar uma cirurgia eletiva para substituir a raiz aórtica dilatada antes da gravidez planejada em mulheres com síndrome de Marfan quando o diâmetro da raiz aórtica for de 4.2 cm ou mais, para evitar o aumento do risco de dissecção devido à influência de hormônios durante a gestação. A paciente deve ser orientada a aguardar um ano após a cirurgia para engravidar.[64][65]

Aquelas cuja aorta é maior que 4.5 cm, ou aquelas que já tiveram dissecção ou ruptura da aorta, apresentam risco substancialmente mais alto.[3][66]​​ Se já estiver grávida, os médicos devem considerar a substituição imediata da aorta, o parto antecipado ou a interrupção da gestação, devido às consequências potencialmente graves.[3][67][68]

A taxa de aborto espontâneo foi relatada como acima do esperado em mulheres com síndrome de Marfan, embora a etiologia seja desconhecida.[3][69]​ Além disso, mulheres com síndrome de Marfan apresentam taxas mais altas de parto pré-termo, ruptura prematura de membranas e aumento da mortalidade dos filhos.[3][69][70]

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