Abordagem

A avaliação da infertilidade se concentra na identificação de fisiopatologias específicas. As etiologias femininas relatadas por mulheres submetidas a procedimentos de tecnologia de reprodução assistida (TRA) incluem fator tubário (10.4%), disfunção ovulatória (14.3%), reserva ovariana diminuída (26.9%), endometriose (6.5%) e fatores uterinos (5.8%). Etiologias masculinas são relatadas em 27.8% dos ciclos de TAR.[10] A avaliação do parceiro é necessária, com pelo menos uma análise do sêmen, enquanto se avalia a mulher.

História

Uma completa história clínica e social pode revelar muitos fatores de risco para a infertilidade e pode fornecer o foco para o restante da investigação diagnóstica. Os indicadores da infertilidade feminina incluem: idade >35 anos; menstruação irregular ou ausente; história de infecção sexualmente transmissível ou outro processo pélvico inflamatório, incluindo uma cirurgia prévia (associada à disfunção tubária); dor pélvica, incluindo a dispareunia (associada à endometriose ou adenomiose); nível de gordura corporal muito alto ou baixo (ligado a distúrbios ovulatórios); ou tabagismo (que pode acelerar a menopausa). A exposição ocupacional ou a outras substâncias químicas também deve ser considerada.[63]

É importante que a história inclua uma revisão completa de afecções clínicas anteriores (principalmente doenças da infância) que possam ter afetado a função ovariana, incluindo doenças autoimunes (por exemplo, lúpus eritematoso sistêmico, doença inflamatória intestinal), obesidade ou câncer.[48][77]​​[78]​​​​ Quimioterapia ou radioterapia pélvica para câncer podem causar insuficiência ovariana primária iatrogênica.[79]​ A história psiquiátrica também é importante, já que vários medicamentos dopaminérgicos utilizados para tratar doenças psiquiátricas podem suprimir a função do eixo hipotálamo-hipofisário e aumentar a prolactina.[52]​ Mulheres que buscam tratamento de fertilidade podem ter uma prevalência maior de transtornos alimentares atuais ou passados, o que pode afetar a fertilidade e os desfechos subsequentes da gravidez.[53]​ A história cirúrgica pode revelar fatores de risco para a doença tubária, em especial cirurgia pélvica ou apendicectomia. A história social deve incluir a história passada de infecção sexualmente transmissível, uso indevido passado e atual de substâncias e a frequência e o momento das relações sexuais.

A história menstrual é a melhor evidência da função ovulatória normal.[80]​ Um ciclo menstrual normal varia de 21 a 35 dias de duração, e o sangramento menstrual ocorre por 3 a 7 dias. Em uma mulher com menos de 35 anos de idade, a história de ciclo menstrual regular está altamente correlacionada à presença de ovulação. Essa associação é reforçada quando a menstruação é acompanhada pelos sintomas pré-menstruais mensais, incluindo sensibilidade nas mamas, distensão abdominal e/ou alterações de humor. Um ciclo longo está muitas vezes associado à anovulação. Por outro lado, um ciclo curto pode estar associado à anovulação, fase folicular inadequada que leva ao desenvolvimento insuficiente do endométrio ou deficiência da fase lútea. Algumas evidências sugerem que um ciclo curto dentro da faixa normal (21-27 dias) pode ser um sinal de envelhecimento ovariano.[81]

A dispareunia, devido ao movimento restrito do útero por causa das aderências periuterinas, pode ser um sintoma que sugere a doença tubária, endometriose ou outras causas anatômicas de infertilidade.

Exame físico

Os sinais presentes podem incluir um nível muito alto ou muito baixo de gordura corporal (quando indicado pelo índice de massa corporal, o que sugere uma possível disfunção ovulatória), galactorreia, hirsutismo e/ou acne. O exame pélvico pode revelar forma anormal e mobilidade do útero, presença de nódulos no fundo de saco (o que sugere endometriose), e/ou a presença de massas anexiais ou sensibilidade.

Avaliação da ovulação

A primeira etapa é estabelecer se a mulher está ovulando. Uma história de ciclos menstruais mensais com sintomas pré-menstruais é indicativo de ovulação. Mulheres com ciclos regulares não precisam rotineiramente de exames adicionais para confirmar a ovulação, mas eles podem ser considerados em mulheres com hirsutismo ou quando a história menstrual é indeterminada.[2][80]

A progesterona na fase lútea é um teste de ovulação retrospectivo. O soro é avaliado 7 dias após o dia presumido da ovulação (ou 7 dias antes do ciclo menstrual presumido). Um valor de progesterona >9.5 nanomoles/L (>3 nanogramas/mL) é indicativo de um ciclo ovulatório. O momento exato desse teste é fundamental.[80]​ O uso de valores de pico tem baixa sensibilidade e especificidade. No entanto, qualquer elevação da concentração de progesterona na fase lútea é sugestiva de ovulação e, portanto, mais amostras (no início de um ciclo mais curto, até a menstruação em um ciclo mais longo) são feitas frequentemente se o primeiro valor for indeterminado. A presença da elevação de progesterona sérica é considerada confirmatória.

A ovulação pode ser detectada de forma prospectiva e precisa com kits de previsão de hormônio luteinizante (LH) na urina. Este teste utiliza um ensaio imunoenzimático contra a subunidade beta de LH. O LH sobe abruptamente durante aproximadamente 18 horas antes do seu pico, e a ovulação ocorre tipicamente cerca de 36 horas após o início do aumento. Como o hormônio precisa ser conjugado antes de ser excretado, o LH urinário preverá a ovulação com aproximadamente 24 horas de antecedência. Esses testes são mais precisos em prever/demonstrar a ovulação que os quadros de temperatura corporal basal (não são mais recomendados no Reino Unido pelo National Institute for Health and Care Excellence), o cálculo do período fértil ("tabela") ou a observação de mudanças nas secreções vaginais ou cervicais.[82] Além disso, eles proporcionam um ensaio prospectivo de ovulação que também pode ser usado no momento da relação sexual.

A temperatura corporal basal tem sido historicamente utilizada como um meio de determinar a ovulação já que a produção de progesterona do corpo lúteo eleva a temperatura corporal central em cerca de 0.3 °C (0.6 °F), proporcionando um padrão "bifásico" da temperatura. Embora os casais já possam ter feito essa avaliação em casa, não é um teste confiável de ovulação e é incômodo realizá-lo de forma eficaz. Como já existem melhores formas de avaliação da ovulação, ela não é mais recomendada, e os casais não devem insistir em fazê-la.

A ultrassonografia em série pode ser usada para documentar o crescimento folicular e a ovulação.[2]​ Entretanto, como são necessárias medições em série, esse exame é caro e demorado, sendo proibitivo como uma ferramenta diagnóstica inicial. Ela é comumente usada por médicos para avaliar a ovulação em pacientes que estejam tomando medicamentos para a infertilidade durante o ciclo de tratamento.

A biópsia do endométrio não pode diferenciar mulheres férteis e inférteis e não deve fazer parte da rotina de avaliação da infertilidade.[2][83]

Se a ovulação não for confirmada, exames diagnósticos adicionais serão indicados para determinar a causa. Esses exames incluem a avaliação do hormônio folículo-estimulante (FSH) e LH (hipogonadismo hipergonadotrófico ou hipogonadotrófico), níveis de estrogênio, testosterona livre (síndrome do ovário policístico ou outras causas de hiperandrogenismo), hormônio estimulante da tireoide sérico (disfunção tireoidiana), exame para doença celíaca, prolactina (tumor da hipófise), possível cariótipo no caso de gonadotrofinas elevadas (síndrome de Turner) ou perdas gestacionais recorrentes (translocação robertsoniana), e outras investigações secundárias para elucidar uma causa.

Avaliação anatômica

Como uma extensão do exame físico, a ultrassonografia transvaginal (USTV) é frequentemente realizada em ambiente clínico. A USTV permite a avaliação de órgãos pélvicos, incluindo os ovários, para evidenciar o desenvolvimento folicular, a contagem de folículos antrais, a aparência policística ou a presença significativa de cistos, incluindo endometriomas. Também permite a avaliação da mobilidade/acessibilidade ovariana para a recuperação dos oócitos, caso seja indicada. A USTV também permitirá a avaliação da estrutura uterina (embora isso possa exigir mais esclarecimentos), incluindo anomalias congênitas (como septo uterino), presença de miomas, adenomiose e pólipos endometriais. Hidrossalpinges de tamanhos consideráveis que indiquem uma patologia tubária também podem ser detectadas. Assim, a USTV informa a necessidade de avaliação mais detalhada da pelve.

A avaliação da integridade estrutural do trato reprodutivo é essencial para avaliar a fertilidade e necessária para todas as pessoas. Isso pode consistir em exame radiológico ou avaliação cirúrgica.

Historicamente, a ressonância nuclear magnética (RNM) era o método preferencial para avaliação de anormalidades uterinas, predominantemente anormalidades do ducto Mülleriano. É relatado que a RNM tem grande precisão diagnóstica para visualizar anormalidades uterinas (100% de especificidade e 80% a 100% de sensibilidade para a avaliação de anomalias pélvicas).[84][85]​​ A produção de imagens em múltiplos planos torna a RNM um excelente método de avaliação pré-operatória antes de cirurgias ginecológicas reprodutivas, como a miomectomia ou a metroplastia. Mais recentemente, a ultrassonografia tridimensional (3D) surgiu como a ferramenta de imagem de primeira escolha para avaliação da pelve feminina. A ultrassonografia 3D possibilita uma avaliação mais detalhada do útero, com reconstrução de planos anatômicos, o que não é possível com a USTV convencional.[86]​ A avaliação uterina com ultrassonografia 3D é custo-efetiva, não invasiva e altamente aceitável para mulheres. Além disso, tem uma precisão diagnóstica equivalente ou superior à RNM, especialmente se usada por médicos experientes.[87]

A avaliação da patência tubária normalmente é realizada em ambiente ambulatorial. O teste de anticorpos contra clamídia pode ser considerado um teste inicial não invasivo para avaliar o risco de oclusão tubária.[2] Um resultado negativo sugere um baixo risco de oclusão tubária, mas não descarta a oclusão devido a outras infecções. Um resultado positivo deve ser seguido por uma avaliação mais aprofundada da permeabilidade tubária.[2][80]​​ Para mulheres que não apresentam risco de obstrução tubária em decorrência de comorbidades, como doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica prévia ou endometriose, pode-se oferecer histerossalpingografia (HSG); para mulheres com comorbidades, deve-se oferecer laparoscopia com cromopertubação ou histeroscopia.[1][80]​​

A HSG é realizada injetando-se corante radiopaco no útero e acompanhando o corante com fluoroscopia. As anomalias uterinas são ressaltadas pelo corante, e a obstrução tubária é observada pela ausência de derramamento livre na cavidade peritoneal. De acordo com uma metanálise de dados de pacientes individuais, a HSG tem uma sensibilidade combinada de 53% e uma especificidade combinada de 87% para identificação de qualquer patologia tubária.[88]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histerossalpingografia normal (HSG)Do acervo do Dr. Jared C. Robins [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4e58cae2[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histerossalpingografia (HSG) demonstrando hidrossalpinges bilateraisDo acervo do Dr. Jared C. Robins [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7c9fc3bc

Como o valor preditivo positivo da HSG é baixo, os resultados que sugerem obstrução tubária podem requerer avaliações adicionais.[80]

Uma técnica de rastreamento semelhante, a sono-histerossalpingografia contrastada (Hycosy), utiliza a USTV em combinação com um meio reflexivo injetado transcervicalmente para oferecer uma visualização da cavidade endometrial, bem como uma avaliação da integridade tubária.[89] A Hycosy tem uma sensibilidade combinada de 93% (IC de 95%: 90% a 95%) e uma especificidade combinada de 90% (IC de 95%: 87% a 92%) para a avaliação da permeabilidade tubária.[90]​ Embora essa modalidade de imagem seja mais confiável com técnicos treinados, ela tem a vantagem de evitar exposição à radiação, tornando-se preferível à HSG. O uso de um meio de contraste solúvel em óleo para lavagem tubária na avaliação da permeabilidade tubária pode aumentar as taxas de gravidez clínica e é mais recomendado do que meios de contraste hidrossolúveis.[2][91][92]​​​ A complicação mais comum da HSG com contraste solúvel em óleo é o intravasamento.[93] A embolia oleosa é uma complicação rara, mas a técnica deve ser realizada com orientação de fluorescência.[2]

A sonografia com infusão de soro fisiológico (SIS) pode ser usada para acompanhar as anormalidades intrauterinas observadas na HSG ou para avaliar o útero quando não houver suspeita relacionada às tubas uterinas. A ultrassonografia tradicional não é sensível o suficiente para determinar se as lesões são intracavitárias, pois o útero é um espaço latente. A injeção de soro fisiológico no útero para oferecer uma janela sonográfica dentro da cavidade endometrial permite uma visualização melhor. A sensibilidade e a especificidade da SIS foram estimadas em 100% quando a cirurgia foi usada como teste definitivo.[94][95]

Embora a imagem radiológica forneça informações sobre as partes viscosas das estruturas pélvicas, ela oferece pouca informação sobre aderências peritubárias ou endometriose. Além disso, pacientes com fatores de risco, como infecções pélvicas prévias, não são candidatas adequadas para um exame de imagem invasivo em consultório. A laparoscopia é a investigação padrão ouro para promover essa investigação diagnóstica. A decisão de realizar a laparoscopia como uma modalidade inicial de diagnóstico baseia-se na suspeita clínica. Por exemplo, em uma mulher com história de dor na pelve cíclica sugestiva de endometriose, a laparoscopia pode ser a melhor avaliação inicial. Em casos selecionados, a histeroscopia no momento da laparoscopia pode ser indicada (por exemplo, para esclarecer anomalias uterinas ou avaliar miomas submucosos). A histeroscopia tem sensibilidade e especificidade combinadas de 88% e 85%, respectivamente, para detecção de obstrução tubária.[96]

Além da visualização direta para fins diagnósticos, a laparoscopia e a histeroscopia podem oferecer o benefício do tratamento cirúrgico ao mesmo tempo. Algumas evidências sugerem que a histeroscopia pode melhorar as proporções de nascidos vivos em mulheres submetidas à tecnologia de reprodução assistida, mesmo quando os exames de imagem iniciais são normais.[97][98] No entanto, uma revisão Cochrane observou que os resultados foram inconclusivos ao considerar apenas ensaios com baixo risco de viés, e as diretrizes recomendam não realizar histeroscopia quando a imagem for normal.[2][99] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência C]

Alguns médicos realizam um exame de pós-coito para avaliar o colo do útero e o muco cervical. No entanto, existe uma variação intraobservadora elevada nesse exame e não é mais recomendado para uso rotineiro.[2][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histerossalpingografia normal (HSG)Do acervo do Dr. Jared C. Robins [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@13f1b816[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histerossalpingografia (HSG) demonstrando hidrossalpinges bilateraisDo acervo do Dr. Jared C. Robins [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@474a5806[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ultrassonografia com infusão de solução salina normalDo acervo do Dr. Jared C. Robins [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2263fa3a[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ultrassonografia com infusão de solução salina com pólipoDo acervo do Dr. Jared C. Robins [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7bf56872

Exame de reserva ovariana

A idade é o melhor preditor da fertilidade.[12][13]​​​​ Muitos pesquisadores buscaram estabelecer ensaios do "envelhecimento do ovário" para avaliar a qualidade e a quantidade dos oócitos, na tentativa de predizer o potencial reprodutivo.[100] Os testes mais usados são a medição do FSH basal nos dias 2 a 5 do ciclo menstrual (níveis >10 UI/L podem ser considerados consistentes com uma reserva ovariana reduzida, e níveis >8.9 UI/L podem ser considerados preditivos de baixa resposta à estimulação ovariana futura), a contagem de folículos antrais totais realizada por USTV no dia 3 do ciclo menstrual (<5 a 7 oócitos podem ser considerados consistentes com uma reserva ovariana reduzida, e ≤4 oócitos podem ser considerados preditivos de baixa resposta a uma estimulação ovariana futura), e medição do hormônio antimülleriano (HAM), que não é específica a nenhum dia do ciclo (<7.1 pmol/L [<1 nmol/L] pode ser considerada consistente com uma reserva ovariana reduzida, e ≤5.4 pmol/L [≤0.76 ng/mL] pode ser considerada preditiva de baixa resposta a uma estimulação ovariana futura).[1][80]​​​[101] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​

O FSH e o estradiol basais podem ser medidos juntos no início da fase folicular para avaliar a reserva ovariana; no entanto, o estradiol (E2) não deve ser medido de maneira isolada para prever o desfecho do tratamento de fertilidade.[1]​​[80]​​​ Níveis de estradiol elevados podem suprimir os níveis de FSH; portanto, o valor de medir os níveis de estradiol consiste em proporcionar um contexto para níveis normais do FSH. Dessa forma, níveis de estradiol elevados estão associados ao envelhecimento reprodutivo e a uma reserva ovariana reduzida.

A maioria dos estudos sugere que os níveis hormonais basais anormais são preditivos da resposta aos medicamentos de fertilidade, mas não são altamente preditivos de gestação ou incapacidade de engravidar, sobretudo em mulheres jovens.[102] O chamado exame de reserva ovariana dinâmico (por exemplo, o teste do clomifeno) oferece pouco benefício adicional.[103] O exame de reserva ovariana pode ser útil em pacientes com infertilidade inexplicada ou para aquelas com risco de insuficiência ovariana. O exemplos de riscos de insuficiência ovariana incluem idade acima de 35 anos, história familiar de insuficiência ovariana primária, história de cirurgia de ovário ou tabagismo.

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